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Eleições autárquicas. Cinco verificações de factos sobre a Câmara Municipal do Porto

Este artigo tem mais de um ano
Realiza-se hoje o primeiro debate com os principais candidatos à presidência da Câmara Municipal do Porto e o Polígrafo recorda uma série de verificações de factos envolvendo a autarquia liderada por Rui Moreira, recandidato ao cargo. Da gestão dos parquímetros e dos lugares de estacionamento para residentes até à intervenção em espaços ocupados por pessoas sem-abrigo, entre outros temas.

1. Câmara do Porto retira camas pertencentes a sem-abrigo em ação de “limpeza urbana”?

Em março deste ano, surgiu um vídeo nas redes sociais em que três polícias municipais e dois funcionários da câmara retiram mantas, edredões e pedaços de caixas de cartão que servem de cama para os sem-abrigo da entrada de um edifício na Rua de Sá da Bandeira, uma das mais conhecidas do Porto. ​​“O crescente problema dos sem-abrigo no Porto tem que ser encarado de frente e não varrido para debaixo do tapete!”, exclama o autor da publicação.

O Polígrafo contactou a Câmara Municipal do Porto (CMP), no sentido de esclarecer a origem desta situação, que começa por explicar que esta “não se trata de uma medida direcionada aos sem-abrigo”, mas antes de “ações recorrentes de reposição da normalidade em alguns espaços onde coexistem ameaças concretas à saúde ou à segurança pública”. Quão recorrentes? “A Polícia Municipal (PM) acompanha semanalmente 9 ações de limpeza urbana, 7 no âmbito do Porto Cidade Sem Droga e 2 da Empresa Municipal de Ambiente do Porto (EMAP), e identifica, junto dos serviços de limpeza, áreas de intervenção decorrentes das denúncias que recebe”, explica fonte oficial da Câmara.

Questionada sobre se o cidadão é avisado previamente das ações de “limpeza urbana”, a CMP diz que “efetua estas ações ‘à luz do dia’ – nunca antes das 08h30 – e, num número consideravelmente elevado de casos, não encontra o utilizador do espaço”.

Mas o que acontece quando o “utilizador” é encontrado ou está no espaço onde é feita a intervenção? “É-lhe pedido que retire os seus pertences da via pública ou que identifique quais os que poderão ser retirados pela limpeza urbana. Não é incomum ser o próprio utilizador quem identifica os equipamentos que podem ser retirados”, esclarece a autarquia.

Relativamente a documentos e “pertences que possam ser posteriormente entregues”, a câmara municipal garante que “os equipamentos retirados do espaço público são previamente verificados pelos elementos da limpeza urbana”, precisamente com o intuito de salvaguardar bens mais relevantes, como alguma documentação. Quando aos materiais retirados, e dentro da classificação da CMP, falamos de equipamento que se encontra num “estado de limpeza deficitário”, tratando-se esta de uma “ação muito delicada, pelos riscos sanitários que envolve, para os colaboradores da CMP”.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

 

2. Tal como em Lisboa, os parquímetros do Porto estiveram a funcionar durante os períodos de confinamento geral?

Após uma denúncia publicada no Facebook, a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) admitiu que as máquinas em que são feitos os pagamentos do estacionamento nos parques públicos de Lisboa não foram desligadas. “O sistema não estando totalmente centralizado, teria obrigado a que os parquímetros, na sua maioria, tivessem que ser desligados um a um. De salientar que a EMEL tem atualmente 3.200 parquímetros de diversas gerações, sendo os mais antigos de idade superior a 20 anos”, explicou a empresa.

O Polígrafo decidiu verificar se o mesmo tinha acontecido no Porto. O estacionamento esteve suspenso entre 25 de janeiro e 5 de abril nas zonas concessionadas, e entre 18 de janeiro e 5 de abril, nas Zonas de Estacionamento de Duração Limitada (ZEDL) Ocidental.

Fonte oficial da autarquia portuense garantiu que “as máquinas foram colocadas fora de serviço (desprogramadas) tanto na zona concessionada como na zona explorada diretamente pelo Município do Porto (ZEDL Ocidental)”. Estando fora de serviço, “não é possível efetuar pagamentos de taxas de estacionamento nestes equipamentos”.

“Na zona explorada diretamente pelo Município do Porto (ZEDL Ocidental) as máquinas de pagamento foram colocadas fora de serviço às 00h00 do dia 16 de janeiro de 2021. Na zona concessionada as máquinas foram colocadas fora de serviço durante o dia 25 de janeiro, processo manual e demorado (já que envolve mais de 300 parcómetros), verificando-se, por isso, algumas situações pontuais de pagamentos enquanto decorria essa desprogramação”, explicou a autarquia.

A Câmara Municipal do Porto afirmou ainda que, até à data, não tinha recebido “quaisquer reclamações relativas a esta matéria”.

Avaliação do Polígrafo: Falso

 

3. Colónia de gatos sinalizada por placa no Porto está legalizada e os animais são propriedade da autarquia?

“A Câmara Municipal do Porto, desde que lhes seja comunicado que existe uma colónia, vêm ao terreno confirmar através da associação Animais de Rua e colocam uma placa com toda a informação. Os animais ficam com um chip da Câmara e passam a ser propriedade da mesma. Quais os benefícios? Pode alimentá-los sem que os vizinhos ou outras pessoas reclamem, se souber que alguém envenenou ou maltratou, através da associação será movida uma queixa-crime que pode dar até três anos de cadeia. Se alguém por maldade roubar o animal e o abandonar noutro local, se quem o encontrou levar ao veterinário vai verificar que tem chip, que pertence àquela colónia e que é propriedade da Câmara”, lê-se numa publicação no Facebook, datada de 1 de agosto, em que também é partilhada uma sinalização com o logótipo da CMP.

O Polígrafo questionou fonte oficial da Câmara Municipal do Porto que, em resposta, confirmou a autenticidade da placa. “O cartaz em anexo corresponde à sinalética utilizada em colónias legalizadas ao abrigo do programa CED (Capturar, Devolver, Esterilizar) implementado no Município do Porto”, informou.

Em fevereiro de 2019, a CMP estabeleceu protocolos com associações de proteção animal no âmbito da implementação dos programas CED na cidade do Porto, os quais visam a captura e esterilização destes animais e posteriormente a devolução às respetivas colónias. “Desde 2019 foram já intervencionados mais de 860 animais em cerca de 70 colónias legalizadas ao abrigo do programa CED”, salientou a autarquia.

“Os gatos inseridos em colónias CED são identificados eletronicamente, desparasitados e esterilizados, de acordo com a legislação em vigor. Os microchips de identificação desses animais são registados em nome da CMP com a observação da identificação da colónia e da associação zoófila responsável pela sua gestão”, explicou a mesma fonte.

“As colónias legalmente reconhecidas são geridas pelas associações de proteção animal que as acompanham e que garantem a alimentação e cuidados dos animais das suas colónias. O protocolo atualmente em vigor contempla quatro associações (Miacis, Animais de Rua, Causa de Caudas e Midas)”, esclareceu a CMP.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

 

4. Câmara do Porto delimitou lugares de estacionamento para residentes na Foz que têm garagem?

“Estacionamento para residentes. Recentemente apareceram estes lugares de estacionamento para ‘residentes’ na Foz, em zonas em que os prédios todos têm garagem. Não percebemos ao certo ainda quais os critérios para a utilização destes lugares para ‘residentes'”, lê-se no post de 2 abril, com imagens dos lugares reservados pintados no chão, a tinta branca e em frente a prédios com garagens. “Serão destinados aos residentes da cidade ou aos moradores que têm garagem?”, questiona-se.

O Polígrafo verificou que são “bolsas de estacionamento”, conjuntos de lugares de estacionamento devidamente assinalados e exclusivos para veículos registados no âmbito das Avenças de Residente. Estas avenças têm como objetivo possibilitar ao munícipe “estacionar na Zona de Estacionamento de Duração Limitada (ZEDL) da sua área de residência, sem limite de tempo e nos lugares tarifados existentes ou exclusivamente destinados a moradores“.

Questionada pelo Polígrafo, a Câmara Municipal do Porto (CMP) confirma a existência dos lugares de estacionamento delimitados, mas “não na forma como é apresentada” na publicação sob análise. Desde logo porque não se trata de uma iniciativa “exclusiva da zona da Foz”.

De facto, as “bolsas de estacionamento” também foram implementadas em Miragaia, freguesia da cidade do Porto, como se pode comprovar na seguinte fotografia que a CMP remeteu ao Polígrafo.

Miragaia

Além disso, acrescenta a CMP, “na Foz nem toda a habitação é feita em prédios, mas sim num misto de prédios e moradias, em muitos dos casos sem garagem“.

O intuito das “bolsas de estacionamento” consiste em “proteger os residentes da sobrelotação de estacionamento da sua zona de residência“, garante a autarquia.

E qual é a definição de “residente”? Para responder a esta pergunta, a CMC cita o ponto 1 do Artigo D-6/15.º, sobre as Avenças de Residente: “Para efeitos do presente título considera-se residentes as pessoas singulares (cidadãos) que tenham residência principal e permanente, no Município do Porto e num arruamento com estacionamento de duração limitada sujeito a pagamento”.

Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado

 

5. Obra na Praia do Ourigo continuou apesar de o ministro do Ambiente ter dito que ia ser demolida?

“Isto assim não pode ser”, manifesta um utilizador do Facebook que partilha uma fotografia das obras na Praia do Ourigo, no Porto. “Como é possível Portugal que apregoa aos sete ventos que é um país verde, amigo do ambiente, cheio de energias renováveis, ciclovias e coisas do género, permite uma construção dentro da praia, de uma infraestrutura, é uma vergonha e assim acontece”, denuncia um utilizador do Facebook. Na mesma rede social, outro utilizador, de forma irónica, afirma que “a obra da Praia do Ourigo avança em bom ritmo” e que “já está mais alta do que o muro da avenida”.

A 28 de maio, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática, afirmou que a obra não iria avançar. “Sim, [a estrutura] vai ser demolida. Vai ser retirada dali. Há duas entidades para fazer a demolição: ou o próprio [dono da obra] procede à demolição ou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) terá de o fazer. E isso implica contratar um empreiteiro. Não vai ser certamente em 15 dias, mas vai ser tão rapidamente quanto isso for possível“.

​​Na mesma intervenção, o ministro explicou que “a APA já tinha preparado um parecer, mais detalhado, mais pensado, em que reconhecendo que o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) que ainda não está em vigor – estará daqui a dois/três meses – nunca permitiria que esta construção fosse feita” e “deu, de facto, um parecer desfavorável”.

Contactada pelo Polígrafo, fonte oficial da Câmara Municipal do Porto (CMP) explicou que a autarquia “foi informada em reunião no Ministério do Ambiente que a APA ia alterar o sentido do parecer favorável emitido para a obra em curso na Praia do Ourigo, ao abrigo de uma concessão da APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo]”.

“Após ter sido tornado público o parecer desfavorável da APA, a Câmara do Porto encontra-se a avaliar no plano jurídico, e com toda a prudência, como poderá e deverá agir. Recordamos que o município solicitou um parecer jurídico externo, e nesse mesmo parecer é dito que a mudança de posição da APA quanto à obra pode não ser suficiente para que, do ponto de vista jurídico, qualquer ação que o município venha a tomar, de acordo com o novo parecer da APA, salvaguarde o interesse público e não acarrete qualquer ónus para os portuenses”, esclareceu a autarquia liderada por Rui Moreira. Portanto, não houve nenhuma ação para que as obras parassem, confirmou a Câmara.

​​Entretanto, no dia 31 de maio, a Preparasurpresa, uma empresa criada por um fundo internacional para investir na concessão balnear da Praia do Ourigo, afirmou em comunicado que “espantosamente” teve conhecimento através da comunicação social da intenção do Ministério do Ambiente.

A empresa garante ainda que, até à data, não tinha sido “notificada de qualquer comunicação formal provinda de qualquer das entidades relacionadas com o licenciamento em apreço, a saber: Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) , Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e Câmara Municipal do Porto”. A empresa defende que “a intenção anunciada nos media, constitui manifesto abuso de poder, ilegal e inconstitucional, sem cabimento num Estado de Direito“.

A concessionária acrescenta que não observa “qualquer sustento legal na intenção de reverter o procedimento ocorrido (…) tanto mais quando, segundo se sabe, a dita intenção revogatória parece pretender fundar-se num instrumento jurídico (Plano de Ordenamento da Orla Costeira) que ainda hoje não se encontra em vigor”. Entretanto, esse plano já se encontra em vigor desde 11 de agosto.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

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