Numa semana em que vários incêndios lavram pelo país, um “post” com mais de três anos volta a circular no Facebook: “Quando as florestas portuguesas eram patrulhadas por cerca de 4000 guardas florestais distribuídos por 940 casas de guarda e 140 postos de vigia, a prevenção funcionava. Mas o progresso trouxe-nos a era dos peritos, dos gabinetes de estudo, dos pareceres, das comissões de inquérito, dos financiamentos e dos mil projectos sem qualquer utilidade, enquanto vemos Portugal a arder ano após ano.”
Em 2022, o então Ministério da Administração Interna (MAI) dizia ao Polígrafo, sobre esta matéria, que, ao contrário do que se alega na publicação em causa, não existiram 4.000 guardas-florestais em Portugal, desde logo por causa do número de casas de guarda indicado no texto.
“Tomando como referência as 940 casas de guarda referidas, que incluía as existentes nos Açores e Madeira, os guardas-florestais estavam legalmente obrigados a habitá-las até 1974 – pelo que, correspondendo cada habitação a um guarda-florestal, não poderiam existir os referidos 4.000 [guardas-florestais]”, informa fonte oficial do MAI, em resposta ao Polígrafo.
Uma pesquisa por estes valores leva-nos até ao quadro sistemático do Regulamento para a Execução do Regime Florestal conforme o decreto de 24 de dezembro de 1901, que aprovou a criação formal de um corpo de guardas-florestais e, por conseguinte, a organização dos serviços agrícolas e dos quadros do pessoal técnico dos mesmos serviços. Neste quadro é publicada a lei n.º 1971, de 15 de junho de 1938 – “Lei do povoamento florestal” – que sujeitou especificamente determinados baldios ao regime florestal.
O mapa n.º 7 anexo ao diploma, estabelecendo o “Plano de arborização por quinquénios – 1939 a 1968”, dos baldios a norte do Tejo (serras), previa a construção de um total de 940 casas de guarda nos quatro primeiros intervalos de cinco anos, de 140 casas de vigia e ainda a admissão de 877 guardas, pertencentes ao pessoal técnico dos quadros em que estão também incluídos 28 administradores e 120 mestres.
De resto, “o número máximo de mestres e guardas-florestais por ano nunca atingiu os 1.500 efetivos: a lei orgânica da Direção-Geral das Florestas aprovada em 1986 previa um máximo de 1.477 lugares“, esclareceu a mesma fonte, “conforme dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)”.
Este limite máximo vigorou assim desde 1986 até 2006, quando José Sócrates e António Costa, então Primeiro-Ministro e ministro da Administração Interna, respetivamente, assinaram o Decreto-Lei n.º 22/2006 que extinguiu o Corpo Nacional da Guarda Florestal, tendo o pessoal da carreira de guardas-florestais da DGRF transitado “para o quadro de pessoal civil da GNR, com a categoria, antiguidade e índice remuneratório que atualmente possui”.
Na resposta ao Polígrafo, o MAI explicou que houve 453 guardas e mestres florestais transferidos para a GNR e que a criação dos lugares de guarda-florestal na GNR, nesse mesmo decreto, “previa a sua extinção progressiva, acompanhando a passagem à reforma desses elementos”.
Como tal, é falso que as florestas portuguesas tenham sido “patrulhadas por cerca de 4.000 guardas-florestais, distribuídos por 940 casas de guarda e 140 postos de vigia”. Estes dois últimos números, aliás, fazem parte de um plano de povoamento florestal de 1939, não tendo sido estabelecida qualquer relação com o número de guardas-florestais apontado no texto.
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Avaliação do Polígrafo: