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“Não há uma política de ‘boys’ no Partido Socialista”

Este artigo tem mais de um ano
Bruno Matias, 30 anos, solta umas gargalhadas quando diz que ainda se considera um "jovem" político. Nascido na África do Sul, crescido em São Pedro do Sul e a viver oficialmente na zona sul do país, uma das suas principais bandeiras é a descentralização. Demora a apontar falhas ao Governo, mas admite que há um sério problema nos salários dos jovens. Quanto à política de "boys" no seu partido, da qual é recorrentemente acusado de fazer parte, nega que ela exista e considera que "é perfeitamente normal essa ligação para convidar pessoas".

Esteve muito ligado ao associativismo e foi, aliás, presidente da Associação Académica de Coimbra. Foi essa experiência que o levou para a política partidária?

Foi o meu sentido de participação cívica que me levou ao associativismo e à política. Ninguém precisou de me convencer a participar cívica ou politicamente. Desde miúdo que gosto de ver, ouvir e discutir política. Seja na minha freguesia, São Pedro do Sul, seja em questões nacionais ou internacionais. Quando encontrei plataformas em que podia participar de uma forma mais prática acabei naturalmente por me integrar. Sempre me cheguei à frente, sempre me fiz de convidado.

E como é que trilhou o seu caminho até à Juventude Socialista e depois ao Governo?

Naturalmente. Tinha 16 anos quando tive o primeiro contacto com a Juventude Socialista. Sempre tive uma tendência ideológica mais à esquerda.

Influências familiares?

Sim, toda a minha família é historicamente ligada ao Partido Socialista. Mas também influências do meu contexto, porque nos meios pequenos nós conhecemos realidades muito díspares, muitos tipos de vida. O de gente muito abastada e o de gente com uma vida difícil. Conhecemos também as dificuldades do que é o elevador social, sabemos que nem toda a gente continua a ter facilidades para entrar numa universidade, por exemplo. Além disso há ainda muita gente, nos meios pequenos, que continua a chegar à universidade menos preparada do que aqueles que estão nas grandes cidades.

Foi por isso que aderiu a uma juventude partidária?

Por causa destes contextos de desigualdades, que sempre me tocaram muito, decidi inscrever-me na Juventude Socialista. Tinha na altura 17 anos. Depois, durante toda a minha vida académica, sempre estive muito pouco ligado à JS. Dediquei-me praticamente só ao associativismo em Coimbra, porque me realizava participar civicamente ao nível cultural, desportivo, político… A Juventude Socialista, na altura, era uma parte que eu não tinha muito presente.

Quando é que passou a ser?

Mais tarde, quando vim para Lisboa. Ia começar a fazer o estágio na Ordem, na área do Direito. Já tinha isso combinado com uma sociedade, aliás, mas acabei por ter um convite por parte de um amigo, João Vasconcelos, para trabalhar diretamente com ele. Mais tarde, voltei a estar ativo na JS e estou assim até hoje. A participar ativamente quer a nível local, aqui em Lisboa, quer a nível nacional.

Foi para Lisboa com o objetivo de se dedicar à política?

Vim para Lisboa fazer um mestrado em Direito de Empresas no ISCTE. Já tinha estado em Coimbra durante alguns anos. Queria sair porque havia poucas oportunidades na minha área. Lisboa ou Porto têm maior oferta para a área de Direito. Tinha aqui família, o meu irmão. Acabei por vir naturalmente.

Disse-me que a área do Direito está centralizada em Lisboa e Porto, tal como a política. Não há forma de as descentralizar?

Sim, há políticas para a descentralização e há muitas intenções também. O que é certo é que nunca se falou tanto de descentralização e de coesão territorial como se tem falado desde 2015. Sou de um meio pequeno e sei bem o que é um meio desses no antes e no pós-crise. Não interessa agora quem é que teve ou deixou de ter culpa. Isso é conversa que já não interessa à nossa geração. O que interessa é o que vem para a frente. Sei também a dificuldade que é regressar à nossa terra, que não tem grandes oportunidades e, acima de tudo, não tem o mesmo dinamismo das grandes cidades.

A quinta dos seis jovens políticos que o Polígrafo entrevistou, Sofia Matos, 30 anos, é talvez a mais experiente deste rol. Deputada à Assembleia pelo círculo eleitoral do Porto, fez pelo PSD um percurso que não se via a fazer noutro partido, mas nem assim se mantém fiel a todas as bandeiras dos sociais-democratas. Considera ser preciso combater as desigualdades no tratamento de homens e mulheres, mas não é feminista, até porque "não é através da promoção de um sexo, de uma entidade de género, que a valorizamos". Num cenário tal qual o de hoje, não crê que o PSD se coligue com o Chega para formar Governo, mas não desconsidera a hipótese se o partido de extrema-direita "se moderar".

E, portanto, há políticas. Se me perguntar se acho que o número de políticas é suficiente, digo que não. Sou um profundo defensor da regionalização e acredito que já devíamos ter apostado mais em força na regionalização, assim como já podíamos ter sido mais audazes na defesa da regionalização. Depois há questões políticas que, provavelmente, no Parlamento, não há ainda condições para se avançar.

“Sou um profundo defensor da regionalização e acho que já devíamos ter apostado mais em força na regionalização”.

Diz que já não interessa aos jovens estar a encontrar um culpado para a crise…

Eu não era tão novo quanto isso na altura da crise. Aliás, quando fui presidente da Associação Académica de Coimbra, estávamos no seu auge, em 2014 e 2015, no auge ou pelo menos no período da troika. Sei bem o número de pessoas afetadas, as dificuldades que passei, inclusive enquanto estudante. Não estou a dizer que nós devemos esquecer a crise. Julgo é que devemos aprender com aquilo que foi esse período. Primeiro, o porquê de termos chegado a uma crise. Segundo, que tipo de soluções é que se encontraram. O tipo de discussão em que nós nos centramos várias vezes, sobre se foi o CDS-PP, o PSD, o PS ou o José Sócrates, para parte da nossa geração que não é politizada não releva. Releva sim que o país esteve mal, que não lhe deu as oportunidades, que continua a ter um desemprego jovem altíssimo. As pessoas querem soluções e nós temos é que pensar nas soluções. Aprender com o passado, sabendo aquilo que não devemos fazer.

bruno matias
Fotos: Pedro Mensurado

E a revolução de 25 de abril ainda interessa aos jovens, apesar de não a terem vivido? 

É claro que nós devemos não só lembrar o 25 de abril, mas também celebrá-lo. Tenho a sorte de ter nascido numa família que me deu condições para estudar, mas a primeira pessoa que obteve um diploma do Ensino Superior foi o meu irmão, dois anos mais velho do que eu. Portanto, “Abril” cumpriu-se para a minha família. Os meus pais tiveram melhores condições de vida do que os pais deles. Eu tive oportunidades que os meus pais não tiveram, nomeadamente para estudar. Eu e a grande maioria das pessoas. Há muita coisa que se cumpriu, do ponto de vista da saúde. Eu converso com pessoas que não são saudosistas dos tempos “da velha senhora” e é ao nível dos transportes, da saúde, da educação, da habitação. Agora, se me pergunta se se cumpriu na sua totalidade, digo-lhe que todos os ideais românticos e por vezes até utópicos nunca são cumpridos na totalidade. É sempre um trabalho inacabado…

O que faz um jovem de 24 anos filiar-se num partido marcadamente conservador? Justamente duas das bandeiras mais emblemáticas do partido: aborto e eutanásia, já que a vida "é um valor inegociável". Carlos Mariano Carvalho veio de Cascais e é o quarto desta série de entrevistas feitas pelo Polígrafo a jovens políticos. Católico praticante, considera que as mulheres são complementares aos homens na política por estes alegadamente serem mais propensos ao "risco". Confesso defensor da verdade na política, admite que já experimentou canábis, porque "não há que ter vergonha de o dizer".

Quais são esses ideais utópicos?

Os sonhos são sempre coisas inacabadas e que nós vamos construindo com o tempo. O 25 de Abril tinha sonhos e tinha ideais da igualdade a 100% para todos, de eliminarmos a corrupção, de eliminarmos as “escadas” e o servilismo perante aqueles que têm maior poder económico. Ainda hoje nós estamos a combater isso. E estamos a combatê-lo porque não nos podemos esquecer que ainda há gerações que nasceram e foram ensinadas sob a influência de algum servilismo que existia no Estado Novo.

“Não nos podemos esquecer que ainda há gerações que nasceram e foram ensinadas sob a influência de algum servilismo que existia no Estado Novo”.

Em que sentido?

Ainda há muitas vezes e em muitos lados algum receio quando se quer dar uma opinião. Nos meios pequenos, por exemplo. Há dificuldades no elevador social. Nós ainda conhecemos e continuamos a ver pessoas que não chegam ao Ensino Superior por falta de condições financeiras ou de condições sócio-económicas. Porque às vezes não é uma questão de condições financeiras, hoje o Estado até oferece bolsas interessantes. Mas estou a falar do contexto, da família. Portanto, “Abril” cumpriu-se na sua generalidade, no sentido da democracia, de melhorar as condições de vida das pessoas. No sentido de criar um Estado Social, de criar um Serviço Nacional de Saúde e, acima de tudo, de criar um país muito diferente daquilo que era há 45 anos. Retrógrado, fechado.

“‘Abril’ cumpriu-se na sua generalidade, no sentido da democracia, de melhorar as condições de vida das pessoas. No sentido de criar um Estado Social, de criar um Serviço Nacional de Saúde e, acima de tudo, de criar um país muito diferente daquilo que era há 45 anos. Retrógrado, fechado”.

Falou nas bolsas de estudo. Pergunto-lhe se são suficientes e se os critérios de aplicação e atribuição estão a ser bem estudados…

Eu fui bolseiro de uma universidade num período em que o número de bolsas caiu. Ali por volta de 2011, 2012, no pico da crise quando as regras eram muito mais apertadas e havia um problema muito mais grave. Recordo-me que desde o processo de candidatura à bolsa até ao momento em que elas eram entregues demorava cerca de seis meses. As pessoas candidatavam-se em setembro e recebiam a bolsa em janeiro, fevereiro e março.

Isso continua a acontecer, em muitos casos…

Continua a acontecer, infelizmente. Felizmente, por aquilo que hoje sei e que vou acompanhando, foi melhorando ao longo do tempo. O tempo médio de resposta e de pagamento das bolsas baixou consideravelmente. Não tenho agora os dados concretos nem sei os números ao certo. Sei é que isso reduziu consideravelmente. E, portanto, essa tem sido uma das grandes vitórias do próprio movimento associativo estudantil. A de garantir e de continuar a pressionar o Estado para que isso corra de uma forma rápida e exequível.

Até pelo processo de contratualização…

Exatamente. Automaticamente, a pessoa continua a receber a bolsa até ao momento em que é analisado o processo. E as bolsas, mais do que as propinas, são o garante da igualdade de oportunidades no acesso ao Ensino Superior. Se me questiona se esse valor é suficiente, eu não reúno hoje os dados para saber isso. Sei é que, felizmente, a dotação para bolsas tem aumentado nos últimos anos. Isso é um ponto positivo e o Governo tem estado muito bem nessa área. É muito importante para o Estado garantir que o valor que investiu nos jovens, nas universidades, possa ser revertido a favor dele quando as pessoas terminam o seu curso. Para que não tenham que emigrar e para que devolvam ao Estado aquilo que o Estado investiu neles.

“As bolsas, mais do que as propinas, são o garante da igualdade de oportunidades no acesso ao Ensino Superior”.

Os jovens deparam-se hoje com grandes dificuldades no acesso ao primeiro emprego, estágios, primeira habitação. Que políticas estão a ser desenvolvidas para dar resposta a estes problemas?

Há processos na mudança de vida que são muito difíceis. Um deles é precisamente a saída da universidade para o mercado de trabalho, dependendo sempre obviamente da zona onde nós estamos e das oportunidades que existem. Um dos problemas que temos hoje é conseguir estabelecer os jovens que terminam as suas licenciaturas. Pelo menos nos locais onde estudam. E por isso é que a regionalização teria um papel muito relevante nesta matéria. Hoje, à exceção de Lisboa e do Porto, grande parte dos estabelecimentos de Ensino Superior têm dificuldade em estabelecer os seus anteriores estudantes.

Nascidos entre a década de 1980 e o início do novo milénio, seis jovens políticos entrevistados pelo Polígrafo estão a viver a terceira crise de que têm memória. Se já na crise financeira de 2008-09 e no período de resgate da "troika" começavam a surgir as dúvidas, durante a pandemia de Covid-19 a geração a que pertencem confirmou que irá viver pior do que a dos seus pais. Em vésperas de eleições autárquicas, António Azevedo, 25 anos, membro da Comissão Política da Juventude Comunista Portuguesa, é o primeiro desta série. Com um discurso que em pouco ou nada diverge daquele que é utilizado pelos seus camaradas mais velhos, o jovem explica o que o motivou a aderir a um partido centenário - e, na boa tradição comunista, diz estar "disponível" para as tarefas que o "coletivo" decidir atribuir-lhe.

Segundo, foi feito algum trabalho para tentar acabar com a precariedade dos jovens. Nomeadamente com a limitação das renovações dos contratos a termo, com o objetivo de aumentar o número de estágios profissionais. Ainda assim estou convencido de que há dois problemas graves para o início de uma vida adulta: os salários que são praticados em Portugal, que continuam a ser consideravelmente baixos, e a habitação. Esta é outra das áreas em que ainda há muito por fazer. Mas, mais uma vez, tem sido este o Governo que mais tem falado de habitação desde há décadas. Há um vasto leque de investimentos agora com o Plano de Recuperação e Resiliência e, portanto, estou convencido de que num período de dois, três, quatro, cinco anos vai ser mais fácil ter acesso à habitação nas grandes cidades.

Agora, considero que o Estado deve, e essa é uma das ideias que a JS tem defendido, isentar os jovens que adquirem a primeira habitação de valores como o IMT, que é muitas vezes altíssimo.

“Há dois problemas graves para o início de uma vida adulta: os salários que são praticados em Portugal, que continuam a ser consideravelmente baixos, e a habitação”.

Isso para quem compra casa. Mas falando de arrendamentos, são claras as falhas com a construção de habitações para arrendamento acessível, por exemplo…

No caso do arrendamento falamos de um trabalho que está agora a ser feito e que há muitos anos que já devia ter começado a ser trabalhado. Começou na anterior legislatura, num Governo do PS, mas agora está a ter um impacto maior porque muitas vezes as políticas públicas demoram o seu tempo. Entre a ideia, a concepção e a execução…

bruno matias

Como é que se explicam todos os avanços e recuos do Governo relativamente à construção desse tipo de habitações?

Porque não se trata só disso. Todas as políticas públicas têm muitas dificuldades de execução. Porque estão envolvidas num conjunto de burocracias e de matérias que emperram muitas vezes. Na questão da habitação, por exemplo, tem sido feito um esforço enorme por parte de Câmaras Municipais e do Governo para se começar a construir habitação acessível para famílias de classe média e para jovens. Mas entre a concepção da ideia, a identificação do espaço, a compra do espaço, que muitas vezes tem que ser feita… É que depois há alguns destes espaços que são públicos, mas grande parte deles teve que ser o Estado a ver o espaço e a adquirir o imóvel. Além de todas as obras que isso implica.

Catarina Ferraz é a mais nova desta série de entrevistas. Tem 22 anos, os mesmos que o Bloco de Esquerda leva de existência. Candidata à Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão nestas autárquicas, considera que enquanto mulher pode fazer a diferença na política, dando voz "a quem a não tem". Diz que o que menos gostaria na vida era de ser odiada, um sentimento extremo que no seu caso pessoal é direccionado para duas figuras históricas: Mussolini e Salazar.

E, naturalmente, isto implica outra coisa que é a contratação pública. Temos sempre que ter esta balança entre a transparência, que nós exigimos e bem aos atores públicos, e a rapidez do processo. Muitas vezes é difícil isto ser equilibrado. De qualquer forma, basta ver hoje em Lisboa, no Porto e em muitas zonas do país, que há muito trabalho a ser desenvolvido na área da habitação. O direito à habitação é hoje um tema premente…

“Todas as políticas públicas em si têm muitas dificuldades de execução. Porque estão envolvidas num conjunto de burocracias e de matérias que emperram muitas vezes”.

Em Lisboa, por exemplo, com muitas promessas por cumprir. Recorde-se que Fernando Medina prometeu 6.000 arrendamentos acessíveis mas completou apenas 300 até ao final do mandato…

Temos que ser mais rápidos, mais ágeis. Eu já trabalhei quatro anos na área de Economia do Governo e sei de todos os processos burocráticos que estão associados e que temos que criar formas mais rápidas de execução das políticas públicas. Depois também temos uma crítica à forma como nós olhamos para o serviço público. Nós queremos que as políticas públicas sejam muito rápidas, mas depois também queremos que exista muita fiscalização. Mas a fiscalização cria burocracia. Temos que encontrar aqui um meio termo.

“Nós queremos que as políticas públicas sejam muito rápidas, mas depois também queremos que exista muita fiscalização. Mas a fiscalização cria burocracia”.

O primeiro-ministro afirmou numa entrevista que o próximo Orçamento do Estado vai focar-se nos problemas e interesses dos mais jovens. Que críticas faz à gestão do Governo no âmbito de políticas direcionadas aos jovens?

Nós vivemos num período de pandemia durante um ano e meio. Há muita política que foi idealizada e que não foi executada pelo facto de o país ter virado completamente. Temos um problema grave que é o dos salários para os jovens e é o Estado que deve começar por dar o exemplo. Assim, estou convencido de que só há duas maneiras de termos um Estado e uns serviços públicos eficientes: ter recursos humanos suficientes e qualificados.

Segundo ponto, acho que tem de existir um reforço de apoio à habitação jovem. Isso está a ser feito neste momento, mas de qualquer das maneiras tem que existir um esforço conjunto entre o Estado central e o Estado local, digamos assim. Terceiro, posso falar numa aposta mais determinada no processo de regionalização. Bem sei que por vezes as condições políticas não o permitem, mas também acho que isso devia estar em cima da mesa atempadamente.

Mudando de tema, considera que a política é e deve ser uma profissão? 

A política é um serviço para o país. Eu gosto muito de dizer que um dos maiores orgulhos da minha vida foi servir o meu país. Nos EUA, por exemplo, fala-se muitas vezes nisto: no serviço ao país, seja do ponto de vista militar, seja do ponto de vista do serviço público ao nível político. Nós às vezes somos um pouco envergonhados a falar sobre isso, mas as pessoas que fazem política prestam um serviço ao país. Não acho que seja uma profissão. Se eu optar por dedicar a minha vida inteira a servir o meu país, porque é que não o devo fazer? Porque é que não o posso fazer? Não vejo problema nenhum quanto a essa matéria.

Frederico Santana, 27 anos, coordenador da Comissão Instaladora da Juventude Chega e o segundo da série de entrevistas que o Polígrafo fez a seis jovens políticos nascidos entre a década de 1980 e o início do novo milénio, compara a "falta de interesse" das mulheres pela política com a falta de apetência que também demonstram em trabalhar na construção civil. Para a jovem esperança do Chega, que reconhece não ter escritores ou pintores de eleição, a questão da igualdade feminina é um tema "apaziguado". A sua prioridade é outra: "Lutar pelos meus compatriotas."

Concorda com a limitação de mandatos autárquicos?

Sou favorável ao limite de mandatos autárquicos. Agora, acho que a política, mais uma vez, é um serviço ao país e nós devemos servi-lo se quisermos e se as pessoas nos quiserem a nós, durante o tempo que nos for permitido.

Existe uma cultura de criação de cargos no PS? E no panorama político nacional?

Essa é uma das coisas que mais me cria confusão, porque é muito injusto aquilo que se diz… São os conceitos e os preconceitos criados à volta da vida política. Eu estive quatro anos no Governo e mais de 80% das pessoas com quem eu trabalhei – estamos a falar de pessoas que são nomeadas – não tinham qualquer filiação partidária. São técnicos, muitos deles da Função Pública, que são chamados para os gabinetes. Pessoas da confiança pessoal e política dos membros do Governo.

Assim sendo, primeiro ponto: não há uma política de boys, pelo menos daquilo que eu vi, da minha experiência. Se me dizem que há muita gente que é da JS e que agora está no Governo, assim como da JSD quando o PSD estava no Governo, eu respondo: “Pois claro que há”. E isso também é natural. Porquê? Porque muita gente que está no Governo, com funções de cargo público – falo de secretários de Estado, ministros, presidentes de Câmara Municipal -, são pessoas que têm atividade política. Assim, as pessoas com quem muitas vezes têm confiança são aquelas que vêm da atividade política. É perfeitamente normal que exista essa ligação para convidar pessoas.

Na sua perspetiva não existe essa cultura, transversal aos partidos com poder…

Não nos podemos esquecer que a contratação para funções de gabinete pressupõe confiança política e competência técnica. Pese embora a larga maioria das pessoas que estão nos gabinetes sejam pessoas sem filiação partidária – e aqueles que a têm também não são, na sua larga maioria, jovens, são pessoas mais velhas -, aqueles membros da Juventude Socialista que estão no Governo, que eu conheço todos, não tenho dúvida nenhuma de que lá estão porque são competentes para a sua função e porque têm pensamento político. Esta ideia de que os Governos agora têm que ser liderados por tecnocratas é um erro, porque eu não preciso de ser altamente especializado. Aquilo é uma função política e isso pressupõe pensamento de políticas públicas.

“Não há uma política de ‘boys’ (…) Se me dizem que há muita gente que é da JS e que agora está no Governo, assim como Ada JSD quando o PSD estava no Governo, eu respondo: “Pois claro que há”. E isso também é natural”.

Se há casos pontuais que não correm bem e que mancham a imagem das juventudes partidárias, disso não tenho dúvida nenhuma. Mas onde quer que haja um grande número de pessoas, o risco de elas não serem tão fiáveis aumenta.

bruno matias

“António Costa como governante é, de longe, o melhor primeiro-ministro que o país já teve”

Recomende-me um livro e explique porquê.

Recomendo um que já li há alguns anos, mas que para mim teve um significado importante, que é a biografia do Nelson Mandela. Ele escreveu-a durante o período em que estava preso e depois terminou quando saiu. Eu nasci na África do Sul, vim para cá muito novo, mas fui profundamente influenciado por aquilo que os meus pais me contavam. O Nelson Mandela é talvez o meu maior ídolo. A nível político e a nível de ativismo.

Há mais alguma figura política com quem se identifique?

Tenho um fascínio enorme pelo Robert Kennedy, que foi procurador-geral dos EUA e que era uma figura excepcional na luta contra a corrupção, na defesa dos desfavorecidos. Mais recentemente, o Barack Obama. Posso também recomendar o livro que ele assina. Isto ao nível internacional.

A nível nacional, as maiores referências que eu tenho são Mário Soares, pelo seu ideal de liberdade e de democracia. Jorge Sampaio, pelo seu nível de intelectualidade e por ter representado muito daquilo que era o segundo passo do cumprir “Abril”. E, mais recentemente, António Costa. E não é por ser primeiro-ministro, é sim porque eu considero que ser político ou ser governante são coisas muito diferentes. António Costa como governante é, de longe, o melhor primeiro-ministro que o país já teve.

Vou apresentar um conjunto de palavras ou conceitos e peço que comente de acordo com as primeiras ideias que lhe ocorram. Propinas zero?

Aquilo por que que me bato há muitos anos.

Aquecimento global?

É uma ameaça. A maior da nossa geração.

Prostituição?

Requer um debate sobre a sua legalização.

Canábis?

Legalização.

Feminismo?

Sou um feminista e feminismo está relacionado com progressismo, está relacionado com futuro, com igualdade. Portanto, tudo isso é bom. Se há excessos? Há sempre excessos em tudo o que envolva muita gente.

Eutanásia?

Sou a favor.

Chega?

Chega é extrema-direita, é populismo… É perigoso, muito perigoso.

Europa?

Posso falar de um ideal de federalismo que gostava que nós conseguíssemos caminhar para. Sou um profundo europeísta.

Fake News?

Representam todo o “lado negro” da tecnologia… Podemos dizer que é tudo aquilo que é mau na Internet, da tecnologia, dos dados. Exige regulação.

Verificação de factos?

Tenho que dizer que gosto, não é? Mal seria. Verificação de factos é uma das grandes ferramentas, corresponde à modernização do jornalismo. É uma adaptação do jornalismo àquilo que antes parecia mentira e o jornalismo de verificação de factos é muito importante. Quanto aos políticos, tanto melhor. É uma forma de fiscalização e nós não podemos acreditar em tudo o que nos dizem, temos que fiscalizar. O facto de os jornalistas fazerem isso por nós é mais um serviço público, um dos tantos que prestam à sociedade.

Carta dos Direitos Digitais?

Sou um defensor profundo. Mas mais do que isso, deveria ser feita uma análise, uma regulamentação, pelo menos ao nível europeu que é onde nós conseguimos fazer essa análise, sobre de que forma é que nós podemos fiscalizar, regular as redes sociais, o “lado negro” da Internet, para acabar com bolsas de conspiração, com fake news… Repare, nós vivemos num país, felizmente, que ainda acredita profundamente nas suas instituições. E disso é um exemplo claro o sucesso da vacinação. Isto não acontece, por exemplo, nos EUA, onde há bolsas enormes de conspiração. Basta ir a França, basta ir à Alemanha, ao Reino Unido. Nós não temos que ter medo de que o Estado tenha capacidade para fiscalizar, eliminar e combater diretamente estes agentes e estes fenómenos que são dramáticos.… Se estamos numa democracia liberal, se acreditamos na nossa democracia e, acima de tudo, se nós formos capazes de a fiscalizar, nós não devemos ter medo.

Democracia?

É a base de qualquer sociedade que se quer desenvolvida. É aquilo que temos que defender diariamente na nossa vida. E nós esquecemo-nos disto muitas vezes.

Bruno Matias

Questionário de Proust

“A minha maior extravagância é comprar todos os anos lugar no estádio de Alvalade. Um bom lugar”

Bruno Matias sabe o que gostaria de ser e o que gostaria de não ser: um bom pai e uma pessoa infeliz. Considera que “mais vale feito que perfeito”, mas o que vale mesmo para o jovem socialista é ir à bola com os amigos, não fosse seu um dos lugares reservados do estádio de Alvalade. Se pudesse, plantava um cravo vermelho… quem sabe nos Estados Unidos. Leia as respostas de Bruno Matias a perguntas selecionadas do conhecido questionário de Proust.

Qual é o seu principal defeito?

A teimosia.

E a sua principal virtude?

Compreensão e determinação.

O que é que mais aprecia num amigo?

Honestidade e lealdade.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Os meus pais.

E a que mais despreza?

Que mais desprezo? Não tenho particular pessoa… um alvo na minha vida que mais desprezo.

O que é que mais gosta de fazer?

Gosto imenso de praticar exercício físico, gosto imenso de ir à bola com amigos, gosto de ler…

Um escritor de prosa…

Vou dizer o Dostoievsky.

E um poeta?

Fernando Pessoa

Diga uma palavra – ou frase – que usa com muita frequência.

Talvez uma frase que sei de um amigo meu… “Mais vale feito que perfeito”

Lema de vida

Fazer acontecer e ser feliz junto daqueles que eu mais gosto.

Um país para viver…

Nos Estados Unidos.

E uma flor para plantar…

Talvez um cravo. Um cravo vermelho.

Que talento não tem e gostaria de ter?

Às vezes falta-me um pouco de frieza… entrego muito de mim às coisas que faço e isso por vezes causa alguns dissabores.

E extravagâncias? Tem?

A minha maior extravagância é comprar todos os anos lugar no estádio de Alvalade. Um bom lugar.

O que é que gostaria de ser?

O que eu mais gosto de ser é um bom filho e o que eu mais gostava de ser era um bom pai.

E o que é que não gostaria de ser?

Infeliz.

Algum pintor de eleição?

Não.

Uma personagem histórica que odeie.

Adolf Hitler.

Como gostava de morrer?

Eu tenho 30 anos, espero estar longe disso. Mas confortável, no conforto do meu lar, junto da minha família.

E o seu estado de espírito atual?

Positivo e muito otimista para o futuro.

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