
O Twitter da Wikileaks afirma desde 4 de abril que Julian Assange seria expulso da embaixada por causa da divulgação dos documentos sobre contas offshore do presidente Lenin Moreno. Já esperavam por isso?
Sim, já estávamos à espera, porque tem havido extrema animosidade do governo de Lenin Moreno. Já era sabido, desde que ele tomou posse, que ele era hostil ao Julian e queria livrar-se dele. Desde o ano passado que ele tem colocado uma pressão extrema sobre Julian: ordenou ao embaixador para cortar a internet, proibiu a entrada de visitantes… Foi um longo processo que foi ficando cada vez pior. No final, a embaixada já era bem pior do que qualquer prisão.
A que tipo de condições o Julian era submetido?
Havia limitações sobre as pessoas que podiam visitá-lo – eles é que faziam a seleção – e não permitiram a visita de dezenas de jornalistas e ativistas. No ano passado instalaram câmaras de vigilância de alta resolução em todos os cantos da embaixada, monitorizando todos os movimentos de Julian em áudio e vídeo. A embaixada tinha-se tornado uma operação de vigilância massiva.
Nós fizemos na quarta-feira [10 de abril], um dia antes da prisão, uma conferência de imprensa aqui em Londres na qual revelámos a extensão da operação de vigilância sobre Assange, feita através da recolha de materiais via câmaras de segurança, gravações de áudio, e recolha de documentos.
Acreditamos que por causa dessa conferência de imprensa eles decidiram agir no dia seguinte. Todo esse material, de alguma maneira, foi parar às mãos de um grupo de indivíduos espanhóis que tentaram extorquir-nos, dizendo que se não pagássemos 3 milhões de euros eles iriam publicar tudo. Eu fui até Madrid, relatámos o caso à polícia espanhola, e agora abriram uma investigação criminal contra eles. Mas o maior crime não é esse. O maior crime é a maneira como as autoridades do Equador trataram o Assange, que é vergonhosa.
É vergonhosa porque um país independente que permite que uma polícia estrangeira entre na embaixada para arrastar Assange para fora de uma maneira inaceitável, foi um cenário muito bem calculado por eles. E desde então as autoridades equatorianas têm feito acusações ultrajantes sobre Assange.
Não é um indivíduo que tem a capacidade de mudar o que o Estado concordou em fazer. Se o Estado garantiu a alguém um asilo político, ele está comprometido, de acordo com a lei internacional, com aquela proteção. Mesmo que haja uma mudança na liderança, não se pode, arbitrária e unilateralmente, decidir que se retira aquela proteção.
Por exemplo?
Coisas sobre o que acontecia dentro da embaixada. Não podemos esquecer que Lenin Moreno, que está a ser investigado por causa da divulgação dos documentos chamados INA Papers, está a acusar Assange de estar envolvido no hackeamento do seu telemóvel, o que é uma afirmação estranha vindo de um líder de Estado, aliás.
A WikiLeaks não esteve envolvida na publicação dos INA papers, documentos que apontam para uma empresa offshore em Belize constituída pelo irmão de Lenin Moreno?
Nós não temos nada a ver com os INA Papers. A história foi publicada noutro site. A única vez que mencionámos essa história foi num tweet sobre uma investigação dessa denúncia que foi aberta no Equador. E já era uma coisa bastante pública. A Wikileaks não teve nada a ver com a publicação ou a obtenção dessas informações. Acho que é bastante óbvio que se trata de uma tentativa de desviar a atenção da investigação sobre ele [Lenin Moreno].
Durante a campanha presidencial, Lenin Moreno prometeu manter o asilo a Assange…
Sim, ele fez essa promessa logo no começo, mas é uma promessa de um Estado, não de uma pessoa. Não é um indivíduo que tem a capacidade de mudar o que o Estado concordou em fazer. Se o Estado garantiu a alguém um asilo político, ele está comprometido, de acordo com a lei internacional, com aquela proteção. Mesmo que haja uma mudança na liderança, não se pode, arbitrária e unilateralmente, decidir que se retira aquela proteção. É como se você, a meio de um naufrágio, entregasse um bote salva-vidas a alguém e depois decidisse atirá-lo desse bote.
Não vamos esquecer que a ONU tinha declarado há algum tempo que Julian estava a ser mantido em detenção arbitrária, e instruído o Reino Unido a fazer o máximo possível para garantir a sua liberdade e recompensá-lo pelo tempo que ele passou na embaixada.
Você encontrou Assange antes da prisão?
Eu vi-o há duas semanas. Ele estava a aguentar bem, mas é claro que sete anos trancado na embaixada traz consequências à saúde. Ele tem um problema no ombro que precisa de um raio-x que não pode ser levado para dentro da embaixada, um problema dentário que não pode ser tratado dentro da embaixada. E o Reino Unido não permitiu que ele saísse para ir a esses médicos.
No final do mês o relator especial da ONU para o direito à privacidade estava agendado para visitar Assange na embaixada para verificar a sua situação.
Na verdade, essa visita já estava marcada para antes, mas o Equador não a permitiu. Então remarcaram para dia 25 de abril, juntamente com outro Relator Especial da ONU para a Privacidade. E sabíamos que Lenin Moreno iria expulsá-lo antes disso. Porque eles iam ver as condições chocantes às quais estavam a submeter uma pessoa que prometeram proteger.
Agora podemos dizer, de maneira triste até, que estivemos certos o tempo todo. O que mudou agora é que todos sabem do que se trata, está agora à vista de todos e não escondido atrás de cortes secretas, com acusações fantasmas. Trata-se de um pedido de extradição para os Estados Unidos, com a possibilidade de Julian enfrentar muitos anos na prisão
Vocês acreditam que essas condições seriam equivalentes a tortura?
Sim, é similar à tortura viver nessas condições. E não vamos esquecer que a ONU tinha declarado há algum tempo que Julian estava a ser mantido em detenção arbitrária, e instruído o Reino Unido a fazer o máximo possível para garantir a sua liberdade e recompensá-lo pelo tempo que ele passou na embaixada.
Tanto o Reino Unido como os Estados Unidos – e a Suécia – negaram diversas vezes haver um pedido de extradição nos EUA. Como é que vocês receberam essa notícia?
Nós soubemos desde o ano passado, através de um erro que aconteceu noutro processo judicial, que havia uma denúncia secreta contra Assange. E vimos ontem no tribunal o documento. Ao longo dos anos a imprensa nunca acreditou em nós quando dizíamos isso. Mas agora podemos dizer, de maneira triste até, que estivemos certos o tempo todo. O que mudou agora é que todos sabem do que se trata, está agora à vista de todos e não escondido atrás de cortes secretas, com acusações fantasmas. Trata-se de um pedido de extradição para os Estados Unidos, com a possibilidade de Julian enfrentar muitos anos na prisão por ter publicado documentos que revelaram crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão.
A tal “suposta” conspiração entre Chelsea Manning e Assange, temos certeza que é apenas uma parte do cenário maior, em que se vão adicionar outros crimes depois de ele ser transportado para os Estados Unidos. Ele pode ficar décadas na prisão.
É bastante óbvio que não há nenhum fundamento para essa ideia de que a Wikileaks teve um papel de intermediário entre a Rússia e Trump nessa dita conspiração. E agora recentemente o relatório de Muller acaba de concluir que não houve nenhuma conspiração, ele não achou nenhuma evidência disso, nenhuma prova.
Quais são os próximos passos em termos legais?
Lutar contra a extradição para os Estados Unidos, que é uma perseguição política, todos podem ver isso, é um caso óbvio, e felizmente isso está sendo notado. Até mesmo o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbin, afirmou ontem que ele não deve ser extraditado. Houve editoriais em diversos jornais nesse sentido. Claro, o New York Times fez um editorial sem tomar partido, o que é uma vergonha porque o jornal foi um dos que beneficiaram com as informações recebidas através da nossa colaboração em 2010 e 2011.
Tudo o que fizemos é o que faz qualquer organização jornalística: conseguimos informação relativa às eleições americanas e publicamos a informação, como é dever de qualquer jornalista. Nem é uma escolha, é um dever de qualquer jornalista ter que reportar informações sobre os candidatos e partidos antes das eleições.
Falando nisso, há diferença entre a atuação da Wikileaks e a atuação de jornais nessas fugas de informação?
Na sua essência, não há nenhuma diferença entre o que a WikiLeaks faz e o que qualquer empresa de média faz. E isso é exemplificado pela colaboração direta entre o WikiLeaks e a imprensa. Ou seja, há um enorme perigo se eles levarem adiante essa acusação contra Assange. Significa que nenhum publisher, nenhum editor, nenhum jornalista está a salvo em lugar nenhum do mundo. É claramente uma questão de liberdade de expressão. E eu espero que editores, publishers e jornalistas se unam para lutar contra isso.
A Wikileaks tem sido repetidamente acusado na imprensa americana de conspirar com a Rússia para eleger Donald Trump, ao publicar emails do partido democrático durante a campanha de Hillary Clinton. Como é que isso afetou a reputação da Wikileaks?
É bastante óbvio que não há nenhum fundamento para essa ideia de que a Wikileaks teve um papel de intermediário entre a Rússia e Trump nessa dita conspiração. E agora recentemente o relatório de Muller acaba de concluir que não houve nenhuma conspiração, ele não achou nenhuma evidência disso, nenhuma prova.
A Wikileaks não tem a intenção de saber quem é a fonte da informação, para a proteger. É uma plataforma onde qualquer pessoa pode descarregar informações. O trabalho é avaliar o material, ver se é relevante, se é de interesse público, é um trabalho simplesmente jornalístico, nem mais nem menos que isso.
Tudo o que fizemos é o que faz qualquer organização jornalística: conseguimos informação relativa às eleições americanas e publicamos a informação, como é dever de qualquer jornalista. Nem é uma escolha, é um dever de qualquer jornalista ter que reportar informações sobre os candidatos e partidos antes das eleições. Eram informações noticiosas, verdadeiras e de interesse público. Tanto é que basta olhar para todos os jornais e canais de média que publicaram notícias baseadas nesses dados. É revoltante que se aponte apenas para a Wikileaks, já que toda a comunicação social escreveu sobre isso.
Julian Assange já declarou diversas vezes que não havia nenhuma evidência que os e-mails vieram de um ator estatal, ou de um ator russo. E todos sabem que a própria ideia da WikiLeaks vai nesse sentido, a Wikileaks não tem a intenção de saber quem é a fonte da informação, para a proteger. É uma plataforma onde qualquer pessoa pode descarregar informações. O trabalho é avaliar o material, ver se é relevante, se é de interesse público, é um trabalho simplesmente jornalístico, nem mais nem menos que isso.
Agora, as organizações de média tendem a ser distraídas pelos políticos, e é bem óbvio que a liderança do Partido Democrático precisava de um bode expiatório para justificar uma derrota humilhante: a de perder votos e colégios eleitorais para Donald Trump. E em menos de 24 horas decidiram culpar a WikiLeaks e a Rússia. Agora a história da conspiração já colapsou e nada prova que a WikiLeaks fez qualquer coisa além de seguir um procedimento jornalístico.
Qual a relevância da WikiLeaks hoje e qual o futuro da WikiLeaks, com Assange preso?
Nós vamos continuar o trabalho, apesar de não termos acesso direto ao Assange. Tem sido difícil operar com ele preso na embaixada, e nós vamos achar uma maneira de seguir com o trabalho. Há muitas pessoas que acreditam nas ideias pelas quais trabalhamos e não tenho dúvidas de que seguiremos em frente, porque a WikiLeaks é um elemento necessário para o jornalismo atual. Tivemos um enorme efeito sobre o jornalismo mundial nos últimos dez anos: todas as maiores organizações de média agora têm a sua Dropbox segura para receber fugas de informação, há muitos jornalistas a trabalhar em colaborações transnacionais, como nos Panamá Papers, um modelo que nós criámos, e também inspirámos diversos informadores a divulgarem informações, como Edward Snowden.
Nota editorial: esta entrevista é publicada no âmbito da parceria de republicação firmada entre o Polígrafo e a Agência Pública de Jornalismo Investigativo. Se pretender aceder à publicação original, clique aqui.
