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António Costa decidiu “não privatizar a TAP” e contribuintes portugueses terão que arcar com prejuízos de 100 milhões?

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"Portugueses, tenho o prazer de vos convidar a participarem nos prejuízos de 100 milhões que teve a TAP. Foi uma ideia genial da minha autoria não privatizar a TAP para agora podermos partilhar este momento". Esta é a mensagem central de um "meme", em forma de citação (ficcional) atribuída ao primeiro-ministro António Costa (o qual aparece na imagem a segurar um avião da TAP). Confirma-se que Costa decidiu "não privatizar a TAP" e os contribuintes portugueses terão que arcar com prejuízos de 100 milhões?

Na página “Fórum da Escolha”, alojada no Facebook, está a ser difundido um meme que se inspira na recente notícia de que a TAP Air Portugal registou cerca de 119 milhões de euros (mais exatamente, 119,8 milhões de euros) em prejuízos, nos primeiros seis meses de 2019, para recordar que o atual primeiro-ministro, António Costa, terá sido o responsável pela não privatização da companhia aérea portuguesa.

“Portugueses, tenho o prazer de vos convidar a participarem nos prejuízos de 100 milhões que teve a TAP. Foi uma ideia genial da minha autoria não privatizar a TAP para agora podermos partilhar este momento”. Esta é a mensagem central do meme, em forma de citação (ficcional) atribuída ao primeiro-ministro. Trata-se de um exercício de ironia, mas visando responsabilizar Costa pela suposta participação dos portugueses (isto é, o Estado, os contribuintes) nos prejuízos da TAP.

Confirma-se que Costa decidiu “não privatizar a TAP” e os contribuintes portugueses terão que arcar com prejuízos de 100 milhões?

Importa começar pelo contexto. Em novembro de 2015, o Governo de coligação PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, concluiu a operação de reprivatização de 61% do capital social da TAP, por venda direta, ao consórcio Atlantic Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), para cumprir compromissos assumidos com a troika e viabilizar a recapitalização e viabilidade financeira da companhia aérea.

Ora, durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2015, António Costa, líder do PS e candidato a primeiro-ministro, manifestou a sua oposição à operação de reprivatização da TAP. Nesse sentido, prometeu que, se fosse eleito primeiro-ministro, iria reverter a reprivatização, garantindo que o Estado ficaria pelo menos com 51% da companhia aérea, de forma a recuperar o controlo sobre a mesma.

Depois de assumir o cargo de primeiro-ministro, porém, Costa não cumpriu totalmente essa promessa eleitoral. Em junho de 2017, o Governo finalizou a operação de recompra pelo Estado das ações necessárias para deter 50% (e não 51%) do respetivo capital social e recuperar o controlo estratégico da companhia.

Ora, essa operação de recompra de 50% da companhia equivale a “não privatizar a TAP“?

A eventual resposta a tal questão poderá ser fundamentada no relatório da auditoria que o Tribunal de Contas (TdC) efetuou sobre as operações de reprivatização e recompra da TAP, publicado em junho de 2018.

 

 

O processo de reprivatização e recompra da TAP foi “regular”, mas “não o mais eficiente”, porque as “sucessivas alterações contratuais” agravaram as “responsabilidades do Estado” e aumentaram a “exposição às contingências adversas da empresa”, considerou o TdC.

Solicitada pela Assembleia da República para avaliar “a regularidade e a salvaguarda do interesse público” nas operações de reprivatização e recompra da TAP, a auditoria do TdC recomenda ao Governo que promova “um quadro regulador estável sobre a participação do Estado em empresas de carácter estratégico” e assegure “mecanismos adequados de partilha de riscos, de responsabilidades e de benefícios económicos e financeiros com o parceiro privado“.

Sobre a reprivatização, o TdC considerou que o Estado “satisfez compromissos internacionais, viabilizou uma empresa considerada de importância estratégica”, “melhorou as contas da Parpública” (692 milhões de euros) e “assegurou a recapitalização pelo parceiro privado” (337,5 milhões de euros). Contudo, “perdeu controlo estratégico” (ao passar a deter uma posição minoritária de 34% no capital social) e “garantiu dívida financeira da empresa em caso de incumprimento” (615 milhões de euros).

 

 

Quanto à operação de recompra, decidida por Costa, o TdC notou que o Estado “recuperou controlo estratégico com a posição de maior acionista” (de 34% para 50%), mas “perdeu direitos económicos” (de 34% para 5%), além de “assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”, agravando a exposição a contingências futuras. Em contrapartida, a redução da participação da Atlantic Gateway no capital social (de 61% para 45%) foi acompanhada pelo acréscimo dos correspondentes direitos económicos (de 61% para 90%).

“Após a recomposição do capital social a evolução da situação económica e financeira da empresa e as estimativas apresentadas no seu plano estratégico (capitais próprios e resultados líquidos) são positivas. Porém, subsistem os riscos inerentes às obrigações assumidas pelo Estado e as projeções, até 2022, são insuficientes para aferir da sustentabilidade do negócio“, sustentaram os auditores do TdC.

Em suma, trata-se de uma operação muito complexa, não se enquadrando totalmente na conclusão segundo a qual Costa decidiu “não privatizar a TAP”. Desde logo porque a TAP foi reprivatizada, de facto, pelo Governo de Passos Coelho. Quando o novo Governo de Costa tomou posse, a operação estava consumada, pelo que foi obrigado a negociar um acordo com os novos proprietários da companhia aérea no sentido de reverter essa reprivatização.

 

Quanto à operação de recompra, decidida por Costa, o TdC notou que o Estado “recuperou controlo estratégico com a posição de maior acionista” (de 34% para 50%), mas “perdeu direitos económicos” (de 34% para 5%), além de “assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”, agravando a exposição a contingências futuras.

 

A solução encontrada consistiu em recuperar 50% do capital social para o Estado, embora ficando com apenas 5% dos direitos económicos. Por seu lado, o consórcio Atlantic Gateway ficou com 45% do capital social da TAP e 90% dos direitos económicos.

É verdade que Costa reverteu a reprivatização da TAP, através de um acordo com os novos proprietários privados. Mas isso não equivale a “não privatizar”, na medida em que se tratou de uma recompra de 50% do capital social. O Estado recuperou assim controlo estratégico, mas não o controlo da gestão que permaneceu na esfera do consórcio Atlantic Gateway, tal como 90% dos direitos económicos.

Os valores indicados na publicação também são imprecisos: a TAP registou 119,8 milhões de euros (e não 100 milhões) de prejuízos nos seis primeiros meses do ano, mas trata-se de um valor parcial, faltando apurar o resultado global no final do ano. Ou seja, a TAP até pode ainda vir a ter lucros em 2019.

A conclusão de que os contribuintes portugueses terão que arcar com prejuízos de 100 milhões de euros da TAP também não é rigorosa, desde logo porque o Estado detém apenas 5% dos direitos económicos. Mas não deixa de ter responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa, tal como sublinha o relatório do TdC, pelo que optamos pela classificação de impreciso: mistura factos precisos com factos imprecisos e, no global, simplifica uma questão complexa e com diversas variáveis.

***

Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Misto: as alegações do conteúdo são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou incompleta.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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