Em março de 2017, ainda fora da vida política e com os comentários limitados ao futebol, André Ventura passou mais de 20 minutos a falar sobre “o pacto da eleição de Donald Trump” e sobre o “conceito de fake-news”. Ventura estava sentado ao lado de Jorge Castela, o autor do livro “O Efeito Trump e o Brexit”, ali apresentado, e que consigo fundou o Chega (apenas para mais tarde dizer que Ventura se “adapta à espuma dos dias”).
Mas será possível que, na altura, o então professor universitário defendesse que era um perigo os políticos falarem diretamente aos eleitores nas redes sociais, aquilo de que agora é o mais fervoroso adepto?
As palavras de Ventura, ao contrário da persona, não se prolongaram no tempo. Agora, já não se aplicariam ao líder do partido que faz críticas constantes à comunicação social e que em 2017 falava assim: “Hoje, tornou-se numa espécie de gíria popular – ou de uma certa elite intelectual – atacar a comunicação social. Digo isto completamente livre nesta matéria. Nós, em Portugal, temos tido a sorte de ter tido meios de comunicação social capazes de tocar com o dedo na ferida (…) Temos que ter alguma cautela quando apontamos o dedo à comunicação social.”
Sobre fake-news, Ventura deixava adivinhar o “poder” do fenómeno: “Quando perguntavam ao presidente norte-americano porque é que ele usa o Twitter, é porque dá um poder enorme não haver nenhuma espécie de intermediário. Eu escrevo o que quiser. Ninguém me faz a pergunta, sequer.”
“Na verdade, por trás desta perceção, está a lógica de os intervenientes políticos se quererem furtar aos intermediários que fazem perguntas. É incómodo. É muito mais fácil [recorrer às redes sociais]. E é por isso que se utiliza isto (…) É esta a lógica das fake-news, que são perniciosas, porque nos levam à negação e à defesa permanente mas, sobretudo, porque são capazes de convencer em períodos de grande turbulência noticiosa”, explicava Ventura, então professor universitário.
Ventura mudou e o mundo também. Numa entrevista ao Porto Canal, em janeiro deste ano, o agora deputado argumentou que os jovens procuram a informação de uma forma diferente e que “o novo mundo de comunicação” custa à esquerda e ao “status quo”.
Custa, respondeu, porque “eles não o controlam. Habituaram-se a controlar algumas televisões, alguns jornais. A só sair o que eles querem. Ora, este novo mundo é diferente. Isto não é de esquerda nem de direita. É uma questão de se comunicar diretamente com os eleitores”.
Contra o Ventura de 2017, o líder do Chega defendeu ainda que tudo se baseia na comunicação “direta com os eleitores”. “Enquanto que antes tínhamos que ter um filtro, o filtro televisivo, nós agora temos a capacidade de falar diretamente com as pessoas. E é isso que aterroriza a esquerda cá. É que, pela primeira vez, eles não controlam as instituições que filtram as mensagens”, acrescentou ainda.
No Polígrafo, Ventura já soma pelo menos 101 mentiras e imprecisões (levantamento feito a 28 de março de 2024) desde 2019. Destas, destacamos a primeira falsidade verificada pelo Polígrafo, em outubro de 2019, quando o líder do Chega afirmou que o valor pago por pensões a políticos dava para pagar um ano de tratamentos de VIH. Desde então, Ventura foi mentira nacional do ano em 2022 e arrecadou vários “Pimenta na Língua”, como quando disse que os impostos dos portugueses pagaram a “destransição” de género de uma mulher norte-americana. Talvez por isso o líder do Chega se tenha “moderado” quanto à dimensão das falsidades: agora, deixa isso para os seus 49 deputados.
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Avaliação do Polígrafo: