Estão a ser partilhadas imagens que mostram um cartaz publicitário de uma empresa, supostamente localizada na Índia, que presta serviços de assistência para a obtenção do passaporte português. As fotografias e vídeos da fachada do prédio onde o outdoor foi exposto tornaram-se virais nas redes sociais, onde se somam as críticas ao Governo português, por permitir uma “via aberta à imigração” e por se tornar “numa piada internacional”.
André Ventura publicou um vídeo com imagens de street view do local, tendo-as encarado como uma prova de que na Índia estão a ser “vendidos” passaportes portugueses: “É tipo: ‘pagas e tens o passaporte português’. Agora percebem porque estamos a ter esta enchente? A nacionalidade portuguesa está à venda em muitos países do mundo.”
Mas será que tem razão?
A ideia de que nacionalidade portuguesa está à venda na Índia e noutros países Indostão é enganadora. Desde logo porque o cartaz está exposto na Índia, mas não “algures” neste país, como se aponta em algumas publicações. As imagens que estão a ser difundidas são as da sede da Gomindes & Co, que fica em Margão, Goa, uma ex-colónia portuguesa.
Segundo a Gomindes & Co, aqueles que nasceram em Goa ou têm pais que nasceram nesta ex-colónia portuguesa têm “o direito de requerer a aquisição da nacionalidade portuguesa e, em última análise, de obter um passaporte português”. Em parte, esta afirmação é verdadeira.
A Lamares, Capela & Associados explicou ao Polígrafo que os indivíduos nascidos até 20 de dezembro de 1961 nos territórios da Índia sob administração portuguesa – Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar-Aveli – são cidadãos portugueses de origem.
“Estes cidadãos são portugueses por mero nascimento, tal como se tivessem nascido em Lisboa, podendo solicitar a transcrição do nascimento para Portugal, com vista à conservação da nacionalidade portuguesa. Estas pessoas tinham/têm documentos emitidos por entidades portuguesas, mas não foram transcritos para Portugal”, esclarece.
Segundo a sociedade, por se tratar de nacionalidade originária, existente desde o nascimento, é transmissível aos descendentes (cônjuges, filhos e netos) de acordo com os termos legais.
Contactada pelo Polígrafo, a Casa de Goa remeteu ainda para os seguintes diplomas: Lei n. 2098/1959, o decreto lei n. 308-A/75 e a Lei da Nacionalidade.
A Lei n.º 2098/1959 estabeleceu o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, complementado pelo Decreto n.º 43 090/1960, que definiu a sua aplicação prática. O artigo 1.º deste decreto diz que “os indivíduos nascidos em território português presumem-se portugueses, desde que o respetivo registo de nascimento não contenha a menção de qualquer circunstância que, nos termos da lei, contrarie essa presunção”. Assim, o nascimento em território português — como era então o caso de Goa até 1961 — implicava, por regra, a atribuição da nacionalidade portuguesa, salvo indicação contrária no registo.
Após a independência dos territórios ultramarinos, o Decreto-Lei n.º 308-A/75 garantiu a conservação da nacionalidade aos nascidos no antigo Estado da Índia que manifestassem essa vontade, bem como aos seus descendentes até ao terceiro grau.
Atualmente, a Lei n.º 37/81 , conhecida por Lei da Nacionalidade, regula estes casos, permitindo que o Governo conceda a naturalização a descendentes de portugueses – sem exigência de residência ou conhecimento da língua – o que inclui muitos naturais de Goa.
Importa destacar que, apesar de existir este direito legal para os naturais e descendentes das ex-colónias como Goa, o processo não é simples. Além de exigir procedimentos burocráticos complexos e documentação antiga, está sujeito a longos prazos de análise. Segundo a Lamares, Capela & Associados, a transcrição de nascimento “deveria demorar cerca de 10 dias, mas na prática pode arrastar-se por quatro a cinco anos”.
Devido a estas dificuldades, algumas pessoas recorrem a agências de intermediação especializadas, embora esses serviços impliquem custos adicionais.
Considera-se, por isso, que as alegações de André Ventura sobre estas imagens da empresa Gomindes& Co são descontextualizadas. Ao não mencionar a localização da empresa está a afastar o enquadramento legal que existe no que diz respeito aos processos de aquisição de nacionalidade dos naturais de Goa e ao passado entre Portugal e esta ex-colónia.
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Avaliação do Polígrafo: