Confrontado com o fluxo de emigração de jovens portugueses com elevadas qualificações, na entrevista à revista “Visão”, o primeiro-ministro António Costa sublinhou que “ainda na semana passada saiu um estudo que conclui que, desde 2014, a emigração portuguesa tem vindo a diminuir. E, desde 2017, o saldo migratório voltou a ser positivo. Temos criado condições para fixar e fazer regressar o talento nacional”.
Como? “Quando criámos o IRS jovem, de forma a que o rendimento disponível possa competir com as ofertas que têm lá fora. E, ao estabelecermos o objetivo de que o emprego qualificado deve ser pago num mínimo de 1.320 euros de ordenado bruto, também estamos a fazer um esforço nesse sentido”, defendeu.

Questionado sobre uma eventual “má gestão de expectativas” no que respeita à aproximação entre o salário mínimo e o salário médio, Costa respondeu com dados: “O acordo de médio prazo e o acordo da Função Pública respondem a essa questão. Nestes sete anos, o salário mínimo subiu 40% e a remuneração média 20%. O que está fixado no acordo é que haja um aumento plurianual para o conjunto dos salários.”
No que toca à remuneração média, confirma-se esse aumento de 20% desde 2015?
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a remuneração bruta total mensal média por trabalhador passou de 1.179 euros em 2015 para 1.362 euros em 2021, perfazendo um aumento de 15,5%. Distante dos 20% evocados por Costa.
Quanto à remuneração bruta regular mensal média por trabalhador, passou de 972 euros em 2015 para 1.106 euros em 2021, perfazendo um aumento de 13,7%. Mais uma vez, distante dos 20% evocados por Costa.
Por sua vez, a remuneração bruta base mensal média por trabalhador passou de 916 euros em 2015 para 1.039 euros em 2021, perfazendo um aumento de 13,4%. Novamente distante dos 20% evocados por Costa.

Contactado pelo Polígrafo, o gabinete do primeiro-ministro alega que “o indicador é a remuneração por indivíduo remunerado, que é a métrica usada no contexto do Acordo de Rendimentos. Foi calculado da seguinte forma: Remuneração média = Remunerações dos Empregados (INE) / Indivíduos Remunerados (INE)”.
Trata-se do “Acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade” (pode consultar aqui), no qual não encontramos quaisquer dados resultantes dessa “métrica”. Pelo contrário, na análise sobre a “evolução salarial recente” indica-se que “em junho de 2022, as declarações de remuneração indicam que a remuneração base média atingiu 1.059 euros, configurando um aumento de 3,6% face ao ano anterior”.
Além de não constar do referido documento, nem dos boletins do INE, a “métrica” evocada pelo gabinete do primeiro-ministro “tem um problema“, adverte João Duque, professor de Economia no ISEG, em declarações ao Polígrafo. Que problema? “Tem em conta os trabalhadores que não estão a tempo inteiro (vulgo part-time) e que, por norma, recebem menos. Isso pode fazer com que, por exemplo, uma transferência de empregados a part-time para full-time faça aumentar a média que é usada pelo Governo, mas sem que isso corresponda a um aumento do salário dos que trabalham a tempo integral“.
“Por exemplo, se um trabalhador estiver a 50% e outro a 100% na base de um salário bruto de 1.000 euros, isso significa que se passa de pagamentos de 1.500 euros por mês para 2.000 euros por mês. No entanto, o trabalhador a tempo inteiro manteve o salário. Todas as estatísticas são boas, mas é preciso ser-se rigoroso: ou se fala na remuneração média dos trabalhadores a tempo integral, ou na de todos os trabalhadores, porque se peca por não se especificar e perde-se o rigor. Mesmo que os números estejam corretos”, sublinha Duque.

Ou seja, com base nos últimos dados do INE, mais especificamente o indicador da remuneração bruta base mensal média por trabalhador, classificamos a alegação de Costa como incorreta.
Segundo o INE, a remuneração de base corresponde ao “montante ilíquido (antes da dedução de quaisquer descontos) em dinheiro e/ou géneros, pago com carácter regular e garantido ao trabalhador no período de referência e correspondente ao período normal de trabalho. Inclui apenas a componente ‘Remuneração base’, da variável ‘Natureza da remuneração’ (Segurança Social), e a componente ‘Vencimento base’, da variável ‘Tipo de remuneração’ (Caixa Geral de Aposentações). Em 2021, correspondia a 76,3% da remuneração bruta mensal total“.
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Nota editorial: O presente artigo foi atualizado no dia 17 de dezembro com as declarações do economista João Duque.
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Avaliação do Polígrafo: