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“Não creio que eu esteja viva para ver o dia em que o meu PSD se coligue com este Chega”

Este artigo tem mais de um ano
A quinta dos seis jovens políticos que o Polígrafo entrevistou, Sofia Matos, 30 anos, é talvez a mais experiente deste rol. Deputada à Assembleia pelo círculo eleitoral do Porto, fez pelo PSD um percurso que não se via a fazer noutro partido, mas nem assim se mantém fiel a todas as bandeiras dos sociais-democratas. Considera ser preciso combater as desigualdades no tratamento de homens e mulheres, mas não é feminista, até porque "não é através da promoção de um sexo, de uma entidade de género, que a valorizamos". Num cenário tal qual o de hoje, não crê que o PSD se coligue com o Chega para formar Governo, mas não desconsidera a hipótese se o partido de extrema-direita "se moderar".

A Sofia é licenciada em direito, deputada à Assembleia da República e fez parte da Comissão de Inquérito do Novo Banco. Tudo isto com 30 anos. Poderia tê-lo feito num outro partido que não o PSD? 

Isso remete-me para há dez anos atrás e para uma coisa completamente inusitada que me aconteceu. Eu não posso falar do PSD e do meu percurso na política sem falar na minha terra. E porquê? Porque a Trofa tem uma particularidade: foi dos últimos concelhos a beneficiar da sua autonomia administrativa face a um outro concelho, neste caso o concelho de Santo Tirso. E a Trofa era extremamente bairrista. Muito ligada à terra, acreditava muito nos seus recursos, nas suas gentes, nos seus recursos endógenos… E depois tínhamos um concelho que nos liderava e que de alguma forma espezinhava a Trofa. Não apostava, não investia, mas vinha cá buscar os nossos impostos. E o PSD, na altura, teve um papel muito importante para que a criação do concelho fosse uma realidade. Esta é uma marca que o PS nos deixou a todos na Trofa, e que é inolvidável, que é o facto de ter votado contra a criação do município. Por esse motivo nós temos uma ligação ao partido social-democrata porque foi um dos partidos que mais lutou por essa autonomia. E depois temos um território marcadamente empresarial, de pessoas que subiram na vida a pulso. Essa é no fundo a ideologia do PSD, um partido interclassista, humanista, personalista… em que eu me revejo. Eu e os meus pais. A questão familiar também é muito importante.

Portanto integrou o partido por influência dos seus pais?

Eu desde pequenina que, apesar de o meu pai e de a minha mãe nunca terem exercido nenhum cargo na política, fui sempre ouvindo falar muito de política em casa. E, portanto, esta foi uma realidade que eu acompanhei desde muito jovem. Aliás, eu ainda nem fazia parte da JSD e já na minha escola secundária fiz um abaixo-assinado para podermos todos ter uma disciplina de ciência-política. Na altura consegui agregar a esse meu intento alguns dos meus colegas. Eu tinha 16 ou 17 anos na altura, mas como passei muitos anos da minha vida a ouvir o meu pai falar sobre política, percebi que esta era um instrumento e um meio para mudar a vida da nossa sociedade, percebi que o caminho podia ser por ali.

O que faz um jovem de 24 anos filiar-se num partido marcadamente conservador? Justamente duas das bandeiras mais emblemáticas do partido: aborto e eutanásia, já que a vida "é um valor inegociável". Carlos Mariano Carvalho veio de Cascais e é o quarto desta série de entrevistas feitas pelo Polígrafo a jovens políticos. Católico praticante, considera que as mulheres são complementares aos homens na política por estes alegadamente serem mais propensos ao "risco". Confesso defensor da verdade na política, admite que já experimentou canábis, porque "não há que ter vergonha de o dizer".

É mais nova do que a maior parte das pessoas que intervém no parlamento aquando da discussão de assuntos que, por vezes, são até mais relevantes para os jovens. Estes dias vimos juventudes partidárias apresentarem medidas específicas para a legalização da canábis e para a regulamentação da prostituição, mas no PSD parece haver sempre uma divergência intrapartidária…

Eu acho que uma e outra questão, apesar de, objetiva e materialmente, nada terem que ver, partem de um princípio importante: que é a ideia de proibir algo que já existe, que toda a gente conhece, que muita gente consome com naturalidade… Não me parece que negar aquilo que existe, aquilo que é uma realidade, seja o princípio para melhorar alguma coisa. Quer num caso quer no outro, há algumas preocupações comuns e que são inseparáveis do problema: desde logo a saúde pública e o tráfico.

Este é um tema para o qual a minha geração já está sensibilizada há algum tempo, portanto se, para os nossos pais, ouvir hoje dizer que será uma profissão como outra qualquer, em que aquilo que o profissional do sexo oferece é um serviço e que quem usufrui é um consumidor e, como tal, ambos têm direitos e deveres que devem ser cumpridos, pode ser chocante… a mim não me choca.

É portanto favorável?

A mim não só não me choca como sou tendencialmente favorável.

E quanto à legalização da canábis?

Acontece o mesmo. Repare, apesar da experiência nos outros países – infelizmente não são muitos e, portanto, nós não conseguimos fazer aqui uma análise cabal de como é que tem sido o consumo efetivo – nós também estamos a caminhar nesse sentido. Não é novo Portugal ser sempre um pioneiro nestas questões. E isto não é necessariamente mau, acho até que é bom. No caso da Holanda, por exemplo, nós não temos tempo suficiente para fazer uma análise concreta àquilo que têm sido os benefícios de legalizar. Assim, – isto parece um clichê o que lhe vou dizer, é tipicamente de um político para que não se comprometa – eu não consigo com os dados que hoje temos percecionar qual é o verdadeiro crescimento do consumo. Se é uma prática ilegal, se é uma prática proibida…

Não há dados?

Ninguém me convence de que temos dados sobre este assunto. Se a mim me disserem que o consumo vai aumentar em metade, ou mesmo que seja em 30%, eu acho preocupante e talvez mudasse a minha opinião sobre o tema. Mas nós não conseguimos percecionar hoje quais é que são os números dos jovens adolescentes e dos adultos que consomem esta droga leve.

“Há pessoas que fazem da prática do sexo uma profissão durante toda a sua vida: não descontam, não pagam impostos, chegam ao final da vida e não têm rendimentos. E, portanto, nós estamos a criar um contexto, um cenário de pobreza onde também não queremos inserir estas pessoas”.

Portanto, sim ou não? Resposta rápida aos dois temas.

Eu acho que estar a ignorar estes caminhos é ignorar também os benefícios que eles podem trazer. Falo da saúde pública, no caso da prostituição idem-aspas, falo de um combate brutal ao narcotráfico, de um problema ainda mais grave, na minha perspetiva, no caso da prostituição, que é o tráfico de seres humanos. E depois este argumento, que para mim é o menos importante porque é um argumento meramente economicista, mas que também é importante, que é estarmos a salvaguardar a questão económica. Há pessoas que fazem da prática do sexo uma profissão durante toda a sua vida: não descontam, não pagam impostos, chegam ao final da vida e não têm rendimentos. E, portanto, nós estamos a criar um contexto, um cenário de pobreza onde também não queremos inserir estas pessoas.

Nascidos entre a década de 1980 e o início do novo milénio, seis jovens políticos entrevistados pelo Polígrafo estão a viver a terceira crise de que têm memória. Se já na crise financeira de 2008-09 e no período de resgate da "troika" começavam a surgir as dúvidas, durante a pandemia de Covid-19 a geração a que pertencem confirmou que irá viver pior do que a dos seus pais. Em vésperas de eleições autárquicas, António Azevedo, 25 anos, membro da Comissão Política da Juventude Comunista Portuguesa, é o primeiro desta série. Com um discurso que em pouco ou nada diverge daquele que é utilizado pelos seus camaradas mais velhos, o jovem explica o que o motivou a aderir a um partido centenário - e, na boa tradição comunista, diz estar "disponível" para as tarefas que o "coletivo" decidir atribuir-lhe.

No caso das drogas leves é exatamente a mesma coisa. Há toda uma economia paralela que passa além do Estado, que passa além da nossa civilização, que nós não conhecemos e que se fosse regulada o Estado teria também a ganhar com isso. Agora, esta questão da canábis não é nova para o PSD. O Ricardo Batista Leite, que é o nosso vice-presidente do grupo parlamentar responsável pela área da saúde, apresentou há uns anos uma moção para que o PSD avançasse com uma iniciativa para a legalização das drogas leves. Mas este assunto é importante para que a seguir, em comissão, se faça um debate sério e especializado sobre esta matéria. Estamos inevitavelmente a caminhar para isso, já não há volta a dar. E eu creio que o PSD vai dar um contributo importante de construção e não de destruição daquilo que já está em análise e que não se vai furtar a esta discussão porque alegadamente é um partido mais conservador ou de direita.

Mas o PSD quis inclusive fazer baixar sem votação um projeto do Bloco nessa matéria, em 2019. O que mudou?

Aquilo que o PSD pretende é ouvir a comunidade científica sobre este assunto. Uma vez mais, há algumas reservas do PSD relativamente ao autocultivo que é, de facto, um dos motivos que fez baixar duas das iniciativas à comissão sem votação, porque caso contrário não seria aprovado. Ou pelo menos não pela nossa bancada. Esta é uma variável que nós não conseguimos controlar, o autocultivo. E não pense que digo isto só de um ponto de vista eleitoralista. O caminho é de mudança e é de encarar o problema, discutindo-o, debatendo-o e apresentando propostas construtivas nesse sentido.

“O nosso presidente é uma pessoa que eu considero muito progressista. Nós vimos isso na eutanásia e noutras várias questões…”

Podemos esperá-las do PSD?

Não creio que possa ser o PSD a apresentar propostas nesse sentido. Até porque isso não está inscrito no nosso manifesto eleitoral, embora o nosso presidente seja uma pessoa que eu considero muito progressista. Nós vimos isso na eutanásia e noutras várias questões…

sofia matos
Fotos: Simão Costa

O PSD bate-se bastante por questões relacionadas com a justiça, nomeadamente a corrupção. Vimos o seu partido apresentar, no final do mês de junho, diplomas que preveem o aumento de penas de corrupção por políticos em funções, mas não há estudos que comprovem que o aumento de penas esteja diretamente relacionado com a diminuição da criminalidade associada. Porquê a insistência e porquê este cavalgar na corrupção?

Bem, antes de mais, sobre esta matéria, dizer que é um assunto complexo. E é um assunto complexo porque a justiça em si, a forma como nós contextualizamos as leis, já é por si só complexa. Aumentar as penas não é necessariamente um factor que diminuirá a prática do crime, mas apresentar um pacote de medidas que combate a corrupção e não o fazer também não me parece justo. Mas, e bem, temos que começar a jusante. Qual é que foi o grande problema da operação Marquês, por exemplo? Porque é que José Sócrates não foi julgado? Por causa do procedimento prescricional. E o PSD também tem uma proposta no sentido de aumentar os prazos prescricionais. Mas mais importante que tudo isso: Há uma proposta de que ninguém fala e que o PSD tem, que se prende com o facto de, em vez de estarmos a subverter o sistema de justiça, o processo, que deve demorar o tempo que tiver que demorar, que não pode ser permeável à opinião pública, devemos preocuparmo-nos com a falta de meios e a falta de recursos. Neste caso em particular, a falta de recursos humanos e técnicos, na fase de investigação.

Frederico Santana, 27 anos, coordenador da Comissão Instaladora da Juventude Chega e o segundo da série de entrevistas que o Polígrafo fez a seis jovens políticos nascidos entre a década de 1980 e o início do novo milénio, compara a "falta de interesse" das mulheres pela política com a falta de apetência que também demonstram em trabalhar na construção civil. Para a jovem esperança do Chega, que reconhece não ter escritores ou pintores de eleição, a questão da igualdade feminina é um tema "apaziguado". A sua prioridade é outra: "Lutar pelos meus compatriotas."

Portanto, estar só a aumentar penas, estar só a aumentar os prazos prescricionais, é atirar areira para os olhos das pessoas. Porque o problema está naquela pequena corrupção, naquele pequeno favor, naquele pequeno apadrinhamento. Está na falta de meios para que a Justiça seja célere… Na minha opinião, a bola não está do lado do agravamento das penas. Mas eu tenho noção que num país onde pouco se investe na Justiça, este é um caminho inevitável.

“Aumentar as penas não é necessariamente um factor que diminuirá a prática do crime, mas não o fazer e apresentar um pacote de medidas que combate a corrupção também não me parece justo”.

Mas então o PSD acaba ou não por cavalgar nestas medidas, como por exemplo o agravamento de penas por corrupção? É algo que vemos o Chega fazer, por exemplo, quando avança com uma proposta, entretanto chumbada, sobre enriquecimento ilícito, que já tinha sido apresentada em Assembleia até pelo PSD…

O PSD já veio a jogo com uma proposta de criminalização do enriquecimento ilítito várias vezes. A primeira delas foi em 2007, depois 2009, 2012, 2015… E de todas as vezes em que se apresentaram propostas, as tais propostas que higienizam um pouco a classe política e a democracia em Portugal, o PS votou sempre contra e a “geringonça” foi atrás assim que se constituiu. Esta matéria não é nova para nós. O presidente do partido, assim que tomou posse em 2018, preparou um grupo de trabalho onde se debateram estes temas e onde foi possível fazer brainstorming e perceber o que é que está mal na justiça e o que é que devemos alterar para podermos mitigar esses problemas.

Assim, vir a correr, com uma bandeira da justiça na mão, à última hora e só porque dentro do PS houve um problema gravíssimo de credibilidade dos políticos (processo Marquês)… Fazer disto uma bandeira agora, quando houve tempo para fazer estas alterações antes, quando já se tinha chamado à atenção para isso, é grave.

Bruno Matias, 30 anos, solta umas gargalhadas quando diz que ainda se considera um "jovem" político. Nascido na África do Sul, crescido em São Pedro do Sul e a viver oficialmente na zona sul do país, uma das suas principais bandeiras é a descentralização. Demora a apontar falhas ao Governo, mas admite que há um sério problema nos salários dos jovens. Quanto à política de "boys" no seu partido, da qual é recorrentemente acusado de fazer parte, nega que ela exista e considera que "é perfeitamente normal essa ligação para convidar pessoas".

O problema da justiça em Portugal não está só na corrupção, mas falando da corrupção em particular, há um questão dentro do combate à corrupção que é transversal a toda a justiça em Portugal. Falo dos pequenos favores, da corrupção pequenina que se pratica mais na Administração Local, junto de determinada pessoa mais conhecida ou mais influente. Isto é uma prática diária. E é algo que acontece porque a Administração Pública não tem forma de dar resposta de forma eficiente. Quando os cidadãos recorrem ao A e ao B para resolver os seus problemas, porque o A e o B são próximos da pessoa que tem algum poder de decisão, é demonstrativo da burocracia que temos de ultrapassar e dos problemas que temos que começar a resolver a jusante do combate à corrupção.

Em 2019 afirmou que na política estava e estaria sempre “com aqueles que não trocam as suas convicções pessoais pelos demais interesses”. Já abdicou deste princípio no parlamento?

As pessoas têm uma imagem dos parlamentares, dos deputados, como pessoas poderosas que efetivamente tomam muitas decisões. E isso não é verdade. Há aqui uma certa tentativa de várias pessoas exteriores ao parlamento no sentido de tentar condicionar a nossa opinião ou o nosso voto em determinado assunto… e só se deixa condicionar quem quer. E, portanto, há uma certa ideia errada de que nós é que somos os ladrões, os criminosos. Mas, e pode ser polémico o que vou dizer agora, não há grande oportunidade para isso. Nós não temos o poder cativo de decisão, não temos um poder executivo… E o sistema, tal qual como está, está bem feito. Portanto não, nunca me aconteceu e nunca cederia a algo que fosse da minha convicção em benefício de alguém ou do interesse de um terceiro.

“Não creio que eu esteja viva para ver o dia em que o PSD, o meu PSD, se coligue com este Chega. O Chega que hoje apresenta uma iniciativa legislativa em que quer inverter o ónus da prova, que viola a constituição, que viola o princípio da presunção de inocência, que tem propostas com as quais nós não nos compadecemos nem nesta vida nem noutra”.

Mas a Sofia faz parte de um partido que pode vir a estar ao lado do Chega numa coligação para formar Governo. Faz parte de um partido que fez, nos Açores, um acordo de incidência parlamentar com a extrema-direita. Onde é que se encaixam as convicções pessoais, os demais interesses e, sobretudo, o que é poderíamos esperar de si se isto viesse a acontecer no continente?

Eu acho que este PSD nunca fará uma coligação com o Chega. Creio que não serei viva, não estarei cá para ver, o dia em que o PSD se coligue, pré-eleitoralmente falando, com o Chega… não creio que esse dia chegue. Estou a falar deste Chega…

Deste Chega e deste PSD…

Não. Não estou a falar deste PSD. Estou a falar do PSD. Não creio que eu esteja viva para ver o dia em que o PSD, o meu PSD, se coligue com este Chega. O Chega que hoje apresenta uma iniciativa legislativa em que quer inverter o ónus da prova, que viola a Constituição, que viola o princípio da presunção de inocência, que tem propostas com as quais nós não nos compadecemos. Nem nesta vida nem noutra.

E que Chega é que poderia encaixar com o PSD?

Ter o apoio do Chega é diferente de ter o Chega como parceiro de Governo. Como também é diferente ter o apoio do Chega ou ter o Chega como parceiro de coligação. Hoje, este Chega que nós conhecemos não se compadece com aquilo que são os princípios em que o PSD acredita e em que o PSD fundou a sua matriz ideológica. Portanto, não creio que esse dia chegue. A menos que este Chega que nós hoje conhecemos se modere e comece a olhar para a democracia como um sistema que ele próprio deverá ajudar a aperfeiçoar, mas que não poderá ajudar a destruir.

Essa é a posição de um partido. Qual é a sua?

Eu não sou uma das pessoas que diaboliza o Chega e, por consequência, não sou daquelas pessoas que acredita que ilegalizar o partido é a resposta. Isso não faz o menor sentido, na minha opinião. Tenho o maior respeito pelo Chega. E porquê? Porque tenho muito respeito pelas pessoas que votaram no Chega, ou pelo menos pela maior parte delas. Acredito – não tenho estudos ou dados para me basear nisto, portanto é uma convicção minha – que a maior parte das pessoas que votaram no Chega nas últimas eleições legislativas o fizeram não por particular simpatia com as ideias do partido, ou pelo menos com as mais polémicas, mas sim por uma identificação com uma ideia de cansaço relativo ao sistema.

Catarina Ferraz é a mais nova desta série de entrevistas. Tem 22 anos, os mesmos que o Bloco de Esquerda leva de existência. Candidata à Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão nestas autárquicas, considera que enquanto mulher pode fazer a diferença na política, dando voz "a quem a não tem". Diz que o que menos gostaria na vida era de ser odiada, um sentimento extremo que no seu caso pessoal é direccionado para duas figuras históricas: Mussolini e Salazar.

Conheço alguns destes eleitores e tenho a certeza de que estas pessoas são pessoas de bem, que pagam os seus impostos, que são cumpridoras das leis que a nossa sociedade lhes impõe e que não veem o Estado a corresponder da mesma maneira. E são estas pessoas que estão cansadas e que não veem uma resposta nos outros partidos. Estão à espera de uma resposta e não compactuam com a ideia das penas perpétuas ou sequer da proposta da castração química. Estas pessoas acreditam nos princípios basilares de um estado de direito, não tenho nenhuma dúvida. Mas estão cansadas deste sistema que não se lhes corresponde na mesma medida.

Por culpa do PSD, também? Há eleitores a fugir do partido?

Acho que sim. Mas da mesma forma que o fizeram nas últimas presidenciais, acreditando sempre que este partido no qual estavam a votar (Chega) jamais chegaria ao poder. Mais uma vez, esta é a minha perceção. Eu não tenho nenhum dado que ateste aquilo que eu estou a dizer, mas não tenho muitas dúvidas sobre isto. É claro que há 5%, 10% no máximo, que são pessoas que conhecem o programa, que se coadunam com estas ideias, que gostam do estilo de André Ventura e que até gostam da possibilidade de ter um líder totalitário, ou menos democrático. Mas o voto em André Ventura é um voto de protesto em relação às coisas tal qual as conhecemos, contra o status quo e contra alguma inoperância da classe política para responder àqueles problemas de que nós estivemos a falar até agora.

“O voto em André Ventura é um voto de protesto em relação às coisas tal qual as conhecemos, contra o status quo e contra alguma inoperância da classe política para responder àqueles problemas de que nós estivemos a falar até agora”.

Há pouco classificava estas pessoas como “pessoas de bem”…

Quando eu digo “pessoas de bem” é mais uma expressão da terra do que outra coisa, nem foi sequer a pensar na expressão de André Ventura. Naturalmente isso não é verdade, nós todos somos portugueses, de bem ou de mal nós somos pessoas… Quando eu falo em “pessoas de bem” o que eu quero dizer é que eu não estou a diabolizar aqueles eleitores, não estou a dizer que eles são menos “pessoas de bem” do que eu, porque sou do PSD ou porque sou de um partido democrático. É isso que eu quero dizer.

“Nós todos somos portugueses, de bem ou de mal”.

sofia matos

Fugindo um bocadinho a este tema, concorda ou não com as críticas generalizadas de que a oposição do PSD ao Governo socialista tem sido fraca ou ineficaz?

Acima de tudo, concordo que tem sido ineficaz. Não concordo que tenha sido fraca. Ao longo destes dois anos, o PSD tem preparado e apresentado propostas e tem indicado qual o caminho alternativo, ao contrário do que se apregoa no comentário político. Contudo, não posso deixar de concordar que não temos sabido passar essa mensagem.

Nesse âmbito, avançar com uma proposta de revisão constitucional neste momento, implicando acordo com o PS, não é um erro estratégico?

O PSD é um partido reformista, está na nossa matriz identitária. Já o PS é um partido extremamente eleitoralista que, geralmente, navega à vista. Urge fazer uma revisão constitucional e sabemos ela jamais verá a luz do dia sem a anuência da bancada do PS. Portanto, Rui Rio fez o que tinha de fazer: propôs-se a debatê-la. Tendo sido ignorado, avançou, como não poderia deixar de ser. Quanto ao timing, estando o país a debater-se com uma crise sanitária desde março de 2020, evidentemente que a proposta de revisão constitucional não podia ter sido apresentada antes.

“O PSD é um partido reformista, está na nossa matriz identitária”.

As sondagens têm colocado sempre o PSD a grande distância do PS, mais de 10 pontos percentuais. Na sua perspetiva o que é que está a faltar ao PSD para conseguir recuperar eleitorado?

Acredito que enquanto não restabelecermos a implementação autárquica que outrora alcançámos, será muito difícil recuperar o eleitorado. A juntar a isto, a pandemia deixou os portugueses mais céticos a mudanças no governo, como aliás aconteceu noutros países. Também estou convencida que a emergência do CHEGA e o descrédito dos eleitores na política e nos políticos não ajudou nessa tarefa.

Rui Rio herdou um grupo parlamentar que não escolheu, em muitos momentos hostil. Se sair após as autárquicas, o novo líder vai herdar um grupo parlamentar que não escolheu, possivelmente também ele hostil. Como é que o PSD pode sair deste círculo vicioso e unir-se em torno de um líder?

Não voltando a cometer o mesmo erro. O PSD só volta a ganhar eleições quando se unir e mostrar ao país que está internamente organizado e apto a governar. Estou segura que é nisso que os meus colegas deputados estarão apostados.

Rui Rio tem insistido nas críticas às sondagens, dizendo que não confia na sua idoneidade e sugerindo até que beneficiam intencionalmente o PS. Perfilha essa ideia conspirativa em relação às sondagens?

Depende da sondagem e da sua origem.

“Eu não acho que é através da promoção de um sexo, de uma entidade de género, que a valorizamos”

Garante que nunca sofreu assédio nos seus anos de política, mas admite que tal possa ter acontecido por uma mudança não premeditada de alguns comportamentos. Deixou de utilizar vestidos ou saias porque “passava a vida com rapazes”, mas não é feminista: “O respeito cabe em todos os géneros, em todas as orientações sexuais, em todas as pessoas sejam elas como forem, de que partido forem, que profissão tiverem, que idade tiverem, é-me profundamente indiferente”.

Recomende-me um livro e explique porquê.

Estou a ler o “Rapariga, Mulher, Outra” de Bernardine Evaristo. Um livro obrigatório para homens e mulheres.

Num artigo de opinião seu, publicado no Diário de Notícias, diz que nunca sofreu assédio nos seus anos de política e de Parlamento e diz até que algumas alterações de comportamento podem ter sido o motivo para o afastamento dessa possibilidade. É ou não mais complicado ser mulher na política?

Aquilo que eu acho é que temos sempre que nos esforçar o dobro. Temos que provar o dobro. E é isso que nós devemos mesmo combater. Quando dizia que alterei, sem perceber, sem que isso fosse um processo cognitivo pré-concebido, alguns comportamentos, eu só percebi isso ao fim de alguns anos. Deixar de utilizar vestidos ou saias porque passava a minha vida com rapazes, com homens mais velhos, isto quer na política quer na minha profissão e nas sociedades em que trabalhei.

Mas, portanto, houve essa alteração de comportamento? Teve que haver?

Houve uma alteração, que não foi premeditada, de alguns comportamentos que, como eu disse, pode ter afastado ou pode ter sido dissuasora de um ou outro tipo de comportamentos que se podiam configurar como assédio sexual. E depois porque também tenho uma personalidade que não é fácil. As mulheres mais sensíveis, infelizmente, podem ser mais permeáveis a este tipo de acontecimentos.

sofia matos

É feminista?

Não.

Porquê?

Porque eu não acho que é através da promoção de um sexo, de uma identidade de género, que a valorizamos. O respeito cabe em todos os géneros, em todas as orientações sexuais, em todas as pessoas sejam elas como forem, de que partido forem, que profissão tiverem, que idade tiverem. É-me profundamente indiferente. O respeito por aquilo que o outro é, por aquilo que o outro pensa, mesmo que seja diferente daquilo que nós pensamos, é fundamental. Não me parece que seja promovendo um determinado género, que é aquilo que faz o feminismo, concentrado na mulher, nas suas virtudes, naquilo que ela pode vir a ser, naquilo que não foi… Não me parece que esse seja o caminho.

Eu venho de um sítio, de uma comunidade, muito pequena, onde o assédio é uma realidade constante e eu própria fui educada com esses preconceitos, mas felizmente vi um outro caminho assim que fui para a faculdade, assim que saí, pude estudar, pude ver outras coisas, pude viajar…

“Não acho que é através da promoção de um sexo, de uma entidade de género, que a valorizamos”.

Não acredita que foi o feminismo que permitiu que fizesse todas essas coisas que enumerou? Essas e outras até mais relevantes, como o voto…

Não, não… atenção. Eu não desvalorizo as pessoas que lutaram pelos direitos das mulheres. Naturalmente, se não fossem elas hoje não teríamos a liberdade que temos. Eu só não penso que hoje seja preciso praticá-lo. podemos salvaguardar a liberdade dessas mesmas mulheres e o seu mérito sendo boas mães e educando convenientemente os nossos filhos.

Sofia Matos

Questionário de Proust

“Era incapaz de desprezar alguém, especialmente se realmente precisasse de mim”

Junta o defeito à principal virtude: honestidade. Sofia Matos não consegue elencar um escritor de prosa, mas tem uma poetisa na ponta da língua. Tanto, que até a recorda pelo primeiro nome: “Sophia”. A sua maior extravagância é “estar sozinha e sem compromissos” e afirma que costuma dizer: “Não façamos perguntas para as quais já sabemos as respostas.” Por sorte, não sabe nomear um pintor de eleição, uma pergunta entre várias feitas pelo Polígrafo, selecionadas do conhecido questionário de Proust.

Qual é o seu principal defeito?

Honestidade.

E a sua principal virtude?

Honestidade.

O que é que mais aprecia num amigo?

Que entenda a minha forma de estar na vida.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

O meu pai e a minha mãe, com todos os defeitos que lhes conheço.

E a que mais despreza?

Há muitas pessoas das quais não gosto e já me desiludi com muitas mais, mas acho que era incapaz de desprezar alguém, especialmente se realmente precisasse de mim.

O que é que mais gosta de fazer?

Comer, rir e conversar.

Um escritor de prosa…

Tantos, não consigo elencar um.

E um poeta?

Sophia [de Mello Breyner].

Diga uma palavra – ou frase – que usa com muita frequência.

Não façamos perguntas para as quais já sabemos as respostas.

Um lema de vida…

Ser leal e verdadeira, fiel a mim própria.

Um país para viver…

Quanto mais conheço o Mundo mais gosto de Portugal.

E uma flor para plantar.

Uma tulipa branca.

Que talento não tem e gostaria de ter?

Saber tocar guitarra. Que fosse suficiente para as noites passadas à volta da mesa com os amigos.

E extravagâncias? Tem?

Estar sozinha e sem compromissos.

O que é que gostaria de ser?

Luto todos os dias para ser o que gostaria de ser. É uma tarefa diária. Não tenho uma meta.

E o que é que não gostaria de ser?

Não gostaria de perder a coragem.

Algum pintor de eleição?

Gosto de apreciar os novos talentos. Fico muito surpreendida quando vejo algumas obras de pintores totalmente desconhecidos do público em geral, mas a minha sensibilidade para a arte é questionável.

Uma personagem histórica que odeie.

Hitler.

Como gostava de morrer?

Com a sensação de que a minha estada por cá fez sentido.

E o seu estado de espírito atual?

Ansiosa por voltar ao trabalho.

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Outras entrevistas Sub-30 publicadas pelo Polígrafo:

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