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António Costa garantiu em 2017 que a venda do Novo Banco “não acarreta encargos para os contribuintes”?

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O que está em causa?
De acordo com uma nova publicação no Facebook, em 2017, quando se concretizou a venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star, o primeiro-ministro António Costa "garantia que o banco não ia ter custos para os contribuintes". Verdade ou falsidade?

“A recordar e partilhar. Em 2017, António Costa garantia que o banco não ia ter custos para os contribuintes“, destaca-se na mensagem da publicação em causa, a qual acumula mais de uma centena de partilhas no Facebook.

“António Costa afiança que nem o Estado, nem o Fundo de Resolução, assumem qualquer garantia e que os contribuintes não terão custos acrescidos com a alienação do banco que ficou com os ativos bons do antigo BES”, acrescenta-se.

Segue-se uma imagem manipulada do atual primeiro-ministro, associada à seguinte mensagem, em forma de citação: “Venda do Novo Banco não acarreta encargos para os contribuintes”.

Confirma-se que António Costa garantiu em 2017 que a venda do Novo Banco “não acarreta encargos para os contribuintes”?

Na conferência de imprensa em que anunciou a venda do Novo Banco, a 31 de março de 2017 (e ladeado pelo ministro das Finanças, Mário Centeno), o primeiro-ministro defendeu que o acordo de venda do Novo Banco cumpria “as três condições colocadas pelo Governo” em janeiro de 2017, sendo uma delas a de que este processo “não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes“.

“Ao contrário do inicialmente proposto, não é concedida qualquer garantia por parte do Estado ou de qualquer outra entidade pública. O necessário reforço de capital é integralmente assegurado pelo investidor privado, e eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes, mas sobre os bancos, que asseguram o capital do fundo de resolução“, declarou Costa.

Em suma, não há dúvidas quanto às declarações de Costa em março de 2017, ao anunciar a venda do Novo Banco ao fundo Lone Star (pode conferir aqui, entre outros registos públicos das supracitadas declarações). É esse o objeto da presente análise de verificação de factos e conclui-se que se trata de uma informação verdadeira.

Acarreta ou não encargos para os contribuintes?

O Fundo de Resolução é uma entidade da esfera do Estado, gerida pelo Banco de Portugal, mas em última instância financiada pelos bancos que operam em Portugal. Detém 25% do Novo Banco, ao passo que o fundo Lone Star detém os restantes 75% do capital social.

Em 2018, o Fundo de Resolução injetou cerca de 800 milhões de euros no Novo Banco. Por outro lado, nesse mesmo ano, o Estado emprestou ao Fundo de Resolução mais de 400 milhões de euros para a recapitalização do Novo Banco.

No ano passado, o Orçamento do Estado previa um empréstimo de até 850 milhões de euros para o Novo Banco que acabou por pedir mais 1,15 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução.

Em 2020, o Orçamento do Estado também previa um empréstimo de até 850 milhões de euros (cuja transferência já foi efetuada, apesar de ainda não ter sido concluída uma auditoria à gestão e contas do banco, quebrando assim a promessa do primeiro-ministro António Costa) para o Novo Banco que acabou por pedir mais 1,03 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução.

O “financiamento e papel do Fundo de Resolução” no âmbito deste processo (iniciado com a resolução do Banco Espírito Santo em 2014) é descrito pela própria entidade, na sua página institucional, da seguinte forma:

“A principal função do Fundo de Resolução no contexto da medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A. (BES), em agosto de 2014, consistiu, num primeiro momento, na prestação do apoio financeiro determinado pelo Banco de Portugal para efeitos de realização do capital social do Novo Banco, S.A., no montante de EUR 4.900 milhões.

Para esse efeito, foi necessário obter as verbas necessárias num espaço de tempo muito curto. Atendendo a que o FdR apenas havia iniciado a sua atividade em 2012 e que, a 3 de agosto de 2014, dispunha de recursos próprios no montante de EUR 377 milhões, mostrou-se necessário o recurso a meios complementares de financiamento. Atento o caráter extremamente urgente, inadiável e excecional da medida de resolução, e a necessidade de o FdR dispor dos fundos necessários para a implementar, a Comissão Diretiva do FdR, em reunião realizada no dia 3 de agosto de 2014, deliberou submeter ao Ministério das Finanças uma proposta de financiamento daquela medida que previa (i) a obtenção de um empréstimo concedido pelo Estado no valor de EUR 4.400 milhões, (ii) a cobrança de uma contribuição especial junto das instituições participantes do Fundo, no montante de EUR 135 milhões, e (iii) a utilização de recursos próprios do FdR, no montante de EUR 365  milhões.

Todavia, um conjunto de instituições participantes do FdR manifestou a sua disponibilidade para, num prazo curto, conceder um empréstimo ao Fundo, o que permitiu reduzir o montante do empréstimo do Estado em EUR 500 milhões, substituir a contribuição especial inicialmente prevista e dotar o Fundo de meios para fazer face aos primeiros vencimentos de juros do empréstimo do Estado. Nessa sequência, a Comissão Diretiva do FdR deliberou que o pedido de financiamento anteriormente remetido ao Ministério das Finanças fosse revisto e que, em alternativa, fosse solicitada a concessão de um empréstimo pelo Estado no montante de EUR 3.900 milhões

Em síntese, o apoio financeiro concedido pelo FdR à realização do capital social do Novo Banco, S.A., no montante de EUR 4.900 milhões resultou de: 

  • Um empréstimo concedido pelo Estado no valor de EUR 3.900 milhões; 
  • Um empréstimo concedido por um conjunto de instituições de crédito participantes no FdR (Caixa Geral de Depósitos, S. A., Banco Comercial Português, S. A., Banco BPI, S. A., Banco Santander Totta, S. A., Caixa Económica Montepio Geral, Banco Popular, S. A., Banco BIC Português, S. A. e Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, CRL), no valor de EUR 700  milhões; e 
  • Mobilização de EUR 365 milhões correspondentes a recursos disponíveis do Fundo, nomeadamente relativos às receitas provenientes das contribuições até aí pagas pelo setor financeiro, incluindo o produto da contribuição sobre o sector bancário

Entretanto, com a conclusão do processo de venda da participação detida pelo FdR no Novo Banco, S.A., em outubro de 2017, a Lone Star, mediante a injeção de EUR 1.000  milhões, adquiriu uma participação de 75%, permanecendo os remanescentes 25% junto do FdR.

As condições acordadas no processo de venda do Novo Banco, S.A. incluem ainda a existência de um mecanismo de capitalização contingente, nos termos do qual o Fundo de Resolução se compromete a efetuar pagamentos ao Novo Banco, S.A. no caso de se materializarem certas condições cumulativas, relacionadas com: i) o desempenho de um conjunto delimitado de ativos e ii) com a evolução dos níveis de capitalização do banco”.

As verbas injetadas pelo Estado no Fundo de Resolução consistem em empréstimos que terão que ser reembolsados por todos os bancos, num prazo alargado de 30 anos. Ou seja, as verbas transferidas pelo Estado para o Fundo de Resolução serão posteriormente devolvidas ao Estado, com juros, ou pelo menos é isso que está previsto. Entre esses bancos, porém, está a Caixa Geral de Depósitos, banco público, pelo que o Estado (isto é, os contribuintes) não deixará de ter encargos indiretos.

Acresce o impacto imediato destes empréstimos na dívida do Estado, a qual também resulta em pagamento de juros aos credores até que os empréstimos sejam saldados pelos bancos (no prazo de 30 anos). Quanto a esse diferencial de juros (entre os juros que o Estado paga da dívida que inclui os empréstimos ao Fundo de Resolução e os juros que vai receber dos bancos por esses mesmos empréstimos), só no final do processo – dezembro de 2046 – é que se poderão fazer todas as contas e apurar se o Estado perdeu dinheiro (e quanto) ou não.

Ao garantir que a venda do Novo Banco “não acarreta encargos para os contribuintes”, António Costa não estava a dizer uma falsidade. Contudo, também não estava a ser rigoroso. Desde logo porque uma das principais instituições participantes do Fundo de Resolução é a Caixa Geral de Depósitos, banco público que ainda recentemente teve que ser recapitalizado pelo Estado, isto é, com dinheiro dos contribuintes. Ou seja, uma parte da recapitalização do Novo Banco terá que ser suportada pelo banco público, logo indiretamente pelo Estado.

Por outro lado, os empréstimos do Estado ao Fundo de Resolução só serão saldados num prazo de 30 anos e, para emprestar essas verbas, o Estado tem que se endividar mais e também paga juros sobre essa dívida. Em suma, aceita-se que não há custos diretos para o Estado, mas há vários custos indiretos (e prolongados no tempo, a longo prazo), através da Caixa Geral de Depósitos e do possível diferencial de juros que já sinalizámos.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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