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Greve dos professores. Constituição de fundos de compensação direcionados a auxiliares é legal?

Este artigo tem mais de um ano
Os professores vão reunir-se esta semana com o Governo, depois de já estarem em curso diversas greves distritais. Os auxiliares, abrangidos em sindicatos constituídos por profissionais de educação em geral, são vistos como determinantes para o protesto, já que a sua paralisação pode determinar o fecho das escolas. No entanto, levanta-se a questão da criação de fundos de compensação destinados aos mesmos. Juristas entendem que a licitude e transparência dos fundos tem de estar assegurada e que apenas profissionais inscritos no próprio sindicato podem ser beneficiados.

A greve de professores por distritos, convocada por uma plataforma de oito organizações sindicais, começou esta segunda-feira, 16 de janeiro, e prevê-se que se prolongue por 18 dias.

Em paralelo, decorrem mais duas paralisações. Uma greve por tempo indeterminado convocada pelo Sindicato de todos os Profissionais de Educação (Stop), iniciada a 9 de dezembro, e uma greve parcial ao primeiro tempo de aulas convocada pelo Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) e programada para durar até fevereiro.

Nos últimos dias tem sido destacada a criação de fundos de greve, financiados através do pagamento de quotas dos trabalhadores sindicalizados. Num artigo de opinião no “Público“, a advogada Carmo Afonso levantou muitas dúvidas sobre este expediente: “Os professores, que todos sabemos mal pagos, ganham mais do que os assistentes operacionais ou auxiliares. Ora, os professores têm vindo a organizar-se para criar fundos e com esses fundos compensar/pagar os auxiliares pelos dias de greve que venham a fazer. É mais fácil fechar escolas pela falta de auxiliares do que por falta de professores. O que acontece na prática é que, faltando alguns auxiliares, as escolas fecham e os professores só terão os dias descontados na sua remuneração se declararem estar em greve, ou seja, podem não trabalhar sem perder esses dias de retribuição”.

Em causa está, segundo Carmo Afonso, a legalidade do procedimento. Mas também a ética desta solução é considerada duvidosa: “Uma classe profissional trata outra como subordinada para fazer a sua luta e beneficia das condições remuneratórias superiores de que aufere para colocar outra classe profissional ao seu serviço.”

O direito à greve encontra-se estabelecido no artigo 57.º da Constituição, garantindo-se que “compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito”. No artigo 530.º do Código do Trabalho estabelece-se a irrenunciabilidade a este direito. 

Contactada pelo Polígrafo, Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho, começa por esclarecer que a criação de fundos de greve é legal desde que cumpridos determinados pressupostos. Assim, esclarece, “a organização do fundo de greve deve ser feita por uma organização sindical” e as comparticipações para esse fundo “têm de ser de cidadãos, estando proibido que sejam de outras organizações sindicais – um sindicato não pode comparticipar o fundo de compensação de outro, bem como não podem ser financiados por entidades empregadoras”.

Em relação à alegada criação de fundos destinados à comparticipação da greve de auxiliares das escolas, a advogada entende que legalmente “não há nada que o impeça“, já que “este sindicato tem uma abrangência maior do que a dos próprios professores”.

Garcia Pereira recorda que a situação não é nova e que já aconteceu com greves dos enfermeiros e dos estivadores no passado. “Penso que com os enfermeiros nem todos os donativos para o fundo de greve eram de enfermeiros. E houve uma ação fiscalizadora da ASAE que atestou a legalidade nesse aspeto”. Além disso, e tendo em conta as sucessivas questões que se levantam em redor do tema, a advogada entende que este deveria estar regulamentado “para que não existissem estas dúvidas”, uma vez que os critérios enunciados foram emitidos pelos tribunais, ou seja, fazem apenas parte da jurisprudência e não da regulamentação.

Nuno Ferreira Morgado, sócio e co-coordenador da área de Direito Laboral da PLMJ, concorda que “no sistema em que vivemos, de índole positivista, em que tudo está regulado na lei, é evidente que a norma tem esse propósito clarificador” e que, portanto, “seria preferível ter uma lei, para não se estar sempre a discutir o assunto”.

No entanto, aponta para um parecer emitido pelo conselho consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR). “Concluiu que os fundos de greve destinados a compensar os trabalhadores que aderiram à greve têm que ser organizados pelo próprio sindicato”, afirma. Ou seja, “não pode financiar” trabalhadores não filiados ou trabalhadores de outros sindicatos. Outro tema que se colocava, continua Nuno Ferreira Morgado, era relativo à independência e autonomia dos sindicatos, que “são entidades independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas e dos partidos, tal como se prevê na Constituição da República Portuguesa”.

Segundo o advogado, o facto de os sindicatos recorrerem ao crowdfunding, que habitualmente implica contribuições anónimas, “não permite verificar se estes contributos impedem a independência dos sindicatos ou não”. E, nesse sentido, conclui, “o fundo de greve é ilícito, na medida em que não é possível conhecer a identidade das pessoas que estão a doar e é isso que só por si impede que se possa assegurar a independência do sindicato”.

Questionado diretamente sobre a questão da compensação a auxiliares, Nuno Ferreira Morgado garante que apenas os sindicatos que decretam a greve são responsáveis por organizar a greve e que, portanto, “não lhe é possível pagar a trabalhadores não inscritos”. E conclui: “Os fundos de greve não são ilícitos por princípio, desde que decorram de receitas próprias, auditadas e identificadas.”

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