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António Filipe: “Não há um caso que seja em que o PCP tenha exigido a demissão de um executivo municipal”

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
O caso dos refugiados ucranianos em Setúbal, numa autarquia liderada pelo PCP, continua a fazer correr tinta. Desta vez, o antigo deputado comunista António Filipe insurge-se no Twitter contra uma crónica do diretor executivo da TSF, Pedro Cruz. "Dou alvíssaras a quem encontrar um caso que seja em que o PCP tenha exigido a demissão de um executivo municipal", escreve António Filipe em tom de desafio. O Polígrafo verificou e conclui que apesar de não haver registo de pedidos de demissão de executivos, a verdade é que em várias ocasiões foi exigida a queda de presidentes de câmara ou de vereadores.

Em reacção a uma crónica publicada no Diário de Notícias sobre a polémica na Câmara Municipal de Setúbal desencadeada a propósito da recepção de refugiados ucranianos por cidadãos russos, o ex-deputado do Partido Comunista Português (PCP) garantiu, na sua conta na rede social Twitter, o que se segue: “(…) dou alvíssaras a quem encontrar um caso que seja em que o PCP tenha exigido a demissão de um executivo municipal.

 

Será verdade que o PCP nunca exigiu a demissão de um executivo municipal?

O Polígrafo encontrou, pelo menos, cinco casos em que o PCP pediu a demissão de presidentes de câmaras municipais, vereadores e representantes de juntas de freguesias e assembleias municipais. No entanto, nenhum destes casos configura a demissão de um executivo municipal no seu todo uma vez que, a nível autárquico, quando um presidente sai é substituído pelo nome seguinte na lista e assim sucessivamente. Para haver a demissão de um executivo municipal, terá de sair a maioria dos vereadores eleitos e a realização de eleições intercalares.

De acordo com o artigo 59.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, “no caso de morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato de algum membro da câmara municipal em efectividade de funções, é chamado a substituí-lo o cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista, nos termos do artigo 79.º”.

“Esgotada a possibilidade de substituição prevista no número anterior e desde que não esteja em efectividade de funções a maioria do número legal de membros da câmara municipal, o presidente comunica o facto à assembleia municipal e ao membro do Governo responsável pelas tutela das autarquias locais, para que este proceda à marcação do dia de realização das eleições intercalares, sem prejuízo do disposto no artigo 99.º”, lê-se ainda na Lei.

Contactado pelo Polígrafo, António Filipe reitera que o PCP nunca pediu a demissão de um executivo municipal e que os casos enumerados pelos internautas que reagiram ao seu tweet são situações localizadas, onde se considera que os autarcas não tem condições objetivas para assegurar as suas funções, nomeadamente por haver casos na justiça ou suspeitas de má gestão.

1. Gondomar, 2008

A 29 de setembro de 2008, a CDU anunciou que ia apresentar uma moção de censura ao presidente da Câmara de Gondomar, ao vice-presidente e a um vereador por serem suspeitos de ilegalidades e atos de abuso de poder cometidos no exercício das funções autárquicas, no âmbito do “caso Quinta do Ambrósio“.

“Iremos propor à Assembleia Municipal de Gondomar que a conduta dos senhores Valentim Loureiro (presidente), José Luís Oliveira (vice-presidente) e Fernando Paulo (vereador) seja censurada”, disse o dirigente comunista António Pimenta Dias, em conferência de imprensa. A CDU de Gondomar defendeu que os autarcas deviam afastar-se da gestão do município, suspendendo, pelo menos, o respectivo mandato até ao termo dos processos judiciais em que estavam envolvidos.

Na época, o Bloco de Esquerda também apresentou uma moção de censura e o PS de Gondomar pediu  publicamente a demissão de Valentim Loureiro e José Luís Oliveira.A Assembleia Municipal acabaria por chumbar as moções de censura.

2. Massarelos, 2011

A 20 de setembro de 2011, era a vez dos comunistas pedirem a demissão do executivo da Junta de Freguesia de Massarelos e a convocação de novas eleições “o mais rapidamente possível”. De acordo com a CDU, a junta vivia uma situação de “rutura financeira, com o risco de encerramento de serviços e do incumprimento no pagamento de salários e de dívidas a fornecedores e a outras entidades”.

Na altura, esta reivindicação foi feita, em conferência de imprensa, por Belmiro Magalhães, responsável pela Direção da Organização da Cidade do Porto do PCP. A junta era então presidida por Sofia Moura desde a demissão, em julho, do anterior líder do executivo, José Carlos Gonçalves, ambos do PSD.

No entanto, os executivos das juntas de freguesias não são eleitos pelo voto dos portugueses. Tal como se verifica no site da Comissão Nacional de Eleições (CNE), a eleição da assembleia de freguesia “realiza-se por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos recenseados na área da freguesia, no mesmo dia das eleições para a câmara municipal e assembleia municipal. O presidente da junta de freguesia é o 1º candidato da lista mais votada para a assembleia de freguesia. Os restantes membros da junta são eleitos na primeira reunião da assembleia de freguesia, de entre os seus membros, mediante proposta do presidente da junta”.

3. Cascais, 2017

No verão de 2017, a 24 de julho, o vereador da CDU em Cascais, Clemente Alves, pediu a demissão do presidente Carlos Carreiras por alegadas irregularidades na contratação e nomeação de responsáveis de primeira linha por departamentos e empresas municipais.

A exigência foi feita em plena reunião do executivo municipal e Clemente Alves formalizou uma queixa no Ministério Público contra o presidente Carlos Carreiras, o vice-presidente Miguel Pinto Luz e, entre outros, o vereador Nuno Piteira Lopes.

Na resposta, Carlos Carreiras afirmou: “Não me demito!” e desafiou Clemente Alves “a fazer chegar” o relatório das alegadas irregularidades “às entidades oficiais”.

4. Beja, 2018

A 27 de novembro de 2018, a CDU de Beja pediu a demissão da presidente da Assembleia Municipal de Beja, a ex-deputada socialista Conceição Casa Nova. De acordo com os comunistas, no final da sessão da Assembleia Municipal, a Presidente da Mesa da Assembleia “interditou o uso da palavra a um eleito da CDU, fechando unilateralmente a discussão e passando à votação desse ponto. Perante os protestos dos eleitos da CDU, que insistiam na continuação do debate, chamando a atenção para o pedido de palavra daquele eleito, afirmou que a votação tinha sido realizada e que a CDU se abstivera na mesma, não tomando em consideração a afirmação reiterada por esses eleitos de que não tinham votado”.

A CDU considerou, na altura, “totalmente injustificável este comportamento” por parte de Conceição Casa Nova e garantiu que tal comportamento “não é novo, tendo-se vindo a registar ao longo de várias sessões situações semelhantes de prepotência e parcialidade na condução dos trabalhos, demonstrando, no mínimo, um profundo desconhecimento do que é exigido a quem desempenha estas funções”.

5. Barcelos, 2019

Neste caso, o PCP não esteve sozinho. Também o PSD, Bloco de Esquerda e o movimento independente de Barcelos, Terra de Futuro, pediram a saída de Miguel Costa Gomes da Câmara Municipal de Barcelos.

Num comunicado de 4 de junho de 2019, o PCP de Barcelos considerou que Miguel Costa Gomes não tinha “qualquer condição prática e política de continuar a exercer o cargo de presidente da Câmara de Barcelos”, após ficar em prisão domiciliária no âmbito da operação “Teia“.

“A luta na defesa dos interesses dos barcelenses – construção do novo hospital, rejeição da linha de muito alta tensão, investimento no transporte rodoviário – exige um presidente politicamente sólido e de inatacável credibilidade. As atuais suspeitas da prática de crime retiram capacidade de afirmação política a Miguel Costa Gomes junto do Governo”, escreveram então os comunistas. Para o PCP, a medida de coação de prisão domiciliária retirava a Costa Gomes “qualquer condição prática e política” para continuar a exercer o cargo de autarca.

Em suma, o PCP nunca pediu a demissão de executivos municipais mas, ao longo dos anos, pediu a demissão de alguns autarcas e vereadores por considerar que não tinham condições para continuarem a exercer os seus cargos.

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Avaliação do Polígrafo:

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