No passado dia 8 de março, a SIC divulgou uma entrevista com o padre António Júlio Santos. Este mantém-se no ativo na paróquia de Santarém mesmo depois de ter sido julgado e condenado em 2015 por abusos sexuais de menores de 11 e 12 anos.

Após ter sido tornado público o caso de António Júlio Santos, o bispo da Diocese de Santarém, José Traquina, saiu em defesa do pároco. Dizia no dia 10 de março, também em declarações à SIC, que, tendo em conta os exames a que foi sujeito, “a conclusão foi que se trata de uma depressão”.

“A pessoa está sobre uma depressão e fez o que não devia. Essa depressão não se configura com um pedófilo compulsivo. Não é a mesma coisa", alegou Traquina.

Nas redes sociais, rapidamente se multiplicaram as críticas às declarações do bispo, mas também à atuação da Igreja.

“O bispo de Santarém justifica a manutenção no ativo de um padre pedófilo porque, pronto, fez aquelas coisas porque estava deprimido. No minuto a seguir a ter feito aquelas declarações qualquer instituição com o mínimo de dignidade corria com ele, a Igreja mantém-no. Tradução: a Igreja Católica não tem o mínimo de dignidade”, pode ler-se num post que data de 11 de março.

Dito isto, é verdade que a Igreja nada fez em relação ao bispo José Traquina?

O Polígrafo contactou o Patriarcado que, em resposta, indicou que "as 21 Dioceses da Igreja Católica em Portugal, são independentes entre si e respondem diretamente ao Papa".

"Por esta razão o Patriarcado de Lisboa não pode responder às perguntas que enviou. E só mais um esclarecimento, apenas o Papa pode tomar medidas em relação aos seus bispos", conclui.

Também a Diocese de Santarém foi contactada tendo, em resposta ao Polígrafo, rejeitado que o bispo tenha ocultado ou diminuido "a situação conhecida do Padre Antonio Júlio Santos".

"Quando o Padre António Júlio recebeu estas missões foi sempre com autorização civil e canónica, as comunidades foram sempre informadas quer pela presença do Bispo quer com visita e informação que o vigário geral da Diocese procurou fazer no acompanhamento do próprio caso. O sacerdote acusado e condenado, residiu e reside com outros colegas e com o devido acompanhamento, não estando de todo colocado fora de plano uma reavaliação da sua situação", acrescenta a Diocese.
Detalha ainda que "não recebeu na sua comissão diocesana nem da parte da Comissão Independente, até ao momento, nenhuma suspeita recente". Mais, "a dificuldade na comunicação por parte da Igreja não pode servir de desculpa, e por vezes a dificuldade no uso das palavras sem rodeios e de alguma falta de assertividade leva à não compreensão de assuntos. Fomos vendo isso, como nos últimos dias com bispos a falar no mesmo sentido mas com a utilização de termos diferentes geraram na comunicação social a ideia de que estavam em linhas opostas", justifica ainda.
A mesma remete ainda para o Comunicado do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, divulgado no dia 14 de março, em que se aponta que a Igreja está "num ponto sem retorno" e que está a ser desenvolvido trabalho para "proteger as vítimas e garantir a segurança e confiança nos ambientes da Igreja Católica".
"É esse também o compromisso do Bispo de Santarém e da diocese que lhe está confiada desde o final de 2017", conclui.
De resto, "a Diocese de Santarém renova toda a disponibilidade para esclarecimentos, a vontade absoluta pela procura da verdade e da justiça para com as vítimas daqueles que sofreram qualquer espécie de abusos por membros da Igreja, e de erradicar de forma eficaz este tipo de comportamentos com sensibilização clara e de prevenção para com todos".

Importa ainda esclarecer se uma depressão poderá ser, de alguma forma, justificação para abusos sexuais a menores.  Para isso, o Polígrafo contactou o psicólogo Ricardo Barroso, autor do Programa PASS direcionado para agressores sexuais adultos.

"Aquilo que parece estar a acontecer é a tentativa de justificar ou desculpabilizar a ocorrência de um crime sexual por estar a existir, eventualmente uma perturbação depressiva e isso não é verdade. Os problemas de saúde mental não são o motivo que levam as pessoas a cometer crimes sexuais", começa por sublinhar Barroso. Acrescenta que "aquilo que se encontra na base de um abuso sexual de crianças é a presença de um padrão de sexualidade desviante, não é a eventual presença de um problema de saúde mental".

O psicólogo considera ainda que se "trata de uma estratégia de minimização, mais do que desculpabilização". "Na minha opinião esta pessoa não pode estar a trabalhar com crianças. Percebo e até compreendo que possa desempenhar determinadas funções dentro da própria Igreja Católica, mas nunca em contacto com menores. Isto é fundamental", frisa o especialista.

Quanto a consequências deste tipo de declarações para as vítimas, Barroso afirma que a postura de "desvalorização das vítimas" pode desencadear uma maior relutância das vítimas em denunciar os abusos. "Está-se a desvalorizar as próprias vítimas, como que tiveram o azar de se deparar [com os abusos]", sublinha.

"Com a percepção de minimização do comportamento, as vítimas podem diminuir a possibilidade ou o à-vontade de eventualmente denunciar. As vítimas de abusos sexuais, desde muito cedo, começam a percepcionar que o processo de denúncia e o processo legal é muito pesado, difícil, que vão sofrer enormes pressões, que vão ser descredibilizadas... Portanto, as vítimas têm a noção da saga que eventualmente poderão vir a ter e ao ouvirem estas minimizações dos comportamentos de agressão, reforçam as vítimas a não denunciarem", conclui o especialista.

_________________________

Avaliação do Polígrafo:

Assine a Pinóquio

Fique a par dos nossos fact checks mais lidos com a newsletter semanal do Polígrafo.
Subscrever

Receba os nossos alertas

Subscreva as notificações do Polígrafo e receba os nossos fact checks no momento!

Em nome da verdade

Siga o Polígrafo nas redes sociais. Pesquise #jornalpoligrafo para encontrar as nossas publicações.
Verdadeiro, mas...
International Fact-Checking Network