“Não devemos perder de vista o facto de que a esmagadora maioria dos palestinianos não teve nada que ver com os terríveis ataques do Hamas e está a sofrer por causa deles”, escreveu o Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden, em publicação de 15 de outubro no X/Twitter.
“Verificação de factos: a maioria do povo palestiniano em Gaza elegeu o Hamas, que concorreu numa plataforma de matar-todos-os-judeus e permanece amplamente popular em Gaza”, contrapôs um utilizador da mesma rede social, poucas horas depois.
É verdade que a maioria dos atuais habitantes palestinianos de Gaza “elegeu o Hamas” para formar Governo?
Embora formalmente pareça ter fundamento, a alegação padece de vários equívocos. Desde logo o facto de as últimas eleições legislativas para o Conselho Legislativo da Palestina terem sido realizadas em janeiro de 2006, há mais de 17 anos.
O movimento Hamas candidatou-se através do partido Mudança e Reforma e no conjunto dos territórios palestinianos, repartidos entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, obteve um total de cerca de 440 mil votos (44,45%), ligeiramente acima da organização Fatah que arrecadou cerca de 410 mil votos (41,43%).
Nessa altura estavam registados 1.341.671 eleitores palestinianos (de uma população de 3.761.904 indivíduos em todos os territórios) e votaram 1.042.424 no total.
Ora, a atual população só da Faixa de Gaza ascende a mais de 2,3 milhões de pessoas, das quais cerca de metade são menores de idade. Ou seja, a grande maioria dos atuais habitantes da Faixa de Gaza ainda não tinha nascido (ou não tinha alcançado a idade legal para votar) em 2006, quando se realizaram as últimas eleições legislativas.
Mais, nas eleições de 2006, a diferença de votos entre o partido do Hamas e a Fatah foi diminuta, menos de 30 mil. Aliás, a Fatah foi mesmo a mais votada em Rafah, um dos cinco distritos da Faixa de Gaza.
De resto, o Governo de unidade nacional (liderado pelo Hamas) resultante das eleições legislativas de 2006 durou poucos meses. O rapto do soldado israelita Gilad Shalit em junho de 2006 motivou uma série de operações militares e iniciativas políticas de Israel contra o Hamas, desde logo impedindo os respetivos dirigentes de se deslocarem entre os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
O Quarteto do Médio Oriente (ONU, UE, Rússia e EUA, mediadores do conflito israelo-palestiniano) acabou por exigir uma série de condições para a aceitação de um Governo liderado pelo Hamas, nomeadamente o reconhecimento oficial de Israel e a cessação do apoio a atividades terroristas, prontamente rejeitadas.
Seguiu-se uma quase guerra civil entre o Hamas e a Fatah, com o primeiro a tomar o controlo da Faixa de Gaza e a segunda a manter o poder na Cisjordânia. Desde então não voltou a realizar-se eleições legislativas nos territórios palestinianos, apenas eleições locais (em 2012, 2017 e 2021) que foram sucessivamente boicotadas pelo Hamas.
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