Se eleger deputados ao Parlamento Europeu, “o Chega vai fazer parte do grupo Identidade e Democracia que inclui alguns dos partidos mais radicais da direita europeia como a AfD da Alemanha ou a União Nacional de Marine Le Pen. Partidos que defendem o fim do euro, a recomposição da União Europeia e alguns têm ligações à Rússia, tendo sido mesmo financiados por Moscovo. Sente-se confortável nestas companhias?”
Foi perante esta questão, na “Grande Entrevista” à RTP emitida ontem à noite (20 de março), que André Ventura garantiu peremptoriamente: “A Marine Le Pen não defende o fim do euro nem a saída da União Europeia.”
Nesse âmbito, o líder do Chega sublinhou ainda que “em França, quem acompanha a realidade política francesa, tem acompanhado esta transformação progressiva daquele que é hoje o maior partido francês”, referindo-se à União Nacional (antiga Frente Nacional) de Marine Le Pen.
A alegação de Ventura é verdadeira?
Nas eleições presidenciais da França em 2017, a candidata Marine Le Pen prometeu mesmo que, em caso de vitória, avançaria com um referendo sobre a saída do euro.
Durante a campanha, aliás, questionada por um eleitor sobre o que faria se o “não” fosse maioritário nesse referendo, a líder do então Frente Nacional respondeu da seguinte forma: “Vou embora. Nessas condições, cerca de 70% do meu projeto não poderia ser implementado.”
Na mesma altura, a candidata de extrema-direita chegou mesmo a propor a coexistência de duas moedas em França, uma para operações internas e outra para as internacionais, afirmando que “o euro está morto“.
“Haverá uma moeda para compras diárias e outra para as grandes empresas que comercializam internacionalmente”, explicou Marine Le Pen, em entrevista ao jornal “Le Parisien”, considerando que o euro “é em grande parte responsável pelo desemprego em massa” em França, por não estar “adaptado” à economia francesa.
Entre as eleições de 2017 e as de 2022 (quando voltou a perder na segunda volta frente ao liberal e pró-europeu Emmanuel Macron), além da mudança de nome do partido, também as posições de Marine Le Pen em relação ao euro e à União Europeia foram realinhadas.
A ideia do referendo ou a defesa literal de uma saída da moeda única deixaram de constar no programa eleitoral. Contudo, nesse programa para as eleições de 2022 não deixou de inscrever o objetivo de “criação de uma Aliança Europeia de Nações que visa substituir gradualmente a União Europeia“.
“Esta Europa de nações livres e soberanas, assumindo a sua herança milenar, será de cooperação e irá pôr fim ao projeto daqueles que querem fazer da União Europeia um super-Estado federalista carregado de ideologia. Os muitos contactos que pude desenvolver num grande número de países europeus, incluindo vários chefes de Governo, permitem-me ter esperança de ver este projeto concretizar-se a médio prazo”, salienta-se no documento.
O programa de 2022 inclui também uma série de medidas que, na prática, colocariam em causa a manutenção da França na União Europeia. Desde um renegociação do Acordo de Schengen para recuperar o controlo nacional das fronteiras, até uma revisão constitucional para estabelecer o primado do Direito francês sobre o Direito europeu, em evidente colisão com os tratados e pilares fundamentais da ordem jurídica da União Europeia.
Em suma, como a imprensa francesa sublinhou ao longo da campanha, um caminho incontornável para o “Frexit” (saída da França da União Europeia), apesar da camuflagem discursiva de Marine Le Pen.
Aliás, no debate televisivo de abril de 2022 que muitos consideraram ter sido decisivo para a derrota de Marine Le Pen na segunda volta das eleições presidenciais, Emmanuel Macron acusou-a precisamente de defender a saída do euro e da União Europeia “mas sem o dizer“.
Num dos momentos mais tensos do debate, Emmanuel Macron sublinhou que o projeto de Marine Le Pen resultaria na saída da França do euro e da União Europeia, embora a líder da União Nacional tivesse deixado de o dizer de forma clara. Em resposta, a candidata da extrema-direita acusou o adversário de querer “substituir a soberania francesa pela soberania europeia“, sendo por isso que “coloca a bandeira europeia sob o Arco do Triunfo”.
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