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André Ventura diz que vaga migratória está a “aumentar a criminalidade” na Europa. É verdade?

Política
O que está em causa?
A narrativa é frequente no discurso de André Ventura: "mais imigrantes" equivale a "mais crimes". E se há uns meses Pedro Passos Coelho fazia manchetes pela associação, o líder do Chega já se habituou a repetir a correlação infundada. Ao dia de hoje, os dados continuam sem provar que as vagas migratórias aumentam a criminalidade.
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Num vídeo partilhado nas redes sociais, a 3 de setembro, o líder do Chega volta a insistir na associação entre imigrantes e crimes. “Nós estamos a ser assolados – não só Portugal, mas a Europa toda – por uma vaga migratória com um impacto tremendo no tecido social europeu, português, espanhol, italiano, alemão, francês, belga… até outros países mais afetados do que nós. E a Europa tem que criar regras. Ser humanista não é deixar toda a gente entrar (…) Estamos a aumentar a criminalidade, porque as pessoas depois não têm nada, vão viver para a rua ou para casas com 20 pessoas…”, afirmou André Ventura.

Meses depois de Pedro Passos Coelho fazer precisamente o mesmo paralelo entre os dois indicadores – e de ser desmentido pelos dados -, os números continuam a provar que esta narrativa é infundada.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023, “analisando a evolução da criminalidade, desde o ano 2006, num ciclo de 18 anos, verifica-se que os valores registados atualmente representam acréscimos, observando-se contudo uma tendência de descida, tanto na criminalidade geral como na criminalidade violenta e grave. Atualmente a criminalidade violenta e grave representa 3,8% de toda a criminalidade participada”.

Como se pode ver no gráfico acima, embora a criminalidade tenha aumentado ligeiramente no último ano, o que é certo é que esse crescimento só é significativo se forem tidos em conta os dois anos de pandemia, em que houve quebras na criminalidade. De resto, os números de 2023 estão longe dos registados noutros anos, sobretudo quando olhamos para a criminalidade violenta e grave.

Outro elemento a ter em atenção é que 84,7% da população prisional consiste em indivíduos de nacionalidade portuguesa (92,9% do sexo masculino), o que também refuta a ideia de associação entre criminalidade e imigrantes ou estrangeiros.

Mas Ventura não se fica por Portugal e refere mesmo países como Espanha e Itália. Será que existe uma relação entre a imigração e a criminalidade nessas regiões?

Espanha:

Em Espanha, os cidadãos nacionais foram responsáveis, entre 2014 e 2022, por 76,7% e 74,2% dos crimes cometidos, respetivamente. A percentagem foi variando (pouco) ao longo destes nove anos, mas não se pode dizer que tenha acompanhado o aumento de imigrantes no país, já que em 2022, por exemplo, a percentagem de cidadãos nacionais a cometer crimes em Espanha era praticamente igual à de 2018 e 2019 (74,5%), sendo que nesses dois anos entraram em Espanha apenas 644 mil e 750 mil emigrantes e, em 2022, entraram 1 milhão e 258 mil emigrantes.

Sendo certo que um retrato das prisões espanholas mostra que 30% da população prisional em 2022 era estrangeira, a verdade é que os valores não se alteraram significativamente ao longo dos anos. Aliás, em 2013 e 2014 a percentagem era até maior (31,6% e 30,3%, respetivamente).

Itália:

Entre 2014 e 2022, o número anual de crimes cometidos no país diminuiu. Se em 2014 o número de crimes relatados pela polícia à autoridade judicial foi de 2,8 milhões, em 2022 o valor caiu para os 2,25 milhões. Apesar disso, o número de imigrantes a chegar ao país subiu bastante. Em 2014, havia 4 milhões e 922 mil estrangeiros em Itália. Em 2024 já são 5 milhões e 308 mil e, em 2022, eram 5 milhões e 194 mil, quase mais 300 mil do que em 2014.

Quanto às prisões italianas, em 2022, cerca de 31,6% da população prisional era composta por estrangeiros. O número parece elevado? É o segundo mais baixo dos últimos seis anos da série. Em 2020, 2019, 2018 e 2017 as percentagens eram bastante mais elevadas (32,5%, 32,7%, 34% e 34,4%, respetivamente).

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Avaliação do Polígrafo:

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