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André Ventura: “PS e PSD querem acabar com o dinheiro físico”

Política
O que está em causa?
"Com o 'apagão' que aconteceu ontem, vocês imaginem se não houver dinheiro físico. E eles querem acabar com o dinheiro físico", alerta o líder do Chega num vídeo partilhado nas redes sociais. Tem algum fundamento?

“Desculpem-me trazer este tema hoje, mas eu acho que ninguém está a falar disto e devíamos falar. Com o ‘apagão’ que aconteceu ontem, vocês imaginem se não houver dinheiro físico. E eles querem acabar com o dinheiro físico“, acusa André Ventura, líder do Chega, num vídeo publicado ontem (29 de abril) nas redes sociais.

Por “eles” referia-se ao “PS e PSD e a maior parte destes partidos de Bruxelas” – presume-se que excluindo os dois eurodeputados do Chega em funções no Parlamento Europeu – que, repete no vídeo em causa, já com milhares de visualizações, “querem acabar com o dinheiro físico”.

“Imaginem o caos ainda maior que tinha sido ontem sem acesso a multibancos, com os bancos fechados, numa situação de emergência”, prossegue Ventura, no rescaldo do “apagão” de eletricidade que assolou os territórios de Portugal, Espanha e Sul de França, no dia 28 de abril.

Para depois concluir: “Não vamos deixar! Querem-nos controlar, querem meter mão em toda a nossa liberdade e nós não vamos deixar. O dinheiro físico é para continuar, a burocracia deles que fique com eles e nas más soluções que tiveram ao longo destes 50 anos.”

Desde logo, não há registo de qualquer iniciativa do PS ou PSD no sentido de “acabar com o dinheiro físico”. Nem no Parlamento Europeu, nem na Assembleia da República.*

O líder do Chega estaria a referir-se ao projeto do “euro digital” que, tal como o Polígrafo verificou recentemente, não prevê a eliminação do dinheiro físico, ao contrário do que se alega insistentemente nas redes sociais.

Numa dessas fake news que tem sido partilhada destaca-se a seguinte mensagem: “Christine Lagarde anuncia que o lançamento do ‘euro digital‘ ocorrerá em outubro: eles rastrearão cada pagamento; eles podem bloquear compras; impostos automatizados; sem dinheiro, você ficará 100% dependente do BCE.”

Exibe um vídeo do que parece ser uma conferência de imprensa em que Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), diz que “começámos a trabalhar no ‘euro digital’ há muito tempo”, promete “acelerar o ritmo” e faz referência a um “prazo” até “outubro de 2025“.

Essa declaração isolada de Lagarde, sem qualquer contexto adicional, está a ser difundida nas redes sociais como se fosse um anúncio de que o “euro digital” vai substituir todo o dinheiro físico na Europa a partir da referida data.

A declaração em causa de Lagarde foi proferida durante uma conferência de imprensa realizada no dia 6 de março de 2025, em que anunciou uma nova redução das taxas de juro. No final da intervenção, um jornalista perguntou-lhe sobre “como é que o BCE pode acelerar a criação de um ‘euro digital'”, tendo em conta que o Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, anunciara recentemente que iria suspender os planos da Federal Reserve (banco central dos EUA) de lançar o “dólar digital”.

Na resposta, a presidente do BCE disse esperar que “não enterrássemos o ‘euro digital’ e que pudéssemos torná-lo realidade”, apontando para outubro de 2025 como “data-limite” e ressalvando que “não poderemos avançar se a Comissão, o Conselho e o Parlamento não concluírem o processo legislativo”.

A transcrição das declarações de Lagarde naquela conferência está disponível na página do BCE e também no respetivo canal do YouTube.

Importa ter em atenção que, ao indicar a “data-limite”, Lagarde referia-se à conclusão de uma fase preparatória iniciada em novembro de 2023. Ou seja, não se referia à entrada em vigor do “euro digital”, como esclareceu aliás o BCE em publicação no X/Twitter, datada de 13 de março de 2025.

Além de ser um processo que ainda vai demorar mais alguns anos, de acordo com o plano oficial gizado pelo BCE, não está prevista a eliminação do dinheiro físico ou em espécie.

“O dinheiro em espécie não será eliminado“, garantiu o Banco Nacional da Áustria à AFP, que também verificou estas alegações nas redes sociais. “Ninguém na ‘Zona Euro’ está a pensar em eliminar o dinheiro em espécie”, sublinhou. Pelo contrário, até está a ser preparado um novo design para as notas de euro.

Por sua vez, um dirigente do Banco da França explicou que “o ‘euro digital’ não chegará para substituir esse dinheiro, mas para responder a um tipo específico de necessidade. (…) Esperamos que o ‘euro digital’ seja capaz de atender aproximadamente às mesmas necessidades do dinheiro em espécie, mas no espaço digital e, portanto, juntamente com outros instrumentos de pagamento: é a gama de instrumentos de pagamento que se está a expandir”.

“Deverá complementar, e não substituir, o numerário”

Na página do Conselho Europeu divulga-se informação mais desenvolvida sobre o projeto do “euro digital” que consiste numa forma digital de “moeda do banco central” emitida pelo Banco Central Europeu para utilização nos pagamentos de retalho, a par, por exemplo, do numerário físico.

Entre a informação salienta-se uma declaração do Eurogrupo sobre o projeto que, mais uma vez, não deixa margem para dúvidas: “Um euro digital deverá complementar, e não substituir, o numerário, e deverá garantir o acesso dos utilizadores da área do euro à moeda do banco central em tempos de maior digitalização dos pagamentos.”

Nesse mesmo sentido aponta a “Estratégia de numerário do Eurosistema” em que se sublinha que “as notas e moedas de euro têm curso legal na área do euro. São um elemento importante da sua liberdade de escolher como efetuar pagamentos, sendo essenciais para a inclusão financeira de todos os grupos na sociedade. A nossa estratégia de numerário visa garantir que este se mantém amplamente disponível, acessível e continua a ser aceite como meio de pagamento e reserva de valor. Permanecerá igualmente inovador, seguro e respeitador do ambiente”.

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Avaliação do Polígrafo:

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