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Paulo Rangel: “A estratégia da oposição de Rui Rio foi esperar que o Governo caísse de podre”

Este artigo tem mais de um ano
Em entrevista ao Polígrafo, o candidato à liderança do PSD, Paulo Rangel, critica a oposição "tímida e suave" do PSD nos últimos anos, associada à ideia de "estar à espera que o poder caia", em vez de "criar esperança nas pessoas com um projeto alternativo". Sublinha que Rui Rio já perdeu umas eleições legislativas e "mostrou que não estava à altura de António Costa". Garante que está preparado para ser primeiro-ministro e propõe uma agenda reformista baseada em quatro frentes: reforma fiscal, da Justiça, da Administração Pública e do ensino profissional.

Defende medidas “moderadas e suaves” para enfrentar esta nova vaga da pandemia. Se a situação voltar a agravar-se em janeiro, como no ano passado, vai responsabilizar o Governo por não ter aplicado medidas mais duras e restritivas?

Temos que ir acompanhando a situação e, neste momento, justificam-se algumas medidas. Não tenho o conhecimento técnico ou a informação para dizer quais e, portanto, temos que ver se são adequadas – ou não – à medida que os números forem evoluindo. Mas há um ponto em que já podemos responsabilizar o Governo e que pode ter efeitos negativos mais tarde, que é o atraso da vacinação da terceira dose. A circunstância de, agora, não se tomarem medidas mais drásticas ou mais graves, não me parece que possa ser criticada com os dados que nós temos. Mas há uma coisa que podemos criticar, o facto de haver muita negligência quanto à aplicação da terceira dose.

Não se percebe porque é que se desmantelou este sistema que tínhamos montado para administrar a terceira dose às pessoas com mais de 65 anos. Entretanto, também já sabemos que temos que dar uma terceira dose a todos aqueles que foram vacinados com a Janssen. As pessoas com mais de 65 anos já podiam estar praticamente vacinadas, todas elas até ao final de novembro, se nós em outubro e novembro tivéssemos prosseguido com o esforço que tínhamos tido antes. Os prazos são apertados, mas felizmente há um grande envolvimento das câmaras municipais e isso pode ajudar bastante, porque os autarcas tiveram um papel decisivo na pandemia, especialmente com a vacinação e com a testagem.

Mesmo que se consiga até ao dia 19 de dezembro, se pensarmos que a vacina normalmente só produz efeitos ao fim de 14 ou 15 dias, já estamos a atirar para o final de dezembro. Vamos passar à época natalícia, na qual já deveria haver uma imunidade reforçada, pelo menos para as pessoas mais vulneráveis e que tinham eventualmente visto decair a imunidade das suas vacinas. Portanto, eu acho que há aqui um aspeto que já pode ser objeto de crítica. Assim que saiu o vice-almirante Gouveia e Melo, derrapou por completo a operação de vacinação.

 

“Há um ponto em que já podemos responsabilizar o Governo e que pode ter efeitos negativos mais tarde, que é o atraso da vacinação da terceira dose. (…) Não se percebe porque é que se desmantelou este sistema que tínhamos montado para administrar a terceira dose às pessoas com mais de 65 anos. (…) Assim que saiu o vice-almirante Gouveia e Melo, derrapou por completo a operação de vacinação”.

 

Isso demonstra uma incapacidade do Estado para se organizar e planear?

O que demonstra é algo que eu disse várias vezes, é que realmente os profissionais de saúde e os portugueses tiveram um papel decisivo no sucesso da operação de vacinação, mas a liderança e a comunicação do vice-almirante Gouveia e Melo foi também decisiva e determinante. E, na altura, aquilo que eu ouvia sempre dizer era a senhora ministra da Saúde e a senhora diretora-geral da Saúde dizerem que não, que era um esforço coletivo, que o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde também tinham tido um papel muito importante.

Mas o que se vê é que, quando eles ficam sozinhos a tomar conta das operações, tudo derrapa e entramos numa situação complexa. O agravamento dos números até pode dar-se, mas se tivermos as pessoas mais imunizadas, o número de internamentos e, sobretudo, o número de fatalidades vai naturalmente ser sempre menor. O que eu diria é que, neste momento, já temos uma crítica a fazer, mesmo antes de chegarmos à época natalícia ou ao mês de janeiro.

 

Tem expressado a ambição de construir uma “alternativa ao PS” com um “projeto reformista” na liderança do PSD. Que reformas são essas, concretamente?

A primeira grande prioridade tem de ser criar riqueza, para combater a pobreza. Criar riqueza para garantir a Portugal um crescimento forte e duradouro. Como é que fazemos isso? Em primeiro lugar, é preciso mexer nos impostos, baixar a carga fiscal e, essencialmente, concentrarmo-nos no IRC, dar um incentivo às empresas para investirem, para criarem emprego de qualidade, para inovarem. Precisamos de baixar a taxa de IRC, isso é uma evidência. Não podemos fazer um choque fiscal, como o país necessitaria – isso daria um impulso económico bastante mais vigoroso -, mas com a situação das contas públicas é preciso sempre ter algumas cautelas. Temos de mexer no IRC, provavelmente alguma coisa no IRS, sobretudo no IRS Jovem para fixar aqui os jovens que têm qualificações, que até têm vencimentos bastante satisfatórios, mas que depois pagam tantos impostos que não têm nenhum estímulo para ficar em Portugal.

Depois tem que se fazer uma reforma da Justiça, mas não aquela reforma constitucional de que fala o doutor Rui Rio… Ao contrário, uma reforma essencialmente voltada para a eficácia e rapidez dos processos. Os processos ao nível de impostos, processos fiscais, ao nível da administração pública, processo administrativos, e ao nível comercial, em particular das insolvências, demoram, no caso dos administrativos e fiscais, falamos de sete, oito, nove anos… No caso das insolvências podem ser cinco ou seis. Temos de reduzir estes prazos. Os investidores não podem, obviamente, viver com uma justiça lenta que não assegura os direitos dos cidadãos e tem um efeito muito negativo.

A par desta reforma da Justiça temos que fazer uma reforma para desburocratizar processos na Administração Pública que é altamente burocrática, muito redundante, parte do princípio da desconfiança do cidadão e do empresário. Aqui a prioridade terá de ser justamente para os processos de atribuição de fundos europeus, em que temos de ter simplificação, mas com uma garantia de fiscalização rigorosa. Temos de ter aqui dois instrumentos: em vez de concentrarmos a carga burocrática na atribuição de subsídios, devemos utilizar um princípio de confiança no empreendedor, no empresário, naquele que é candidato ao fundo; e depois devemos ter uma auditoria implacável, se alguém prevaricar deve ter imediatamente consequências.

 

 

Essa agenda reformista…

Finalmente, uma outra reforma que tem a ver com a formação profissional. Um dos problemas que Portugal vive hoje é um desajustamento muito grande entre a oferta que tem o mercado de trabalho e a qualificação dos trabalhadores. Os candidatos a emprego, ou têm o ensino obrigatório e normalmente têm uma formação mais indiferenciada. Têm uma boa formação geral mas não podem ser eletricistas, programadores, canalizadores, costureiros, porque lhes falta uma formação técnica a esse nível e são empregos que dão rendimentos de qualidade. porque exigem qualificação técnica especial. Com a digitalização, hoje, muitos processos industriais exigem este tipo de mão-de-obra especializada.

Temos, no curto prazo, de agilizar a formação profissional, de forma que os jovens possam reconverter ou, pelo menos, ganhar habilitações práticas e técnico-profissionais para terem emprego. E até aquelas pessoas que, por exemplo, aos 40, 45 ou 50 anos querem mudar de emprego ou estão no desemprego e precisam de fazer uma mudança. E estão ainda a tempo, porque têm ainda um período longo de trabalho à sua frente, de fazer uma reconversão. Temos de apostar nisto.

Há aqui quatro frentes: a reforma fiscal, a reforma da Justiça, a reforma da Administração Pública e a reforma do ensino profissional. Todas elas contribuem para um crescimento forte, muito acima destes números anémicos de 0,5%, 1%, 1,25% que fazem com que o país não saia da estagnação em que o PS nos deixou. Nestes seis anos é claramente uma bandeira do PS, uma marca de água, é um Governo que estagnou o país. Fomos ultrapassados por cinco países da União Europeia nestes seis anos. Antes estávamos sempre a aspirar a ir para o pelotão da frente e hoje estamos claramente empurrados, com estas políticas pouco ambiciosas e não reformistas, para o pelotão de trás da União Europeia.

 

“Há aqui quatro frentes: a reforma fiscal, a reforma da Justiça, a reforma da Administração Pública e a reforma do ensino profissional. Todas elas contribuem para um crescimento forte, muito acima destes números anémicos de 0,5%, 1%, 1,25% que fazem com que o país não saia da estagnação em que o PS nos deixou”.

 

Considera que essa agenda reformista terá sido o que falhou na oposição que o PSD fez nos últimos anos?

O PSD, especialmente nos últimos dois anos, fez uma oposição tímida e suave e eu penso que isso é mau. Acho que ter uma oposição forte, firme, vigorosa, que seja audível e visível pelos cidadãos, não só representa os cidadãos que votaram no partido que lidera a oposição, como ao mesmo tempo também estimula o Governo a governar melhor. É uma questão de interesse nacional.

Claro que uma oposição forte não tem de ser uma oposição demagógica. Pode e deve ser uma oposição responsável e credível e, por isso, vai ter que, para cada crítica que faz, normalmente, encontrar uma alternativa ou solução positiva. Como é que faríamos de modo diferente, ou porque é que achamos que isto está mal e qual seria o caminho a seguir, ou porque é que achamos que esta medida nunca deveria ter sido tomada ou que não se devia ter feito esta regressão ou reversão.

Há um ponto que eu devo dizer que é altamente simbólico dessa timidez que eu critico ao PSD, dessa suavidade que é, até do ponto de vista da qualidade da democracia, um momento realmente mau que é o momento da abolição dos debates quinzenais que são um instrumento fundamental para fazer oposição. O líder da oposição tem a oportunidade de se confrontar com o primeiro-ministro e, cara a cara, levantar as questões. Por exemplo, muitas destas questões ligadas às peripécias absolutamente incompreensíveis, que não se percebe como é que esta pessoa está em funções, o ministro Eduardo Cabrita. Algumas delas já são posteriores à abolição dos debates quinzenais e obviamente que nos debates quinzenais teriam tido uma força que não tiveram fora deles. Isto não só é mau para a oposição – e não compreendo como é que o PSD pôde alinhar e até propor a eliminação dos debates quinzenais -, como além disso tem um outro aspeto negativo que é o da qualidade da democracia.

É evidente que faz parte das funções de um Parlamento escrutinar o Governo e que um confronto entre o chefe do Executivo e o líder da oposição é o momento alto de escrutínio do Governo e parlamentar. É assim em todas as democracias de qualidade e não se percebe porque é que, em Portugal, o PSD que era e é o partido liderante da oposição deixou cair. Sinto que, para sermos alternativa ao PS, nós temos de ter uma oposição responsável e credível.

 

 

As quatro reformas que propõe não necessitariam de algo mais do que um Governo apoiado por uma maioria parlamentar. Algumas das reformas defendidas por Rui Rio implicam maiorias qualificadas de dois terços dos deputados…

Eu penso que pôr o foco em reformas de regime, não me parece que seja uma urgência no país.

 

E implicam colocar-se nas mãos do PS…

Certo, claro. Até mais do que isso, mesmo que assim não fosse, porque pode haver a necessidade de entendimentos com o PS, estejamos nós no Governo ou na oposição. Ao contrário do que diz alguma propaganda nesta campanha interna, eu nunca disse que não havia possibilidade de dialogar com o PS, o que eu disse é que não vamos governar com o PS.

 

“Eu nunca disse que não havia possibilidade de dialogar com o PS, o que eu disse é que não vamos governar com o PS”.

 

Ao nível fiscal, a importância da estabilidade e previsibilidade para as empresas e investidores, seria essencial firmar um acordo de longo prazo. Se bem que houve um acordo sobre o IRC estabelecido no anterior ciclo político e que depois não foi cumprido…

Isso foi estabelecido no Governo do PSD [em coligação com o CDS-PP, sob a liderança do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho], em acordo com o PS, e depois foi António Costa que, ainda na oposição, rompeu esse acordo. Mas, evidentemente, se o PSD tivesse continuado no Governo, isso iria para a frente, não tenho dúvidas sobre isso. Não foi porque, entretanto, mudou o Governo, justamente para um primeiro-ministro que ele próprio tinha rompido tal acordo. Portanto, naturalmente não iria executá-lo.

Deixe-me só dizer-lhe uma coisa em relação às reformas macro, aquelas que exigem entendimentos com o PS. Eu, por exemplo, não vejo nenhuma urgência numa revisão constitucional. Não estou a dizer que não a possamos fazer, até para mudar num ou noutro pilar da Justiça, como pretende Rui Rio. Sinceramente, não acho que seja urgente e é uma matéria que eu conheço muito bem, julgo que fui das primeiras pessoas a falar disso há 20 anos e até a escrever muito profundamente sobre isso, até em termos de investigação académica. Mas não me parece que seja uma urgência.

No caso da lei eleitoral, acho que pode haver vantagens, mas também acho muito difícil que ela possa ser alterada e, portanto, também me parece um esforço um pouco inútil, para dizer a verdade. Este tipo de reformas, sinceramente, não me parece que sejam as reformas de que o país necessita hoje em dia. E não estou a dizer que não se faça uma revisão constitucional para se fazerem algumas afinações e alguns ajustamentos. Mas não há um problema constitucional em Portugal, não há nenhuma reforma essencial que se tenha de fazer que dependa da revisão constitucional.

Agora, admito que se fale em aumentar a autonomia das regiões autónomas, mudar as regras da regionalização para permitir uma região-piloto, por exemplo, para se experimentar e ver se essa experiência funciona e se vale a pena depois estender ao resto do país. Queremos mexer um pouco no governo da Justiça no sentido constitucional, o sentido que o doutor Rui Rio gostaria de mudar, admito que aí possamos fazer uma revisão constitucional, mas sinceramente eu não faria disso o alfa e o ómega de nenhum projeto político.

 

“Rui Rio perdeu umas eleições com António Costa, seriam as segundas que teria de disputar se fosse reeleito líder do PSD. Ele já perdeu umas e já mostrou que não estava à altura de António Costa”.

 

© Polígrafo / Nuria Leon Bernardo

 

Rui Rio tem dito insistentemente que você não está preparado para ser primeiro-ministro, ao que respondeu que não está preparado é para ser vice-primeiro-ministro. E para ser líder da oposição no Parlamento, uma das posições historicamente mais ingratas da política portuguesa, está preparado?

Quando alguém diz que alguém não está preparado para um cargo tem que justificar. O doutor Rui Rio não justifica nada, porque a preparação para o cargo de primeiro-ministro não se faz enquanto se é presidente do partido, faz-se ao longo de uma vida com experiência. Ele nunca justificou. Claro que ninguém se prepara em 15 dias, mas uma pessoa que tem 53 anos certamente que não se prepara em 15 dias, prepara-se ao longo de uma vida inteira, com a sua experiência profissional vinda da sociedade civil – que nem todos têm -, como advogado, como docente universitário, da sua vida política, como membro do Governo, no passado, como deputado, como líder parlamentar e especialmente, hoje, como deputado europeu com uma grande rede europeia.

Isso é uma coisa fundamental para se liderar um partido, para se liderar a oposição é também importante. E é fundamental para ser primeiro-ministro. Penso que em termos europeus pouco teria a aprender no cargo de primeiro-ministro hoje em dia, porque tenho, de facto, contactos que me permitem estar à vontade nessa área, por exemplo. E aí não vejo uma preparação igual do outro lado. Mas eu não ando a fazer apreciações da competência nem da capacidade das pessoas. Conhecendo as pessoas que estão a candidatar-se ao cargo, reconheço a ambas capacidade e competência, não faço esse tipo de ataques pessoais. O que eu digo é que seria preciso justificar.

Ainda não percebi onde é que está a impreparação, porque isto não é uma questão de antiguidade no posto. Não é por estar há quatro anos como líder da oposição e, ainda por cima, não tendo sido um líder da oposição propriamente extraordinário. Rui Rio perdeu umas eleições com António Costa, seriam as segundas que teria de disputar se fosse reeleito líder do PSD. Ele já perdeu umas e já mostrou que não estava à altura de António Costa e, portanto, não sabemos se agora seria capaz de as vencer ou não, teríamos de ver. Mas não queria entrar por aí…

 

Mas não respondeu, está preparado para ser líder da oposição?

Repare, essa é uma questão que só se coloca depois de os portugueses votarem. Aquilo que eu digo é que o PSD deve ir para as eleições como alternativa e, portanto, com uma vocação e uma missão de ter uma maioria. Se puder ser uma maioria absoluta, melhor. Se não, uma maioria estável que lhe permita governar. É a isso que o PSD deve aspirar e depois os portugueses pronunciar-se-ão e temos de respeitar o seu veredito. Logo se verá que condições é que existem e que papel competirá ao líder do PSD.

 

“O PSD deve ir para as eleições como alternativa e, portanto, com uma vocação e uma missão de ter uma maioria. Se puder ser uma maioria absoluta, melhor. Se não, uma maioria estável que lhe permita governar”.

 

A oposição mais combativa, adversativa e ruidosa do PSD entre o final de 2015 e 2017, protagonizada por Luís Montenegro na bancada parlamentar, ainda sob a liderança de Pedro Passos Coelho, não produziu bons resultados. O PSD foi tombando nas sondagens e obteve um resultado muito negativo nas eleições autárquicas de 2017. Porque é que desta vez será diferente? Rui Rio costuma dizer que não resultou e por isso é que tenta fazer uma oposição mais construtiva…

Rui Rio perdeu as eleições em 2019. Foi-lhe dada uma segunda oportunidade, do meu ponto de vista, bem. Mas a verdade é que ele as perdeu, portanto, a oposição dele também não resultou. E não as perdeu propriamente com um resultado brilhante, até podia ter perdido taco a taco, mas não foi isso que aconteceu. Há uma coisa que é evidente e nem sequer precisamos de ir para exemplos do passado. Eu acho que um líder da oposição deve fazer uma oposição forte, firme, clara. Acho que ela deve ser responsável e credível, deve ser feita não apenas com crítica e com denúncia do que está mal, mas também com a apresentação de propostas e de medidas alternativas.

Agora, deve ser bastante mais forte do que esta ideia de estar à espera que o poder caia. A estratégia política deste dois anos não foi uma estratégia de criar esperança nas pessoas com um projeto alternativo, mas foi uma estratégia de esperar que o Governo de António Costa caísse de podre. Aliás, esta é uma ideia que o atual líder do PSD, o doutor Rui Rio, várias vezes referiu: a ideia de que o poder não se ganha, perde-se. Evidentemente que há um desgaste do Governo e que para alguém ganhar eleições tem que existir um duplo movimento, um partido a perder e o outro a ganhar. O que perde está desgastado, mas não basta isso.

A situação que hoje temos – e, com alguma imodéstia, tenho que dizer que faria isso bem -, aquilo que é fundamental hoje, em que há um grande descontentamento com o Governo, uma grande insatisfação, mas ainda não há a confiança num projeto alternativo… Aquilo que se pretende é que o PSD, já este sábado [dia 27 de novembro], clarifique a sua liderança interna e se apresente como uma alternativa de confiança. Para que esse eleitorado descontente veja no PSD essa alternativa e então mostrará a sua confiança e a sua esperança nesse projeto.

 

“A estratégia política deste dois anos não foi uma estratégia de criar esperança nas pessoas com um projeto alternativo, mas foi uma estratégia de esperar que o Governo de António Costa caísse de podre”.

 

Rui Rio destacou que você “teve o pior resultado da história do PSD” como cabeça-de-lista nas eleições para o Parlamento Europeu de 2019. Considera que foi uma crítica justa e leal de alguém que, precisamente, o escolheu como cabeça-de-lista?

Aqui não é critica pessoal nenhuma que vou fazer. Não vou criticar Rui Rio pessoalmente. Vou dizer apenas o seguinte: um presidente é sempre responsável pelos resultados do seu partido. O doutor Rui Rio passa a vida a dizer que teve um sucesso nas eleições autárquicas, ele não foi candidato a nenhuma autarquia e, no entanto, diz que teve um sucesso. Se quando os resultados lhe correm bem o sucesso é dele, quando eles correm menos bem o insucesso não é dele? Há aqui uma contradição.

Na segunda parte da entrevista, Paulo Rangel garante que não estabelecerá acordos com o Chega que "perfilha valores contrários ao Estado de direito democrático e ao respeito pelo princípio da igualdade de todas as pessoas". Recusa também a hipótese de um Bloco Central, lembra que o PS nunca viabilizou um Governo minoritário do PSD e projeta a ambição conquistar "uma maioria estável, de preferência absoluta". Mas primeiro tem que vencer as eleições diretas contra Rui Rio, "um homem do sistema" que "está há 40 anos na política". Sem recurso a "caciques", porque "o voto é secreto" e "não está lá ninguém a coagir as pessoas".

Segundo, se olhar para as sondagens de abril de 2019, as eleições foram em maio, o PSD estava em empate técnico com o PS em três sondagens de abril, aliás, as três únicas que existem. E depois deu-se a “crise dos professores”, em que o doutor Rui Rio, do meu ponto de vista muito erradamente, como aliás na altura lhe fiz questão de dizer a título privado, porque estávamos em campanha eleitoral, resolveu fazer um acordo com o PCP e com o Bloco de Esquerda a propósito da questão dos professores e da sua situação de remuneração. Ao fazer isso, o doutor António Costa fez um discurso ao país a ameaçar demitir-se. António Costa viu o seu Orçamento chumbado e não se demitiu, continua em plenitude de funções, mas em 2019, mesmo 20 ou 25 dias antes das eleições europeias, ameaçou demitir-se do Governo se o PSD não mudasse de posição e o doutor Rui Rio inverteu o voto que fez em Comissão e foi votar de outra maneira no Plenário e isso fez com que, a partir daí, não se falasse de mais nada a não ser a “crise dos professores”.

E nós estávamos com sondagens na casa dos 30%, estávamos empatados com o PS e podíamos mesmo chegar a eleger oito deputados e viemos muito para trás. Eu atribuo o mau resultado claramente à “crise dos professores”. Não só uma responsabilidade global do presidente por esse resultado, que sempre existiria, mas eu nem tenho problemas em assumir responsabilidades pessoais. Como aqui neste caso até há uma razão mesmo específica e que é da responsabilidade exclusiva do presidente do partido, porque é uma matéria de assuntos nacionais, que nada tinha que ver com as eleições europeias, em que ele fez uma opção que foi fazer uma coligação, não é negativa, é positiva com o Bloco de Esquerda e o PCP. Eu não queria estar a fazer outra vez esta análise quase milimétrica da história, mas as pessoas quando fazem acusações dessa gravidade deviam ser confrontadas, aliás, valia a pena o Polígrafo ver isso, realmente ver se existiu ou não existiu, como é que estavam as sondagens nessa altura e se a “crise dos professores” teve ou não um efeito.

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Nota editorial: A segunda parte desta entrevista será publicada hoje, 26 de novembro, às 11 horas.

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