- O que está em causa?O primeiro-ministro vestiu a pele de secretário-geral do PS e, sob o mote "Prestar Contas", discursou ontem numa sessão do partido em Viseu, fazendo um balanço de mais de sete anos de governação ininterrupta, o último com maioria absoluta. Entre os feitos evocados, destaque para a redução da pobreza que, apesar do "grande revés durante o período da pandemia", terá resultado em "menos 700 mil pessoas em situação de pobreza ou exclusão social", comparando com 2015. O Polígrafo verifica esta alegação.

"Temos conseguido continuar a reduzir a pobreza. (...) Nós tivemos um grande revés durante o período da pandemia, a pandemia aumentou muito a pobreza no nosso país. Mas felizmente já recuperámos e comparando 2015 com o dia de hoje, temos menos 700 mil pessoas em situação de pobreza ou exclusão social do que quando iniciámos a nossa governação", afirmou ontem António Costa, na pele de secretário-geral do PS, em Viseu, num evento do partido sob o mote "Prestar Contas".
Confirma-se que "temos menos 700 mil pessoas em situação de pobreza" do que em 2015?
De acordo com o último boletim do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre "Rendimento e Condições de Vida", divulgado no dia 20 de janeiro de 2023 (pode consultar aqui), "o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2022 sobre rendimentos do ano anterior, indica que 16,4% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2021, menos 2,0 pontos percentuais (p.p.) do que em 2020. A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2021, à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos (por adulto equivalente) inferiores a 6.608 euros (551 euros por mês)".
"A diminuição da pobreza abrangeu todos os grupos etários, embora tenha sido mais significativa para a população idosa (menos 3,1 p.p.); o risco de pobreza dos menores de 18 anos diminuiu 1,9 p.p. e o dos adultos em idade ativa diminuiu 1,6 p.p. O risco de pobreza diminuiu quer para a população empregada, de 11,2% em 2020 para 10,3% em 2021, quer para a população desempregada, de 46,5% em 2020 para 43,4% em 2021", informou o INE.
"As transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social, contribuíram para a redução do risco de pobreza em 5,1 p.p. (de 21,5% para 16,4%), um contributo superior ao do ano anterior (4,6 p.p.)", sublinha-se no boletim. "Em 2022 (rendimentos de 2021), 2.006 milhares de pessoas encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social (pessoas em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa). Consequentemente, a taxa de pobreza ou exclusão social foi 19,4%, menos 3,0 p.p. do que no ano anterior".

"Considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 43,3% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2021. Os rendimentos provenientes de pensões de reforma e sobrevivência contribuíram, em 2021, para um decréscimo de 21,8 p.p. no risco de pobreza, resultando assim numa taxa de risco de pobreza após pensões e antes de transferências sociais de 21,5%. As transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social contribuíram para a redução do risco de pobreza em 5,1 p.p. (de 21,5% para 16,4%), sendo este contributo superior ao registado no ano anterior (4,6 p.p.)", detalha-se.
Ou seja, de acordo com os últimos dados do INE, em 2021 cerca de 1,7 milhões de pessoas estavam em risco de pobreza (mais exatamente, 1.699.340) após transferências sociais. Esse número ascende até cerca de 2,2 milhões de pessoas após transferências relativas a pensões. Antes de transferências sociais, cerca de 4,4 milhões de pessoas estariam em risco de pobreza.

No ano de 2015, segundo os dados do INE, cerca de 2 milhões de pessoas estavam em risco de pobreza (mais exatamente, 1.968.034) após transferências sociais. Esse número ascende até cerca de 2,6 milhões de pessoas após transferências relativas a pensões. Antes de transferências sociais, cerca de 4,7 milhões de pessoas estariam em risco de pobreza.
O facto é que em nenhum destes indicadores há uma redução de "700 mil pessoas" na comparação direta entre 2015 e 2021.
Aliás, no que parece corresponder mais ao sentido da alegação de Costa, a taxa de risco de pobreza após transferências sociais, regista-se uma diminuição de cerca de 269 mil pessoas nessa situação desde 2015.
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Atualização:
Na sequência da publicação deste artigo recebemos da parte do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social a indicação de que António Costa estaria a referir-se ao que o INE define como "um novo indicador de monitorização da população em risco de pobreza ou exclusão social, que conjuga as condições de pobreza relativa, de privação material e social severa e de intensidade laboral per capita muito reduzida. Em conformidade com a convenção europeia, o indicador toma como referência o ano a que respeita a situação material e social severa, apesar de o risco de pobreza relativa ser o elemento determinante na sua trajetória".
De acordo com esse novo indicador, "em Portugal, em 2022 (rendimentos de 2021), 2.006 milhares de pessoas encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social (pessoas em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa). Consequentemente, a taxa de pobreza ou exclusão social ascendeu a 19,4%". No entanto, o INE ressalva que este ainda é um "resultado provisório".

Além de o valor de 2022 ser um "resultado provisório", os boletins do INE não indicam o valor deste indicador referente a 2015. Nesse âmbito, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social remete para uma tabela do Eurostat (pode consultar aqui) em que estão dispostos os valores entre 2015 (2.743 milhares) e 2021 (2.312 milhares), o que perfaz uma diminuição de cerca de 431 mil.
O valor de 700 mil (mais precisamente, 737 mil) resultaria de uma comparação entre o valor definitivo de 2015 (registado no Eurostat) e o valor provisório de 2022 (registado no INE).
Na alegação em causa, Costa não faz qualquer referência a esse indicador em específico, nem ao facto de se tratar de um "resultado provisório" de 2022. Refere-se, sim, à redução da pobreza, no contexto de um discurso em que enalteceu a importância dos apoios sociais que o Governo aumentou em resposta à pandemia e à inflação.
Ora, nos três indicadores de risco de pobreza - após transferências sociais, após transferências relativas a pensões e antes de transferências sociais - não se verifica uma diminuição de 700 mil em comparação com 2015. Esse valor só é atingido no novo indicador "Europa 2030" e, voltamos a sublinhar, comparando o valor definitivo de 2015 (registado no Eurostat) com o valor provisório de 2022 (registado no INE), o que suscita dúvidas ao nível metodológico e também ao nível da fiabilidade do "resultado provisório" de 2022. E mesmo assim verifica-se uma imprecisão (de 700 mil para 737 mil).
Importa também sublinhar que o valor de 2015 baseia-se em rendimentos de 2014, último ano de intervenção da troika, e não de 2015, quando Costa assumiu o cargo de primeiro-ministro (quase no final do ano, a 26 de novembro).
Mais, em recentes debates parlamentares, ao referir-se ao aumento ou redução do número de pessoas em situação de pobreza ou exclusão social, Costa apontou sempre para esses indicadores de risco de pobreza em interação com as transferências sociais, não ao novo indicador que agora o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social diz ser a referência.
Como tal, embora reconhecendo que não se tratou de um erro intencional de Costa, mantemos a nossa avaliação original.
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Avaliação do Polígrafo:
