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Câmara do Porto retira camas pertencentes a sem-abrigo em ação de “limpeza urbana”?

Sociedade
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Três polícias municipais e dois funcionários camarários são os protagonistas de um vídeo que circula nas redes sociais e que foi já partilhado por milhares de utilizadores do Facebook. Para fora do passeio, num espaço abrigado por um edifício envidraçado, foram arrastadas mantas, edredões e pedaços de caixas de cartão, que servem de cama para os sem-abrigo que ali pernoitam. A retirada é da responsabilidade da Câmara Municipal do Porto (CMP) e ocorre no sentido de uma “ação de limpeza urbana”. Verificação de factos.

Numa mensagem dirigida a Rui Moreira, atual presidente da autarquia do Porto, o autor da publicação afirma que “o crescente problema dos sem-abrigo no Porto tem que ser encarado de frente e não varrido para debaixo do tapete!”. O vídeo que acompanha o texto foi gravado na Rua de Sá da Bandeira, uma das mais conhecidas da cidade do Porto, e veio pela primeira vez a público no dia 23 de março, entretanto partilhado mais de 2,7 mil vezes. Ao que tudo indica, os bens foram retirados do espaço público sem qualquer tipo de aviso prévio, ação que tem lugar em vários locais da cidade.

O Polígrafo contactou a CMP, no sentido de esclarecer a origem desta situação, que começa por explicar que esta “não se trata de uma medida direcionada aos sem-abrigo”, mas antes de “ações recorrentes de reposição da normalidade em alguns espaços onde coexistem ameaças concretas à saúde ou à segurança pública”. Quão recorrentes? “A Polícia Municipal (PM) acompanha semanalmente 9 ações de limpeza urbana, 7 no âmbito do Porto Cidade Sem Droga e 2 da Empresa Municipal de Ambiente do Porto (EMAP), e identifica, junto dos serviços de limpeza, áreas de intervenção decorrentes das denúncias que recebe”, explica fonte oficial da Câmara.

Dentro das consideradas “ameaças concretas à saúde ou à segurança pública” estão os “equipamentos que se encontram em estado de limpeza deficitário”. A grande maioria destas intervenções, diz a autarquia, é despoletada por denúncias de munícipes que convocam o organismo, no âmbito das suas competências, a higienizar regularmente o espaço público.

Ora, “higienizar” inclui, mais do que proceder à limpeza do espaço, retirar de vários locais da cidade materiais têxteis e pedaços de cartão que asseguram ao sem-abrigo algum conforto para pernoitar no local. Questionados sobre se o cidadão é avisado previamente das ações de “limpeza urbana”, a CMP diz que “efetua estas ações ‘à luz do dia’ – nunca antes das 08h30 – e, num número consideravelmente elevado de casos, não encontra o utilizador do espaço”.

No caso retratado no vídeo, a denúncia chegou através de um munícipe, esclarece a CMP, “devidamente identificado”, que solicitou, e passamos a transcrever, “a intervenção de V. Exas [CMP], no sentido de acabar com a situação documentada pelas fotos em anexo. Esta lixeira mantém-se há várias semanas”. Quanto ao “utilizador” daquele espaço, a autarquia volta a frisar que “não foi encontrado” e, assim sendo, não teve qualquer tipo de intervenção ou possibilidade de reaver alguns dos seus bens, que vemos ser retirados no vídeo em causa.

Relativamente a documentos e “pertences que possam ser posteriormente entregues”, a câmara municipal garante que “os equipamentos retirados do espaço público são previamente verificados pelos elementos da limpeza urbana”, precisamente com o intuito de salvaguardar bens mais relevantes, como alguma documentação. Quando aos materiais retirados, e dentro da classificação da CMP, falamos de equipamento que se encontra num “estado de limpeza deficitário”, tratando-se esta de uma “ação muito delicada, pelos riscos sanitários que envolve, para os colaboradores da CMP”.

Mas o que acontece quando o “utilizador” é encontrado ou está no espaço onde é feita a intervenção? “É-lhe pedido que retire os seus pertences da via pública ou que identifique quais os que poderão ser retirados pela limpeza urbana. Não é incomum ser o próprio utilizador quem identifica os equipamentos que podem ser retirados”, esclarece a autarquia.

O Polígrafo entrou em contacto com o Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA), com atuação na cidade do Porto, para perceber se houve, até ao momento, alguma denúncia deste tipo de atuação, mas fonte oficial da instituição ressalva que se trata de um tema “complexo”, uma vez que “põe em causa a saúde pública” e que os visados são alertados “várias vezes”.

Importa notar que o CASA desenvolve trabalho comunitário, fundamentalmente ao nível da alimentação, com o NPISA (Núcleo de Prevenção e Integração nos Sem-Abrigo), cuja coordenação é da responsabilidade da Câmara Municipal do Porto. Deste Núcleo fazem parte mais de 50 entidades, entre as quais algumas juntas de freguesia e centros sociais, para além de várias associações ligadas à cooperação direta com a população sem-abrigo.

O Polígrafo questionou ainda a CMP no sentido de perceber qual a solução encontrada para os sem-abrigo da cidade que, na sequência das ações de “limpeza urbana”, veem suprimidos os seus próprios pertences. No entanto, fonte oficial da Câmara refere, mais uma vez, que esta “não se trata de uma ação direcionada para a população sem-abrigo”, pese embora as consequências diretas que tem nestes cidadãos.

Aliás, a Câmara de Rui Moreira menciona até alguns efeitos positivos relacionados com as “medidas de higienização”, que “são também a forma de dar dignidade sanitária possível a quem encontrou na rua a sua única casa” e que, talvez por essa circunstância, “sejam ações de limpeza bem acolhidas e esperadas por alguns utilizadores dos espaços”.

Para a mesma pergunta, uma resposta diferente: a associação CASA explica ao Polígrafo que, quando os pertences são retirados aos sem-abrigo (roupa, calçado, cobertores, sacos-cama…), “as associações acabam por repor tudo, de forma praticamente imediata”. “O CASA Porto tem em armazém roupa, calçado, roupa de cama, toalhas (…) para servir de apoio à sua atividade principal, que é a alimentação”, salvaguarda o Centro.

Questionada sobre se a Polícia Municipal tem legitimidade para atuar sozinha nestes casos, a autarquia assegura que isso nunca acontece, mas ressalva que, embora esta não seja a sua “missão core”, a Polícia pode fazê-lo “de acordo com as circunstâncias que encontrar no local, no âmbito das denúncias que, quase diariamente, recebe”.

Isto porque falamos de “ocupações ilícitas do espaço público, algumas delas que colidem com o direito de propriedade de particulares, outras que impedem o acesso a estabelecimentos comerciais e residências e, não menos importantes, outras ainda que colocam em risco a saúde pública pela presença de uma parafernália de utensílios conspurcados utilizados no consumo de substâncias de abuso (seringas, pratas, cachimbos…) ou de fluídos orgânicos, nomeadamente sangue. É frequente encontrar áreas onde coexistem fezes, urina ou vómitos com cobertores e colchões, sendo a atuação direcionada na higienização e retirada destes equipamentos”, conclui a CMP.

Quanto à ocupação ilegal do espaço público, a Câmara do Porto refere que, embora seja “passível de integrar um ilícito contraordenacional, não existem registos policiais do levantamento de qualquer auto de notícia”.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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