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André Ventura sugere que movimentos LGBT “querem descriminalizar o sexo entre pessoas e animais”

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Nas redes sociais, o líder do Chega destaca o título de uma suposta notícia: "Alemanha - 'Descriminalização do sexo com animais': Marchas do Orgulho da Zoofilia exigem que o movimento LGBTQI+ adicione um Z". A partir do que Ventura conclui, na forma de três perguntas retóricas: "Mas que loucura é esta? Agora querem descriminalizar o sexo entre pessoas e animais? Será que só o Chega quer pôr fim a esta loucura?"

A sugestão é evidente, desde logo na imagem de fundo da publicação: um cão a envergar um lenço ao pescoço, no qual são perceptíveis as cores do arco-íris representadas na bandeira do movimento LGBT (ou LGBTQI+, numa versão mais hodierna e inclusiva da sigla). E sobre o lenço destaca-se a palavra de ordem “Vergonha“, numa imagem em que também há vários elementos de identificação do partido Chega em torno do que parece ser o recorte de uma notícia de um jornal, denominado como “Tribuna Nacional”, com o seguinte título: “Alemanha – ‘Descriminalização do sexo com animais‘: Marchas do Orgulho da Zoofilia exigem que o movimento LGBTQI+ adicione um Z“.

“Em Portugal, connosco não passarão”, realça-se logo a seguir. Esta publicação foi difundida nas redes sociais pelo partido Chega e o respetivo líder, André Ventura, não deixou de a partilhar nas suas páginas (Facebook e Twitter), no dia 1 de setembro, acrescentando a seguinte mensagem, na forma de três perguntas retóricas: “Mas que loucura é esta? Agora querem descriminalizar o sexo entre pessoas e animais? Será que só o Chega quer pôr fim a esta loucura?”

Ora, a suposta notícia tem origem num site brasileiro – “Jornal Tribuna Nacional” – que costuma difundir fake news. Além desse frequente registo de falsidades e desinformação, consultámos a página no dia 2 de setembro e deparámos com erros ortográficos em títulos de artigos – “Viajem [Sic] no tempo! Homem volta para casa com a mesma roupa depois de 30 anos desaparecido” -, outras fake news mais recentes que ainda não foram sinalizadas em artigos de verificação de factos – “Alerta: Os auto-testes ‘Covid Home’ contêm substâncias tóxicas que podem matar” – e sinais óbvios de negacionismo anti-científico e fomento de teorias de conspiração, nomeadamente uma secção de “notícias” dedicada exclusivamente à “Nova Ordem Mundial“.

É uma espécie de versão brasileira do infame site norte-americano “Breitbart” que esteve na génese do movimento alt-right (direita alternativa) nos Estados Unidos da América (EUA), indelevelmente associado à ascensão política de Donald Trump e à invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021, tentativa de golpe de Estado instigada por Trump, presidente cessante que acabara de perder as eleições.

Mas foquemo-nos na “notícia” partilhada por Ventura. Foi publicada no dia 22 de agosto de 2022 e no respetivo texto lê-se que “os zoófilos acreditam que é aceitável ter intimidade sexual com um animal e querem que o movimento arco-íris LGTBQ+ adicione um Z ao seu nome”.

“Os organizadores da Marcha do Orgulho da Zoofilia dizem que estão a avançar na pressão do Governo alemão para mudar a lei, ganhando o apoio da grande maioria”, acrescenta-se.

Também é feita referência (embora não disponibilizando qualquer hiperligação) a uma entrevista divulgada pela Ruptly, uma agência de notícias estatal da Rússia, subsidiária da estação de televisão RT, especializada em vídeo e com sede em Berlim, Alemanha.

A partilha do vídeo em causa é feita a partir de um tweet, de 18 de agosto, com a seguinte descrição: “Na Alemanha, as pessoas que gostam de fazer sexo com animais saíram para mostrar que também têm orgulho. E aqui estão eles”.

Ora, a publicação original deste vídeo pela Ruptly data de 1 de fevereiro de 2014, há mais de oito anos. Neste momento, o vídeo encontra-se indisponível na respetiva página. O Polígrafo contactou a agência de notícias para aceder à gravação em causa e confirmou que as imagens são as mesmas que estão a ser partilhadas como se fossem recentes ou atuais.

“Alemanha: Zoofilia em desfile em Berlim. Cerca de 20 amantes de animais reuniram-se para marcar o Dia dos Direitos dos Zoófilos com um protesto pelo direito de ter relações sexuais com animais na Potsdamer Platz, em Berlim, no sábado”, lê-se na descrição da reportagem em vídeo. Informa-se ainda que cerca de 30 pessoas realizaram uma contra-manifestação na mesma praça e que dezenas de polícias protegeram a área, isolando-a para evitar confrontos.

Ou seja, a manifestação ocorreu há mais de oito anos, com cerca de 20 participantes. Uma contra-manifestação realizada na mesma praça berlinense contou com 30 participantes. Mais, a manifestação não tinha qualquer relação com movimentos LGBTQI+, nem os participantes. É esta a base factual da “notícia” publicada pelo site “Jornal Tribuna Nacional” em agosto de 2022 e partilhada pelo Chega e Ventura em Portugal.

Quanto ao suposto avanço “na pressão do Governo alemão para mudar a lei, ganhando o apoio da grande maioria”, também não tem qualquer fundamento. Aliás, no final de 2012, a Alemanha determinou em lei a proibição da zoofilia, que era legal no país desde 1969. A prática desse crime é punida com uma multa de 25 mil euros.

Posteriormente, em 2016, houve uma tentativa de derrubar essa lei, mas foi travada por um tribunal alemão que determinou que a introdução deste crime pela prática de atos sexuais com animais “não viola o direito à auto-determinação sexual“, garantindo prioridade aos direitos dos animais, tal como tinha acontecido em 2012.

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Avaliação do Polígrafo:

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