Com o verão a chegar , aumenta a exposição ao sol e torna-se indispensável falar de proteção solar, uma medida fundamental para proteger a pele dos efeitos negativos dos raios solares. Mas será que aplicar protetor é suficiente para prevenir o cancro da pele?
Protetor solar é suficiente para prevenir o cancro da pele?
Joana Alves Barbosa, dermatologista do Hospital Lusíadas, especialista em Dermatovenereologia, membro da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia e membro da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia, adianta que o uso de protetor solar é “fundamental” para proteger a pele dos efeitos nocivos da radiação ultravioleta”, mas “não é suficiente por si só” para a prevenção do cancro da pele.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os protetores solares constituem uma forma de proteger a pele contra os efeitos nocivos da radiação ultravioleta, mas podem “não bloquear completamente a radiação UV”. Por isso, devem ser combinados com outros métodos. No mesmo artigo, a OMS alerta que o objetivo da aplicação de protetor solar “não é prolongar a permanência ao sol”.
Também a Harvard Medical School diz, num artigo informativo, que não se deve usar apenas o protetor solar para proteger a pele. A “melhor estratégia” é evitar a exposição solar tanto quanto possível. É um “perigo” presumir que colocar protetor solar é “suficiente” para proteger a pele contra o sol, diz-se no mesmo artigo.
Na mesma linha, a Skin Cancer Foundation refere que o protetor solar é uma “parte importante” para proteger a pele dos danos causados pelo sol, contudo, reconhece que “não é suficiente por si só”.
Uma proteção solar eficaz inclui um conjunto de medidas além da proteção solar e que “são muitas vezes negligenciadas ou esquecidas”, assinala a médica Joana Alves Barbosa.
A dermatologista destaca que a exposição à radiação ultravioleta (UV) “não ocorre apenas quando se está na praia ou na piscina”. Por exemplo, também a prática de exercício físico ao ar livre, a jardinagem ou uma caminhada, mesmo em dias nublados, implica exposição à radiação UV.
Para nos protegermos dos “efeitos nocivos” do sol, é essencial evitar a exposição em “horas de maior calor”, ou seja, entre as 11h00 e as 16h00, período em que a “radiação UV é tão intensa” que o melhor é “procurar áreas de sombra”.
As horas “seguras” são aquelas em que a “sombra é maior do que nós próprios”, exemplifica a Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Adicionalmente, explica a médica consultada pelo Viral, é “importante” usar roupas protetoras, como camisolas de manga comprida “de cor escura e tecido pouco poroso”.
“Contrariamente ao que se possa pensar, não se deve utilizar roupa clara na praia. A cor escura e o tecido de trama fechada limitam a penetração dos raios UV na pele e, por isso, oferecem maior proteção”, esclarece.
O uso de chapéus de aba larga, que protejam o rosto, as orelhas e o pescoço, e o uso de óculos de sol com proteção de radiação UV são também “importantes medidas de proteção”, sinaliza a dermatologista.
Também Cecília Moura, diretora de dermatologia do IPO Lisboa, num artigo publicado em maio de 2024, refere que, para complementar a aplicação do protetor solar, devem ser evitadas exposições “intempestivas” que causem queimaduras solares, evitando as horas com mais radiação UV. Além disso, deve-se utilizar vestuário protetor, chapéu de abas largas e óculos de sol.
Também o departamento de saúde do Estado de Nova Iorque refere que o cancro da pele pode ser prevenido através de várias medidas – evitar solários, usar chapéu, óculos de sol e evitar o sol direto em algumas horas do dia – e não apenas com a aplicação do protetor solar.
Qualquer bronzeado indica que houve um “dano nas células da pele” que, na tentativa de proteger o núcleo celular, “produzem mais melanina”. Por isso, não existe “bronzeado saudável”, realça Joana Alves Barbosa.
Na mesma linha, a médica destaca que é “essencial evitar” as queimaduras solares, mais conhecidas por escaldões, em qualquer fase da vida, mas sobretudo na infância e na adolescência, uma vez que aumentam “drasticamente” o risco de cancro da pele no futuro.
Cancro da pele: como se desenvolve e quem corre maior risco
O cancro da pele é “dos mais frequentes em Portugal”, lê-se num artigo do IPO Lisboa. A queimadura solar na infância e adolescência e a exposição crónica ao sol ao longo da vida “aumentam o risco de desenvolver melanoma”, aponta-se no mesmo texto.
Joana Alves Barbosa explica que a exposição à radiação ultravioleta emitida pelo sol é o “principal fator de risco” para o cancro da pele. “É um facto inegável e sustentado pela evidência científica ao longo dos anos”, aponta.
A Austrália, que pela sua “localização geográfica tem elevados níveis de radiação UV”, é o país do mundo com “maior prevalência” de cancro da pele, exemplifica. A sua população é “maioritariamente” de pele clara e, por isso, “mais suscetível” ao aparecimento de cancro da pele, indica. Além disso, o clima é quente, o que é apelativo a atividades ao ar livre, aumentando a exposição à radiação UV.
De acordo com o departamento de saúde do Estado de Nova Iorque, o cancro da pele pode ser prevenido com a redução da exposição aos raios UV. Estima-se que 90% dos melanomas sejam causados pela exposição aos raios UV.
O cancro da pele “tende a aparecer em pessoas de idade mais avançada”, porém, nos últimos anos, “temos observado uma prevalência aumentada em indivíduos cada vez mais jovens”, o que traduz os “maus hábitos de exposição à radiação UV desde idade precoce”.
Joana Alves Barbosa explica que este tipo de cancro ocorre quando as células da pele “proliferam de forma descontrolada” após sofrerem um dano no seu DNA. A principal causa dessas mutações é a exposição “excessiva e cumulativa à radiação ultravioleta”, quer ela seja do sol ou de fontes artificiais, como os solários que são considerados “carcinogénicos do tipo 1, como o tabaco ou o amianto”.
A média indica que há quem assuma que o “solário é seguro e que até o utilizam para preparar a pele para o sol e evitar escaldões”, contudo, essa prática é “totalmente errada e prejudicial”.
Na mesma linha, também a Liga Portuguesa Contra o Cancro refere que a Organização Mundial da Saúde classificou a radiação UV emitida pelos solários como um agente cancerígeno.
Além disto, existe “alguma predisposição genética”, por isso, é “importante” averiguar a história de cancro da pele na família direta.
A dermatologista explica ainda que algumas doenças e tratamentos “debilitam o sistema imunitário e reduzem a capacidade” de o organismo reparar mutações no DNA, o que confere “maior suscetibilidade” para o desenvolvimento deste tipo de cancro.
Desta forma, o cancro da pele “aparece mais” em determinados grupos de risco, como:
- Pessoas de pele mais clara, olhos azuis, cabelo ruivo, sardas, com um elevado número de sinais no corpo;
- Pessoas cuja profissão implica uma maior exposição à radiação UV – agricultores, jardineiros, pescadores, camionistas, desportistas;
- Pessoas com história de queimaduras solares (sobretudo na infância);
- Pessoas que frequentam solários (sobretudo em idades jovens);
- Pessoas com antecedentes familiares de cancro da pele;
- Pessoas imunodeprimidas.
Os sintomas de cancro da pele variam de acordo com o tipo de cancro, indica a mesma dermatologista. De uma forma geral, existem três tipos de cancro de pele mais frequentes:
- Carcinoma basocelular (também conhecido como basalioma)
- Carcinoma espinocelular
- Melanoma (apesar de mais raro, é o mais perigoso porque pode ser letal)
De acordo com a médica, estes três tipos de cancro da pele relacionam-se, sobretudo, com a exposição à radiação ultravioleta, quer seja esporádica e intensa (como em férias de verão), quer tenha sido crónica e cumulativa ao longo de muitos anos (por exemplo, agricultores ou pescadores).
Os carcinomas basocelular e espinocelular manifestam-se “mais frequentemente” em áreas do corpo expostas ao sol, como o couro cabeludo, face e dorso das mãos. Apresentam-se, tipicamente, como lesões “rosadas ou avermelhadas, planas ou elevadas, por vezes cobertas por crosta, e que aumentam de tamanho progressivamente”. “Os doentes referem-se, muitas vezes, a estes tipos de cancro como uma ferida que não cicatriza”, aponta a dermatologista.
Já o melanoma é um tipo de cancro que tem origem nos melanócitos (células produtoras de melanina) e, por isso, relaciona-se com os nevos melanocíticos, vulgarmente conhecidos como “sinais”, explica.
“É importante realizar regularmente a cada 2 ou 3 meses um autoexame à pele e perceber se existe alguma alteração nos sinais existentes ou o aparecimento de sinais novos”, indica.
A regra do ABCDE auxilia no diagnóstico de um “sinal suspeito de malignidade”:
A – Assimetria: quando tentamos dividir a lesão ao meio, as metades não são iguais;
B – Bordos: as margens da lesão são irregulares;
C – Cor: a lesão pode ter múltiplas cores, entre vários tons de castanho, azul, cinzento, vermelho, rosado;
D – Diâmetro: lesões com mais de 6mm têm maior risco;
E – Evolução (o critério mais importante): qualquer alteração numa lesão pré-existente deve ser considerada suspeita e motivar a avaliação por um médico dermatologista.
Protetor solar: como escolher e utilizar de forma correta
O protetor solar “deve ser escolhido de acordo com o tipo de pele e patologia”, afirma Joana Alves Barbosa. Atualmente, existem protetores que se “adequam a todos os tipos de pele e que contém ingredientes específicos que complementam os filtros solares”.
“É cada vez mais fácil encontrar um protetor solar que se adeque ao nosso tipo de pele e, por isso, não existem motivos para que ele não faça parte da nossa rotina”, defende a dermatologista.
O produto deve ser usado por todos, exceto bebés com menos de seis meses, que se devem “manter longe do sol” porque a pele é “altamente sensível”, diz a Skin Cancer Foundation.
A médica especialista em Dermatovenereologia explica que, em primeiro lugar, as pessoas devem escolher o tipo de filtro, entre os minerais (físicos), que atuam refletindo os raios solares, e os orgânicos (químicos) que, através de uma reação química, absorvem os raios solares e dispersam a sua energia através de calor.
Os filtros minerais devem ser escolhidos para crianças, grávidas e pessoas com pele “sensível, reativa ou com patologia que se agrave com o sol, como o melasma”. Os filtros químicos poderão ser utilizados pela restante população.
De seguida, a especialista em Dermatovenereologia recomenda que as pessoas “tenham em conta” o fator de proteção solar (FPS), que deve ser elevado, ou seja, 30 ou 50+.
“A proteção contra o restante espetro da radiação ultravioleta, especificamente contra UVA, é também um critério a ter em conta. Os protetores solares que possuem proteção contra UVA estão identificados com um círculo com as letras UVA no seu interior e devem ser os preferidos”, acrescenta.
Por último, os protetores solares em creme devem ser escolhidos para uma aplicação inicial, recomenda, e as texturas em spray, que “podem conferir uma falsa sensação de segurança por ser difícil aplicar a quantidade adequada”, para retocar a fotoproteção ao longo do dia.
Quanto à aplicação, devem ser postos “diariamente em todas as áreas expostas” à radiação solar e reaplicados “com frequência”.
Além disso, a médica da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia diz que estes produtos devem também ser reaplicados “sempre que ocorra exposição a água ou transpiração, mesmo que o protetor solar seja à prova de água”.
A médica destaca que a quantidade de produto a utilizar é um fator de “extrema importância e frequentemente descurado”, uma vez que a maioria das pessoas aplica menos de metade do necessário, o que reduz “significativamente” a proteção.
Afinal, que quantidade deve ser aplicada? Regra geral, “devem ser aplicados dois gramas por centímetro quadrado de pele” para ter o grau de proteção indicado no rótulo do produto, explica.
Na face, o valor a aplicar corresponde a duas linhas de produto ao longo dos dedos ou duas colheres de chá. Já pelo corpo todo, devem ser utilizados cerca de 30 gramas, ou seja, um copo de ‘shot’ ou duas colheres de sopa cheias.
Desta forma, “um protetor solar usado numa semana de férias, não deveria sobrar para o ano seguinte”, remata.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.
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