Sempre prolífica na arte de criar um rumor viral, a internet brasileira, nomeadamente a faixa mais ligada à extrema-direita política, apontou armas para a viúva de Ernesto “Che” Guevara, o ícone argentino que se tornou numa figura maior da revolução cubana, lado a lado com Fidel Castro.
Segundo um texto colocado a circular e com milhares de partilhas, Aleida March beneficiaria de um tratamento de exceção por parte do Governo esquerdista de Dilma Rousseff, auferindo uma pensão pela morte do seu marido. Não é por acaso que o boato volta a circular: é que está neste momento em discussão no Brasil a reforma da Previdência (a segurança social brasileira) idealizada pelo Executivo liderado por Jair Bolsonaro.
O valor mensal da pensão atribuída seria, de acordo com os promotores do rumor, de 9800 reais [cerca de 2303 euros]. O site brasileiro Aos Fatos analisou a informação e concluiu que se trata de uma formulação que não encontra sustentação na realidade.
Os indícios sobre a falsidade da história são numerosos. O mais visível talvez seja o facto de a imagem utilizada na publicação não corresponder à da viúva de Che Guevara. Na verdade, a pessoa retratada é a filha do casal, Aleida Guevara.
Apesar de ter investigado, o Aos Fatos não identificou qualquer prova de que a viúva de Guevara receba uma soma do estado brasileiro. Seria, aliás, difícil que tal acontecesse, uma vez que no Brasil a pensão de morte só é paga a dependentes (cônjuges, companheiros, pais ou filhos, enteados e irmãos menores de 21 anos, bem como a inválidos) cujo parente falecido fosse beneficiário da segurança social no momento da morte. Ora, Ernesto “Che” Guevara morreu na Bolívia em 1967.
As últimas cartas
Che Guevara casou duas vezes: com a peruana Hilda Gadea e com a cubana Aleida March. Dos seus casamentos, nasceram seis filhos. Frequentemente ausente do lar por imperativos relacionados com a revolução, Guevara comunicava bastante por carta quer com a sua mulher, quer com os filhos. Na última missiva que enviou a Aleida March, em 2 de dezembro de 1966, a partir da cidade boliviana de Ñancahuazú, escreveu: “Minha única: aproveito a viagem de um amigo para te enviar algumas palavras. É claro que poderiam ser enviadas pelo correio, mas escolher um caminho extra-oficial parece-me mais íntimo. Poderia dizer-te que sinto a tua falta a ponto de perder o sono”. A carta foi escrita em 2 dedezembro de 1966, na cidade boliviana de Ñancahuazú.
“Minha única: aproveito a viagem de um amigo para te enviar algumas palavras. É claro que poderiam ser enviadas pelo correio, mas escolher um caminho extra-oficial parece-me mais íntimo. Poderia dizer-te que sinto a tua falta a ponto de perder o sono”, escreveu a Aleida March.
Um pouco antes, em 1965, escreveu aos seus filhos uma carta de despedida, ao partir para a Bolívia. Eis o que lhes disse: “Queridos Hildita, Aleidita, Camilo, Celia e Ernesto. Se algum dia tiverem de ler estar carta, será porque não mais estarei entre vocês. Quase não se recordarão mais de mim, e os pequeninos nada lembrarão. O vosso pai foi um homem que tentou agir de acordo com aquilo que pensa e, garanto-lhes, foi fiel às suas convicções. Cresçam como bons revolucionários. Estudem muito, para que possam dominar a técnica que permite dominar a natureza. Recordem-se de que é a revolução que é importante, e que cada um nós, por si só, nada vale. Sobretudo, sejam sempre capazes de sentir da maneira mais profunda qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Essa é a mais bela qualidade de um revolucionário. Até sempre, meus filhinhos, espero voltar a vê-los um dia. Um grande beijo e um grande abraço do papá”.
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