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António Costa acabou com carreira de quatro mil guardas florestais em 2006? Não é bem assim

Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Diz-se nas redes sociais que em 2006, quando José Sócrates era ainda primeiro-ministro, António Costa acabou com os "4000 guardas-florestais" que existiam em Portugal, "deixando as pessoas e bens no interior rural agroflorestal ao dispor dos ladrões e dos terroristas incendiários". Mas sendo verdade que Costa, enquanto ministro da Administração Interna, assinou o decreto-lei que pôs fim a este cargo, é falso que fossem quatro mil os profissionais desta área.

“Porque acabou António Costa em 2006 com a guarda florestal (4000), deixando as pessoas e bens no interior rural agroflorestal ao dispor dos ladrões e dos terroristas incendiários?”, questiona publicação de 31 de maio, difundida no Facebook.

decreto-lei nº22/2006, visto e aprovado em reunião de Conselho de Ministros no dia 22 de dezembro de 2005 e promulgado no dia 23 de janeiro de 2005 pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, começou a produzir efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2006.

Mas foi assinado por António Costa? E acabou com a carreira de quatro mil guardas florestais?

A resposta é diferente para as duas perguntas. Desde logo, e tal como o Ministério da Administração Interna (MAI) já confirmou ao Polígrafo, não é verdade que fossem quatro mil os guardas-florestais em Portugal:

Uma pesquisa por estes valores leva-nos até ao quadro sistemático do Regulamento para a Execução do Regime Florestal conforme o decreto de 24 de dezembro de 1901, que aprovou a criação formal de um corpo de guardas-florestais e, por conseguinte, a organização dos serviços agrícolas e dos quadros do pessoal técnico dos mesmos serviços. Neste quadro é publicada a lei n.º 1971, de 15 de junho de 1938 – “Lei do povoamento florestal” – que sujeitou especificamente determinados baldios ao regime florestal.

O mapa n.º 7 anexo ao diploma, estabelecendo o “Plano de arborização por quinquénios – 1939 a 1968”, dos baldios a norte do Tejo (serras), previa a construção de um total de 940 casas de guarda nos quatro primeiros intervalos de cinco anos, de 140 casas de vigia e ainda a admissão de 877 guardas, pertencentes ao pessoal técnico dos quadros em que estão também incluídos 28 administradores e 120 mestres.

De resto, “o número máximo de mestres e guardas-florestais por ano nunca atingiu os 1.500 efetivos: a lei orgânica da Direção-Geral das Florestas aprovada em 1986 previa um máximo de 1.477 lugares“, esclarece fonte oficial do MAI, “conforme dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)”.

“O número máximo de mestres e guardas-florestais por ano nunca atingiu os 1.500 efetivos: a lei orgânica da Direção-Geral das Florestas aprovada em 1986 previa um máximo de 1.477 lugares”, esclarece fonte oficial do MAI.

Este limite máximo vigorou assim desde 1986 até 2006, quando José Sócrates e António Costa, então primeiro-ministro e ministro da Administração Interna, respetivamente, assinaram o Decreto-Lei n.º 22/2006 que “consagra, no âmbito da Guarda Nacional Republicana (GNR), o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) e cria o Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS), transferindo para aquela força de segurança o pessoal do Corpo de Guardas Florestais da Direcção-Geral dos Recursos Florestais”.

É nos pontos 1 e 2 do artigo 5.º que encontramos determinada a extinção, como se destaca no post em análise, “na Direção-Geral dos Recursos Florestais /DGRF)”, do Corpo Nacional da Guarda Florestal, tendo o pessoal da carreira de guardas-florestais da DGRF transitado “para o quadro de pessoal civil da GNR, com a categoria, antiguidade e índice remuneratório que atualmente possui”, lê-se no documento.

“Consagra, no âmbito da Guarda Nacional Republicana (GNR), o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) e cria o Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS), transferindo para aquela força de segurança o pessoal do Corpo de Guardas Florestais da Direcção-Geral dos Recursos Florestais”.

Na resposta ao Polígrafo, o MAI explica que “o número de guardas e mestres florestais transferidos para a GNR foi de 453 elementos” e que a criação dos lugares de guarda-florestal na GNR, nesse mesmo decreto, “previa a sua extinção progressiva, acompanhando a passagem à reforma desses elementos”.

Essa opção só viria a ser revertida pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, em 2018, através do Decreto-Lei 114/2018, ao determinar a criação da carreira de guarda-florestal no quadro de pessoal civil da GNR, “o que permitiu aumentar, em 53%, o número de mestres e guardas-florestais entre 2019 e 2020 (de 284 para 434)”, salienta o MAI.

“Este número continuará a crescer nos próximos anos, uma vez que o Plano Plurianual de Admissões nas Forças e Serviços de Segurança 2020-2023 prevê também a admissão de guardas-florestais na GNR, permitindo assim o reforço desse quadro de pessoal“, conclui.

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