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Cancro pode “criar” vasos sanguíneos para se alimentar?

Saúde
O que está em causa?
As células cancerígenas, tal como as outras, precisam dos vasos sanguíneos para lhes dar os nutrientes e o oxigénio que precisam. É verdade que, por vezes, esses vasos não são suficientes e o cancro "cria" novos?

As células cancerígenas são diferentes de outras, mas têm as mesmas necessidades: precisam de nutrientes e oxigénio para sobreviver. Quando um tumor é muito pequeno, cresce facilmente e chegam-lhe os vasos sanguíneos adjacentes para suprir as necessidades. 

O tumor vai crescendo e precisa de cada vez mais oxigénio e nutrientes, já não basta a quantidade que conseguia facilmente no início através dos vasos sanguíneos que o cercavam, as células que estão mais no interior deixam de ter acesso.

Então, as células cancerígenas mandam “sinais” para haver novos vasos sanguíneos — esse processo chama-se angiogénese e é um dos responsáveis pelo crescimento e proliferação de alguns tumores.

Há, aliás, terapias que têm como objetivo inibir este processo, fazendo com que os tumores não cresçam ou cresçam mais lentamente. 

Como funciona a angiogénese?

Antes de mais, importa sublinhar que a angiogénese é um processo comum, que acontece muitas vezes ao longo da vida não associado a qualquer doença. 

Isto porque “nenhum tecido metabolicamente ativo no corpo está a mais de algumas centenas de micrómetros (1 micrometro = 0,0001 milimetro) de um vaso sanguíneo”, lê-se no site dos Institutos Nacionais da Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla inglesa).

Ou seja, enquanto um ser humano cresce, vai precisando de cada vez mais vasos sanguíneos, criados através deste processo. 

Mas os tumores conseguem “manipular” este sistema e quando começam a ficar com zonas sem oxigénio libertam proteínas que servem como sinais químicos de alarme. 

Um desses sinais, o mais falado e mais relevante para este processo ocorrer em tumores, chama-se VEGF (Vascular Endothelial Growth Factor ou, em português, fator de crescimento do endotélio vascular).

É uma “mensagem de emergência” que o tumor envia para chamar vasos sanguíneos. O VEGF é uma molécula que se liga a recetores que estão nas células que formam a parede dos vasos (células endoteliais) e dá instruções para elas se multiplicarem, migrarem e construírem novos vasos. 

O tumor cria a sua própria rede de abastecimento, que não só o alimenta, mas também abre caminho para que outras células cancerígenas possam entrar na circulação e espalhar-se para outros órgãos — esta é uma das formas através das quais um cancro pode metastizar.

Como funcionam os anti-angiogénicos?

Sem nutrientes e oxigénio, os tumores não se conseguem desenvolver. Por isso, foram desenvolvidos fármacos que inibem a angiogénese.

A lógica é simples: se se cortar o “abastecimento” de sangue ao tumor, ele deixa de ter os recursos necessários para crescer e espalhar-se. 

Alguns medicamentos inibidores da angiogénese são proteínas criadas em laboratório que se ligam especificamente ao VEGF. O VEGF deixa de conseguir ligar-se ao seu recetor e, por isso, não consegue dar a ordem para formar novos vasos sanguíneos. 

Outros fármacos atuam de forma diferente: bloqueiam diretamente os recetores nas células dos vasos sanguíneos ou interferem nas mensagens químicas dentro da célula, que seriam ativadas pelo VEGF. 

Nos tumores, estes inibidores da angiogénese funcionam melhor quando são usados em conjunto com outros tratamentos, como a quimioterapia.

Isto acontece porque, ao contrário de muitos tratamentos clássicos contra o cancro, os anti-angiogénicos não matam diretamente as células tumorais. O que fazem é travar ou abrandar o crescimento do tumor.

Como não destroem o tumor de imediato, precisam normalmente de ser administrados durante longos períodos, ajudando a manter a doença controlada e a potenciar os efeitos de outros tratamentos. Além disso, esta terapêutica não funciona para todos os cancros.


Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.

A Fundação Champalimaud não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores da iniciativa.

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