Em comentário na CNN Portugal, ontem à noite (27 de janeiro), Carlos César defendeu a mudança de posição que o líder do PS assumiu na entrevista ao jornal “Expresso” (edição de 24 de janeiro) relativamente ao tema da imigração, mais precisamente o modelo da manifestação de interesse – “que tinha um efeito de chamada”, afirmou Pedro Nuno Santos, reconhecendo também que “não fizemos tudo bem nos últimos anos no que diz respeito a imigração”, referindo-se ao Governo do PS.
“Na verdade, aquilo que Pedro Nuno Santos faz numa entrevista que é rigorosa e que é corajosa, é recolocar o PS do lado de uma solução que acautele em simultâneo os interesses daqueles que têm direito a ser acolhidos com dignidade, por outro, da população portuguesa que vê nesse acolhimento também uma mais-valia”, argumentou Carlos César, presidente do PS, apontando para a necessidade de encontrar uma solução alternativa à manifestação de interesse.
Solução que o PS está a preparar e, revelou César, vai apresentar na próxima sexta-feira, 31 de janeiro. Questionado sobre se poderia antecipar o conteúdo da proposta, contudo, respondeu que “não, porque está justamente em avaliação”.
“E porque, esta solução que o PS apresentará, resulta também de um conjunto de estudos e da colaboração também de um conjunto de estudiosos da matéria, que está a decorrer”, prosseguiu César. “Ainda há bocado vim de uma reunião, acidentalmente até, onde estavam pessoas a discutir e a apresentar dados técnicos que eram muito relevantes para nós percebermos o que manifestamente está em causa. Por exemplo, a manifestação de interesse apenas foi responsável creio que por 11% da entrada [de imigrantes] em 2023.”
Por outro lado, contrapôs: “Mas também ainda hoje pude ver que dos 400 mil casos de imigrantes pendentes, 250 mil também entraram com esse formato.”
E concluiu: “Portanto, nós estamos em presença de algo que é complexo e que nós não podemos deixar, em nome da dignidade daqueles que são os destinatários da medida, de abordar e rever.”
Os números indicados por César têm fundamento?
De acordo com o último “Relatório de Migrações e Asilo” da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), referente a 2023, nesse ano verificou-se um aumento exponencial (+129,9%) do número de concessões de títulos de residência a estrangeiros: 328.978 no total, quando em 2022 tinham sido apenas 143.081 (ainda assim um aumento de 28,5% face a 2021).
No entanto, a grande maioria dessas concessões em 2023 foram efetuadas ao abrigo do novo visto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), com 149.174 títulos emitidos, cerca de 45% do total. E importa aqui salientar a predominância de imigrantes de nacionalidade brasileira: 108.232 títulos, cerca de 72% do total.
O certificado de residência de cidadão da União Europeia esteve na origem de 39.118 títulos, seguindo-se a manifestação de interesse (Artigo 88, autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada com dispensa de visto de residência válido) com 32.087 títulos.
Ao que acresceram mais 3.492 títulos através de outro formato da manifestação de interesse (Artigo 89, autorização de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores com dispensa de visto de residência válido), perfazendo 35.579 títulos por via da manifestação de interesse, cerca de 10,8% do total.
Quanto ao número de manifestações de interesse entre “os 400 mil casos de imigrantes pendentes”, há que ter em conta as declarações proferidas pelo presidente da AIMA, Luís Goes Pinheiro, em junho de 2024, numa audição na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Pinheiro informou que subsistiam na altura 342 mil pendências no capítulo de “manifestações de interesse e processos administrativos de autorização de residência”, a que se somavam 70 mil processos que estavam “em tramitação”.
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Atualização:
Na sequência da publicação deste artigo recebemos do Ministério da Presidência a informação de que o Governo agora em funções contabiliza como manifestações de interesse de 2023 as autorizações concedidas ao abrigo do regime especial para cidadãos da CPLP.
“Com a criação do regime previsto no Artigo 87-A da Lei de Estrangeiros, os processos de manifestação de interesse de imigrantes nacionais da CPLP foram convertidos para o novo regime. Assim, não é correto afirmar que a manifestação de interesse corresponda a 11% das concessões de autorização de residência”, alega o Governo. De acordo com estas contas, “de um universo de 294 mil títulos de residência concedidos em 2023, mais de 50% correspondem a manifestações de interesse”.
O Polígrafo questionou a AIMA sobre se os dados inscritos no “Relatório de Migrações e Asilo” de 2023 estariam assim incorretos, tendo recebido a seguinte explicação:
“O regime de manifestações de interesse existe desde 2017, acumulando processos pendentes de análise, principalmente desde 2019. Uma parte significativa destes processos correspondia a cidadãos nacionais dos países da CPLP. Em março de 2023 entrou em funcionamento o Portal CPLP, feito pelo SEF para operacionalizar o regime de mobilidade previsto no Acordo CPLP. Uma vez que o regime CPLP é mais facilitador em termos de requisitos, os cidadãos nacionais da CPLP com manifestações de interesse feitas antes de 31 de dezembro de 2022 puderam converter a sua manifestação de interesse num pedido de autorização de residência CPLP. Desta forma, cerca de 120 mil manifestações de interesse foram convertidas em autorizações de residência CPLP, por via deste mecanismo, no ano de 2023. Como a autorização de residência efetivamente concedida foi a prevista no artigo 87º-A da Lei de Estrangeiros, o relatório da AIMA contabiliza essas concessões como regime CPLP, embora a entrada dos cidadãos em causa tenha origem em manifestação de interesse.”
Ou seja, as autorizações de residência foram concedidas no âmbito do regime CPLP, daí essa indicação no relatório da AIMA – que aponta para apenas 11% de autorizações de residência no âmbito do regime de manifestações de interesse.
Acresce que, em 2023, os vistos CPLP não tinham as mesmas condições que as autorizações de residência ao abrigo das manifestações de interesse. Mais, o regime simplificado para cidadãos da CPLP abrangia também os que dispunham de vistos CPLP emitidos após 31 de outubro de 2022, além dos que entraram de forma regular em Portugal mas ainda não tinham pedido autorização de residência.
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Avaliação do Polígrafo: