A contradição identificada por um leitor enquanto tentava renegociar uma taxa de juro do crédito à habitação foi exposta ao Polígrafo através desta mensagem: “Se estamos a tentar reduzir a nossa taxa de esforço visto que estamos com dificuldades em pagar o nosso crédito à habitação, é injusto que nos proponham gastar mais dinheiro só para beneficiar de uma redução de spread.”
O protagonista do caso conta que decidiu dirigir-se ao seu banco – o BPI – para “conseguir reduzir uma das taxas em que é possível negociar (spread)”. Relata que foi com “espanto” que recebeu a informação de que para conseguir tal redução “em 0.5% ou 1%” teria de adquirir um dos produtos que a instituição bancária tem para venda na sua página. “Isto é, teria de comprar um produto, tal como relógios, perfumes, telemóveis, smartwatch, entre outros, a começar nos 300€”, garante.
De facto, consultando o site do BPI, identifica-se uma área de venda de “produtos de prestígio“, entre relógios, joalharia e produtos tecnológicos. Mas, contactada pelo Polígrafo, fonte oficial do banco em causa garante que o BPI “não conhece a situação nem tem condições de conhecer, sem mais dados”.
“O Banco está à inteira disposição do cliente para receber esta reclamação e tratá-la adequadamente. O BPI esclarece que a prática relatada está expressamente proibida na rede comercial do Banco. Existem instruções internas claras nesse sentido e o Banco abrirá um processo interno de averiguação para apurar os factos e eventuais responsabilidades, logo que deles tenha cabal conhecimento”, informa a mesma fonte, que assegura o “cumprimento escrupuloso da lei em todas as circunstâncias, nomeadamente no que respeita à renegociação de contratos de crédito habitação”.
Contactado pelo Polígrafo, Nuno Rico, especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste, indica que, para já, “existe liberdade negocial para o banco propor vendas associadas no sentido de melhorar as condições de um contrato de crédito”.
Assim, garante, fazer depender a aceitação da renegociação de um crédito da subscrição desses produtos propostos, não é ilegal. Contudo, assinala que “poderá ser considerada como moralmente condenável”.
Nuno Rico informa que foi recentemente aprovado no Parlamento, a 14 de abril, o Decreto Lei n.º 479/XV, que aguarda publicação em Diário da República, e que “vem proibir a imposição deste tipo de vendas associadas como condição de renegociação dos contratos de crédito no âmbito do Decreto-Lei n.º 80-A, que se encontra em vigor até ao final do presente ano e procura facilitar os processos de renegociação dos contratos de crédito à habitação cujos mutuários tenham ultrapassado uma taxa de esforço de 35%”.
A Deco confirma ainda que tem recebido relatos idênticos ao que chegou ao Polígrafo e que tem denunciado tais situações. Se estiver perante uma proposta idêntica do seu banco, o especialista da associação de defesa do consumidor deixa dois conselhos: “Deve procurar negociar essas exigências com o banco ou procurar alternativas noutras instituições de crédito e ponderar a transferência do financiamento”. E esclarece que assim que a nova legislação entrar em vigor, este tipo de imposição passará a ser proibida e quaisquer casos semelhantes “deverão ser reportados no Portal do Cliente Bancário do Banco de Portugal”.
Ou seja, é verdade que até ao momento os bancos podiam fazer depender a aceitação da renegociação de um crédito da subscrição de um produto. Aliás, a Deco tem vindo a denunciar situações deste tipo. No entanto, a legalidade desta ação está prestes a ser vedada com a iminente entrada em vigor de um Decreto-lei que proíbe precisamente esta prática.
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Avaliação do Polígrafo: