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A maior parte dos países europeus aplica a pena de prisão perpétua?

União Europeia
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Em várias publicações nas redes sociais exibe-se um mapa indicando que a maior parte dos países da Europa aplica a pena de prisão perpétua, um dos temas abordados no debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura para as eleições presidenciais. O Polígrafo verifica se os dados estão corretos e se se confirma (ou não) que a prisão perpétua está em vigor na maioria dos países europeus.

Aceito a prisão perpétua. Aliás, eu acho muita graça à questão de que a prisão perpétua foge à democracia. Nós aqui ao lado, em Espanha, temos prisão perpétua. Alguém vai dizer que Espanha não é uma democracia? Nós em Inglaterra temos prisão perpétua, nós na Alemanha temos agora prisão perpétua”, afirmou Ventura, no debate frente a Rebelo de Sousa, a 6 de janeiro na SIC.

Desde então que tem sido partilhado nas redes sociais um mapa indicando que a maior parte dos países da Europa aplica a pena de prisão perpétua.

Em Portugal, o limite instituído para pena efetiva de prisão é de 25 anos. Mas como funciona no resto da Europa? Depois da abolição da pena de morte em território europeu, com a excepção da Bielorrússia, onde a prática se mantém, qual é a pena máxima a que alguém pode ser condenado?

Do caso português para o panorama europeu vai uma longa e distante História. Em 1884, Portugal aboliu definitivamente a prisão perpétua. Ainda hoje, no seu Artigo 30º, referente aos limites das penas e às medidas de segurança, a Constituição da República Portuguesa determina que “não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida“, fazendo de Portugal um dos 13 países do mundo onde a Constituição proíbe especificamente esta punição. 

Por toda a Europa, contudo, a aplicação da prisão perpétua varia nos mais diversos moldes. Desde uma pena revista, passando por uma pena sem previsão de liberdade condicional até à prisão perpétua irredutível, o território europeu reúne países com posições diferentes, mas há maiorias a apontar. 

O mais recente estudo de Dirk Van Zyl Smit e Catherine Appleton, “Life Imprisonment: A global human rights analysis”, publicado em dezembro de 2019, esclarece as diferenças entre a aplicação da pena de prisão perpétua e traça um retrato minucioso sobre as penas atualizadas nos 51 países da Europa. Destes, apenas dois prevêem medidas mais duras que podem significar uma pena irredutível, sem revisão e sem limite. Ainda assim, em 2019, apenas 176 pessoas cumpriam pena de prisão perpétua irredutível na Europa, um total de 0,6% face ao número de presos em condição imperecível em todo o território europeu.

No entanto, a maioria dos países tem um regime diferente do português. Quase todos, explica Zyl Smit, permitem penas de prisão perpétua, mas incluem uma adenda para que os condenados possam sair em liberdade condicional depois de terem cumprido um determinado número de anos de prisão efetiva. Importa reter que, na maior parte da Europa Ocidental, por exemplo, uma “sentença de prisão perpétua” na verdade significa que, após o cumprimento de uma pena mínima de 12 a 25 anos, o prisioneiro se torna elegível para liberdade condicional. 

Dos 51 países europeus em análise, 41 foram identificados como tendo algum tipo de prisão perpétua. Desses, 37 prevêem uma pena revista, além da possibilidade remota de libertação pelo exercício de uma complacência. Quanto às penas sem revisão, são apenas sete os países que adotam esta variável de prisão perpétua cuja sentença não é reconsiderada de forma rotineira. São eles a Ucrânia, Eslováquia, Países Baixos, Malta, Lituânia, Hungria e Bulgária. 

Por sua vez, na condição mais pura, a pena de prisão perpétua irredutível exclui completamente a possibilidade de liberdade condicional ou de qualquer outra forma de libertação. Excluídos estão também os poderes de clemência do chefe de Estado, ou de outra figura executiva igualmente autorizada, para comutar a sentença de prisão perpétua ordenando a libertação do condenado, seja por intervenção direta ou através da conversão da pena numa outra, a partir da qual a libertação seja subsequentemente possível.

Este tipo de sentença só é aplicada em dois países europeus: o Reino Unido (apenas na Inglaterra e País de Gales, não na Escócia nem na Irlanda do norte) e a Turquia. Importa porém referir que ambos os países prevêem também prisão perpétua revista, sendo que, das 8.661 pessoas condenadas em 2019 no Reino Unido, apenas 50 cumprem pena irredutível. Na Turquia, a proporção é ligeiramente diferente e, dos 6.687 condenados a prisão perpétua, 126 terão que cumprir uma sentença até ao fim da vida.

Do outro lado da moeda, em 2019 eram 10 os países europeus que se destacavam por não terem oficializada a figura da prisão perpétua: Vaticano, Sérvia, San Marino, Portugal, Noruega, Montenegro, Andorra, Bósnia e Herzegovina, Croácia e Ilhas Faroé. 

Também na Europa, em 2019, havia 27.213 condenados a prisão perpétua, um total de 3,9 por 100 mil habitantes. Contudo, este valor é influenciado por dois países em específico, cujo número de condenados é manifestamente superior ao dos restantes países onde esta pena é aplicada: o Reino Unido e a Turquia, que representam um total de 56% da população carcerária europeia condenada a prisão perpétua. São taxas de 13,4 e 8,6 por 100.000 habitantes, respetivamente.

Outro caso europeu a destacar é a Grécia, com 9,2 presos por 100.000 habitantes, conquanto o número total de prisioneiros condenados a prisão perpétua seja relativamente pequeno (1.107 presos). Na extremidade inferior das taxas europeias está a Itália (2,7), a Alemanha (2,4) e a França (0,7). Como proporção da população nacional, houve 18 vezes mais prisioneiros condenados a prisão perpétua no Reino Unido do que na França. Estas comparações são particularmente significativas, uma vez que ambos os países utilizam a prisão perpétua como pena máxima desde há alguns anos. As taxas nos países da ex-União Soviética e da Europa Oriental são também relativamente baixas, muito devido ao facto de este tipo de sentenças só mais tarde se ter tornado proeminente nesses territórios. A Rússia e a Polónia, por exemplo, tiveram 1,2 e 1,0 prisioneiros condenados a prisão perpétua por 100.000 habitantes, respetivamente.

De outra perspetiva, importa analisar os crimes ou ofensas mediante os quais a prisão perpétua pode ou deve ser imposta. Dados apresentados no estudo de Zyl Smit e Appleton revelam certas tendências na aplicação desta pena. A ter em conta: a proeminência do homicídio como a ampla categoria para a qual a maioria das sentenças de prisão perpétua são impostas. Em 12 dos 20 países europeus com dados acessíveis sobre as infrações cometidas por condenados a prisão perpétua, todas as condenações estão relacionadas com homicídio. 

Pegando no exemplo da Alemanha, dos 1.953 condenados a prisão perpétua, 1.889 cumprem pena por homicídio. Mas este número não é surpreendente, uma vez que a prisão perpétua está prevista como obrigatória em casos de assassinato. Por outro lado, os dados revelam alguma relutância por parte dos tribunais na imposição de prisão perpétua, tendo em conta que, dos 24 crimes ou ofensas que atualmente estão associados a uma sentença imperecível na lei alemã, 15 não têm tido aplicação prática.

Entre os mesmos 20 países europeus com dados disponíveis, apenas a Geórgia e o Reino Unido tinham, em 2019, condenações perpétuas por delitos relacionados com tráfico de droga. Importa ainda salientar que, na Europa, a prisão perpétua foi imposta muito poucas vezes em crimes sexuais. Apenas quatro dos 20 países em estudo revelam sentenças relacionadas com este tipo de crime. Na Áustria e na Alemanha foram registados apenas dois condenados. Na França foram reportados 32 casos e no Reino Unido 908, um total de 6,7% e 10,6% da população carcerária condenada a prisão perpétua nestes dois países, respetivamente.

Um estudo do Eurostat, relativo a 2018, mostra que a criminalidade não está diretamente associada à aplicação da prisão perpétua. No que respeita a casos de homicídios intencionais, por exemplo, verificamos que no Reino Unido, onde a prisão perpétua é aplicada, o número de casos é muito superior ao da grande maioria dos países: são, ao todo, 754 ocorrências. Em Portugal, na Noruega, em Montenegro, na Bósnia & Herzegovina e na Croácia, onde não é aplicada pena de prisão perpétua, os casos de homicídio reportados durante o ano de 2018 foram 81, 25, 13, 36 e 24, respetivamente.

Assim sendo, é verdade que a maioria dos países europeus prevê penas de prisão perpétua para determinados tipos de crime, mas esta pena varia conforme o país e é quase sempre revista após o período mínimo de encarceramento. A grande fatia, 37 dos 51 países europeus, não considera a condenação a prisão perpétua como irrevogável, tornando o termo desadequado e paradoxal.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

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Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.

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