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Carlos Moedas diz que “está provado” que há agora “mais crime em Lisboa”. É verdade?

Sociedade
O que está em causa?
Em entrevista publicada no jornal "Diário de Notícias", Carlos Moedas sustenta a necessidade de mais polícias na capital com o aumento da criminalidade na cidade que continua "segura, apesar de estar mais insegura". Mas com base nos dados, será que a criminalidade é muito diferente, por exemplo, dos valores pré-pandemia?
© Agência Lusa / António Cotrim

“Eu estou muito preocupado”, sinalizou o presidente da Câmara Municipal de Lisboa ao mesmo tempo que indicava não “querer preocupar as pessoas”. A preocupação expressa em entrevista ao jornal “Diário de Notícias” (de 7 de agosto) partia do argumento de que, ainda que mantenha que Lisboa continua a ser segura, esta está “mais insegura” porque “está provado que há mais crime”.

Sem mencionar números, mas apontando até que “muitas pessoas acabam por não fazer queixa”, Carlos Moedas argumenta que em razão desse aumento da criminalidade, é necessário mais policiamento, não só municipal, mas também mais agentes da PSP em Lisboa.

Mas, olhando para os números, a criminalidade na capital aumentou muito nos últimos anos?

Em termos de dados, a pandemia trouxe, não só a uma escala nacional como também mundial, uma análise a dois tempos: o pré-pandemia e o pós-pandemia.

De facto, em 2023 a criminalidade geral (onde se inclui a criminalidade violenta ou grave) aumentou tanto a nível nacional tanto ao nível apenas do distrito de Lisboa. É isso que revela o Relatório Anual de Segurança Interna 2023 (RASI), onde se aponta que “no que concerne à criminalidade geral” no país, o “número total de participações criminais registadas em 2023 pelos oito OPC (GNR, PSP, PJ, SEF, PM, ASAE, AT e PJM), foi de 371.995, mais 28.150 participações que no período homólogo de 2022 (+8,2%)“. Destes, a criminalidade violenta e grave regista um total de 14.022 participações, “representando um aumento de 5,6%“.

Mas, especificamente no distrito de Lisboa, as participações aumentaram de 82.868 em 2022 para 88.369 no último ano, o que se traduz num aumento de 6,6% na criminalidade geral. Já no que diz respeito à criminalidade violenta ou grave, o aumento foi menos expressivo, havendo registo de 5.146 participações em 2022 e 5.208 em 2023 que se traduz num aumento de 1,2% de um ano para o outro.

Tal como já referido, a Covid-19 impôs uma análise dos dados a dois tempos, antes e depois de 2020, ano que marcou o início da pandemia. Ora, estando Moedas a falar especificamente da criminalidade em Lisboa, é importante analisar o RASI de 2018 e 2019, comparando-o com os dois últimos anos, 2022 e 2023.

No que toca à criminalidade geral, Lisboa registou 87.690 participações em 2018 e 84.498 participações em 2019, verificando-se nos dois anos seguintes (marcados pelos confinamentos da pandemia) um número consideravelmente mais baixo em comparação com os anos anteriores.

A tendência de descida causada pela pandemia inverte-se a partir de 2022, ano em que se registaram 82.868 participações, e manteve-se (em subida) no último ano quando se contabilizaram 88.369. Em comparação, houve um aumento em 2023 da criminalidade geral em Lisboa de 0,7%.

Já no indicador da criminalidade violenta, constata-se precisamente o oposto. Em 2018 houve 5.925 participações e em 2019 contabilizaram-se 6.101, aos quais se seguiram dois anos de reduzidas participações, voltando a aumentar em 2022. Chegadando a 2022, as participações atingem as 5.146 e no último ano 5.208.

Comparando 2023 com 2018 ou até com 2019, percebe-se que a criminalidade violenta não só não aumentou, como se mantém abaixo dos valores pré-pandemia. Houve, inclusive, uma diminuição de 12% em 2023 face a 2018 e 14% face a 2019.

Em julho de 2024, a PSP emitiu uma nota em que rejeitava um aumento da criminalidade violenta e grave nas freguesias de Santa Maria Maior, em Lisboa, e de Ramalde, no Porto, após uma onda de queixas de insegurança tanto por parte dos moradores como de autarcas.

Nessa mesma nota, a autoridade dizia ainda que é “importante esclarecer que o sentimento de segurança não se obtém exclusivamente com mais polícias na rua“, até porque “em termos de sentimento de segurança”, o que se denota é que “se há polícia é porque há insegurança”.

Contactada pelo Polígrafo, a PSP frisa que, apesar das notícias que “referem um aumento do sentimento de insegurança em Lisboa, e em concreto na freguesia de Santa Maria Maior”, o que os indicadores estatísticos demonstram contraria esse sentimento.

Segundo os dados da força policial, na sua Área de Responsabilidade, verifica-se que “no 1.º semestre de 2024, houve uma diminuição da criminalidade geral denunciada no Comando Metropolitano de Lisboa (de 13,97%)”.

Quanto à freguesia de Santa Maria Maior, “considerando a análise realizada aos dados recolhidos, tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o período homólogo do ano transato”. Perante esta análise, a PSP considera tratar-se “de um aumento substantivo do sentimento de insegurança” e não um aumento efetivo da insegurança ou criminalidade.

Relativamente ao policiamento, que Moedas diz ser insuficiente, a PSP explicita que “tem, consecutivamente, incrementado o policiamento em Lisboa, nas diferentes áreas de preocupação e agora em concreto nesta freguesia [Santa Maria Maior], através do policiamento contínuo e de proximidade, de policiamento discreto (não uniformizado) e de operações planeadas de investigação criminal, de controlo e fiscalização rodoviária”, tudo isto “com o constante e permanente empenhamento de diferentes valências Comando Metropolitano de Lisboa e da Unidade Especial de Polícia”.

Ao Polígrafo, a PSP reforça ainda o que disse anteriormente sobre “o sentimento de segurança não se criar somente com mais polícias na rua” e remata: “Além de mais e melhor policiamento, é também importante detetar, analisar e intervir junto de diferentes problemas socioculturais e económicos existentes nos nossos territórios, designadamente em questões como a falta de iluminação pública, a degradação do espaço público, a falta de habitação e a sobrelotação que existe, problemas de adição e falta de apoio/intervenção social nesta área, mais e melhor integração a quem chega de novo, revisão do licenciamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas, nomeadamente no que concerne aos horários estabelecidos, falta de implementação da vídeo proteção, entre outros problemas que influenciam ou podem influenciar o sentimento de segurança ou de insegurança nas populações, sobretudo nas mais vulneráveis.”

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Avaliação do Polígrafo:

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