- O que está em causa?Em publicação no X/Twitter destaca-se um suposto contrato por ajuste direto que o Banco de Portugal terá firmado com a Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados, pelo preço de 2,3 milhões de euros. Objeto do contrato: "Aquisição de serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário." Verdadeiro ou falso?

"Um ajuste direto de 2.300.000 euros", salienta-se num tweet datado de 8 de novembro, por cima de uma imagem do registo de um contrato que terá sido celebrado a 30 de outubro entre o Banco de Portugal e a Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados, firma de advocacia.
O preço avultado para um contrato de "aquisição de serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário", além do recurso ao modelo de ajuste direto (i.e., sem concurso público, nem consulta prévia), suscitaram dúvidas a leitores do Polígrafo que pediram uma verificação de factos.

Sim, o contrato é real, está registado no portal Base. A entidade adjudicante - o Banco de Portugal - justificou o recurso ao ajuste direto com a "ausência de recursos próprios".
No documento informa-se que "o contrato mantém-se em vigor pelo prazo de três anos, contados a partir da data da sua outorga". Porém, há algo a ter em consideração acerca do referido montante de 2,3 milhões de euros: esse será o "preço máximo a pagar" pelo Banco de Portugal à Cuatrecasas, mediante os "preços/hora constantes da proposta adjudicada, multiplicada pelo número de horas efetivamente prestadas, acrescido de IVA à taxa legal em vigor".
Em declarações ao Polígrafo, Nuno Cunha Rolo, especialista em contratação pública e ex-presidente da associação cívica Transparência e Integridade, explica que as regras dos contratos estabelecidos em regime de ajuste direto, no âmbito da "aquisição de prestação de serviços", têm um limite máximo de "20 mil euros". Mas há uma "exceção" que pode ser "utilizada para poder ir contra" esse "critério do valor" - sustentada num carácter de "urgência”, que possibilita a ultrapassagem desse montante.
"Neste procedimento, o que acontece é que a lei permite que a entidade adjudicante convide diretamente uma entidade à sua escolha a apresentar uma proposta acompanhada com caderno de encargos, com as condições contratuais e, portanto, por escrito, claro", sublinha. Em causa está uma exceção em que, considera Cunha Rolo, se verifica "um abuso".
Por outro lado, "a lei permite" ainda que se recorra a um ajuste direto quando serviços da mesma natureza "já tinham sido prestados pela entidade que se vai convidar" para esse fim, para garantir uma "continuidade" no trabalho jurídico. Mas Cunha Rolo adverte que existem "limitações" a este nível, pois a prestação teria de ter ocorrido nos "três anos" anteriores e a própria "entidade tinha que invocar um ajuste direto no anúncio do programa do concurso".
"As contratações por ajuste direto não deixam de estar sujeitas ao princípio da concorrência e ao princípio da transparência", numa garantia de "salvaguarda e prossecução do interesse público", defende.
Mais especificamente sobre este contrato do Banco de Portugal, Cunha Rolo entende que se "fundamenta no facto de não haver concorrência, por motivos técnicos", mas sem fundamentar "a escolha do ajuste direto, que é obrigatória". Ou seja, "não fundamenta a decisão de contratar" por esta via, segundo o que está "consagrado no Código dos Contratos Públicos".
Ressalva porém que a "lei não é clara" e "há interpretações muitas vezes variadas". Mas que, "no final de contas", é importante não esquecer que este regime de ajuste direto "tem bastante risco para a boa gestão pública e dos dinheiros públicos".
Por sua vez, o Banco de Portugal transmitiu ao Polígrafo mais informação sobre o contrato: "Visa a prestação de serviços de patrocínio judiciário, por um período de três anos, com limite máximo de despesa plurianual nos 2,3 milhões de euros, ou seja, com despesa máxima admitida de aproximadamente 766 mil euros por ciclo orçamental anual".
Trata-se, assim, de uma "prestação de serviços de assessoria e patrocínio jurídico-forense" que se inscreve "no apoio técnico complementar e especializado à equipa de advogados internos do Banco de Portugal, na gestão do segmento de contencioso em curso a opor diversas entidades nacionais e, sobretudo, internacionais ao Banco de Portugal, ao Fundo de Resolução e à própria República Portuguesa, na sequência da aplicação, em 2014-2015, de medidas de resolução ao Banco Espírito Santo". Algo que, "neste momento, envolve já montantes relacionados com essa litigância a ascender a 1,1 mil milhões de euros".
O Banco de Portugal assegurou ainda que a "celebração do referido contrato resultou de um procedimento aquisitivo de serviços por parte do Banco de Portugal em estrito cumprimento da legislação em vigor, em particular do Código dos Contratos Públicos".
_____________________________
Avaliação do Polígrafo:
