“Em espanhol e ao ‘El País’, está a regular o AL [Alojamento Local], cá dentro a agenda é outra. Também aparece em bicicleta na Forbes, mas cá a agenda é outra. E no decurso, em inglês, baniu os carros do centro da cidade sem tirar uma viatura que seja”, escreve Pedro Anastácio, vereador do PS na Câmara Municipal de Lisboa (CML), num tweet de dia 2 de agosto no qual repartilha um outro tweet com um vídeo seu.
No tweet original, que partilha um vídeo com excertos de uma intervenção do vereador do PS na CML, deixa-se a seguinte nota: “Se achas que o Moedas diz muitas tangas em português, imagina em espanhol.”
Nas imagens partilhadas, Pedro Anastácio acusa Carlos Moedas de ter “a audácia de dizer ao ‘El País’ que estavam suspensas as novas licenças em 16 freguesias da cidade”, mas o que “não contou nessa entrevista é que votou contra todas essas suspensões”.
No vídeo, ouve-se ainda o vereador a sublinhar que “se há alguma contenção no Alojamento Local (AL) em Lisboa é apesar do presidente Carlos Moedas e não graças o presidente Carlos Moedas”.
É verdade que Carlos Moedas disse ao ‘El País’ que estavam suspensas licenças de AL, mas votou contra essas suspensões?
No que respeita ao vídeo, este é real, ainda que esteja editado e misture excertos da intervenção de Pedro Anastácio com outras imagens com a intenção de enaltecer a acusação do vereador. Mas, no que respeita à intervenção por si só, esta ocorreu no dia 31 de julho durante a 166ª reunião pública da CML, e pode ser vista e ouvida na página da autarquia no YouTube a partir do minuto 39.
Quanto à entrevista de que fala o vereador socialista, foi publicada no jornal “El País“ no dia 5 de julho e, de facto, o presidente da CML menciona o número de licenças suspensas de AL. Quando questionado sobre que medidas concretas havia tomado para limitar os efeitos indesejados do turismo, Carlos Moedas indicou que “em 16 das 24 freguesias de Lisboa já não são permitidas novas licenças de apartamentos turísticos”.
Também é verdade que Carlos Moedas votou contra as suspensões de AL, em concreto, as propostas da oposição, como o próprio admitiu recentemente, mas a história apresenta-se com vários momentos e tem várias camadas.
Começando pelo início, em 2018 o Parlamento aprovou, com os votos contra de PSD e CDS, novas regras para o AL dando às câmaras poder para limitarem a atividade do AL nas zonas onde houvesse escasso mercado de habitação. Medina defendia um equilíbrio entre o AL e a habitação permanente através de quotas.
Assim que a legislação entrou em vigor, nesse mesmo ano, foram suspensas novas autorizações deste tipo de atividade nos bairros de Madragoa, Castelo, Alfama, Mouraria e Bairro Alto. Um ano depois, em novembro de 2019, foi publicado no Diário da República o novo Regulamento Municipal de Alojamento Local (RMAL) da capital.
Avançando para dezembro de 2021 (já com Moedas no cargo de presidente), em reunião de Câmara, foi aprovada uma proposta – à revelia da vontade do presidente – dos vereadores eleitos pela coligação PS/Livre, com votos contra do PSD e CDS-PP, para a “suspensão imediata” de novos registos de AL na capital até à entrada em vigor da alteração ao RMAL.
À data, Carlos Moedas justificou a oposição a esta proposta da oposição: “A suspensão imediata de novos registos de AL que hoje [16 de dezembro] os partidos de esquerda e a vereadora independente aprovaram revela um sinal muito negativo para o turismo, para a economia local e, acima de tudo, para milhares de famílias que vêem aqui um entrave aos seus rendimentos.”
O autarca dizia ainda que a viabilização desta proposta pela esquerda era consequência de “fazer política partidária em vez de privilegiar a política pública equilibrada”, finalizando que o AL deve merecer “uma fiscalização mais eficaz”, mas que era contra “contra propostas radicais”.
Posteriormente, em abril de 2022, os partidos da oposição na CML avançaram com uma suspensão de novos registos de AL em mais 10 freguesias, além das quatro onde já estava proibido, até à entrada em vigor do novo RMAL. A medida foi prolongada por seis meses (e prorrogada sucessivamente a cada seis meses) e aplicava-se apenas às freguesias onde o rácio entre casas de habitação permanente e de AL seja superior a 2,5%.
A oposição à suspensão de novos registos por parte de Carlos Moedas tem sido consistente. Em setembro de 2022, Carlos Moedas indicou, ao ser questionado em entrevista à RTP sobre porque é que se opunha à suspensão de novas licenças para AL em 11 freguesias de Lisboa, que “não faz sentido nenhum” até porque, relativamente ao rácio definido, a considera muito “restritiva”.
E explicou: “Nos bairros onde já havia muito AL, já era proibido fazer mais AL Portanto, nós já tínhamos cinco freguesias, cinco zonas em que já não se podia fazer AL.”
Nessa mesma entrevista, Carlos Moedas admitiu ainda que “obviamente o AL trouxe em certas zonas da cidade, quando foi em excesso, um grande problema, como o encarecimento das rendas ou abusos de proprietários aos inquilinos”, mas aí é necessário “fiscalização” ao invés de “proibição” do AL. E acrescentou também: “Obviamente, onde há excesso de AL não deve haver mais.”
Ao Polígrafo, a CML explica não só que as posições tomadas pelo autarca diziam respeito a propostas concretas da oposição, mas acrescenta que “para tomar decisões é fundamental ter dados e trabalhar com cenários atuais e não outros“.
“Nesse sentido, desde a primeira hora o atual executivo promoveu a elaboração do Relatório de Caracterização e Monitorização do Alojamento Local, que definia como objetivo efetuar uma caracterização do Alojamento Local no concelho de Lisboa”, apontou a autarquia.
E lembrou a proposta da coligação “Novos Tempos” (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança) para esta matéria, descrevendo-a como “equilibrada e fundamentada”. Ao Polígrafo, a CML apontou o dedo aos socialistas que, acusou, bloquearam “uma opção de bom-senso”, enquanto forçaram e submeteram “a votação uma proposta de substituição que adiava qualquer alteração ao RMAL para depois da aprovação da Carta Municipal de Habitação”.
A CML enfatizou ainda que o Relatório de Caracterização e Monitorização do Alojamento Local concluiu, em relação às propostas visadas, que “nos períodos que antecederam a entrada em vigor das deliberações, verificou-se um aumento do número de pedidos de instalação de novos AL, contrariando a tendência de estabilização que se verificou após a entrada em vigor do RMAL” e lembrou que “o atual Executivo desenvolveu uma proposta de novo RMAL que, adotando a freguesia como unidade geográfica de referência, altera os rácios de contenção relativa (5%) e absoluta (15%)”.
“Esta proposta é ajustada à realidade atual da cidade e assenta numa lógica de equilíbrio, com reforço da fiscalização e sem proibições arbitrárias”, concluiu a CML em resposta ao Polígrafo.
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Avaliação do Polígrafo: