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Trump, Zuckerberg e o Polígrafo

Entre a espada e a parede, Zuckerberg escolheu a defesa dos seus interesses económicos imediatos, em detrimento do papel “sem precedentes” (palavras suas durante uma sessão no congresso americano) que o programa de fact-checking que agora termina nos Estados Unidos desempenhou na promoção da verdade na maior rede social do mundo. Business as usual, portanto.

Mark Zuckerberg, líder da Meta, empresa proprietária do Facebook, anunciou há dias, com doses apreciáveis de estrondo e energia, a intenção de terminar as parcerias editoriais que a empresa mantém há vários anos com os jornais norte-americanos de fact-checking.

Apesar de ser passível de discussão, a decisão de Zuckerberg é não só legítima como pouco ou nada surpreendente. Legítima porque a Meta é uma empresa privada e, nessa medida, é livre para fazer negócios com quem entende. Acredito demasiado nas virtudes da economia liberal para condenar decisões de gestão unicamente porque as lamento. Pouco surpreendente, porque esperada pelos espíritos mais atentos. Dias depois da sua eleição, Donald Trump foi cristalino sobre as suas intenções, ao ameaçar as Big Techs com o fim dos negócios bilionários que têm com o Estado, caso estas continuassem a colaborar com os fact-checkers norte-americanos.

Entre a espada e a parede, Zuckerberg escolheu a defesa dos seus interesses económicos imediatos, em detrimento do papel “sem precedentes” (palavras suas durante uma sessão no congresso americano) que o programa de fact-checking que agora termina nos Estados Unidos desempenhou na promoção da verdade na maior rede social do mundo. Business as usual, portanto.

Para quem ainda tivesse dúvidas sobre o que está em causa, Trump, fiel ao seu estilo, fez questão de as dissipar sem que aparentemente tenha pedido licença a Zuckerberg. Interrogado numa conferência de imprensa sobre se a decisão do fundador do Facebook teria sido uma consequência das suas ameaças, afirmou o que se segue: “Provavelmente.” Fim de citação.

Dito isto, é importante sublinhar três pontos:

  1. Tudo isto acontece na América – repito: na América

Ao contrário do que alguns órgãos mais desatentos têm veiculado, a medida aplicar-se-á apenas em solo norte-americano. Em nenhuma ocasião foi afirmado por Zuckerberg que se estenderá a outros quadrantes que não os Estados Unidos. Até poderá acontecer, mas nada foi dito nesse sentido – e poderia ter sido. Admito que falar e escrever sobre isso seja fascinante para alguns inimigos da verdade, portugueses incluídos, mas, no fim do dia, neste momento tudo se resume a um exercício – legítimo, há que admiti-lo – de onanismo especulativo.

  1. A Europa não é comparável aos Estados Unidos

Particularmente em relação ao continente europeu, avançar de forma precipitada com este tipo de iniciativa seria em simultâneo um risco e uma dor de cabeça. Um risco porque a regulação europeia é muito exigente com as tecnológicas no que respeita ao combate à desinformação. O Digital Services Act obriga as empresas a investir fortemente na moderação dos conteúdos das suas redes – e uma das ações apontadas como estratégicas é a promoção do fact-checking independente. Uma dor de cabeça porque as questões da regulação são processos altamente morosos que, se não forem tratados com pinças e paciência, podem resultar na aplicação de multas na ordem dos milhares de milhões. O que ganharia nos Estados Unidos, Zuckerberg perderia na Europa. No mínimo, se decidir replicar a decisão (e esse é um cenário que, pelo menos em tese, não deve ser descartado), terá de ser mais prudente.

  1. Este anúncio afeta o Polígrafo?

A resposta ao dia de hoje: não. Trata-se, repito, de uma medida a aplicar apenas nos Estados Unidos. Como não tenho a sorte de possuir uma bola de cristal, é-me impossível antever o que acontecerá no futuro, seja ele próximo ou longínquo. Mas há uma notícia que tenho para dar a este respeito: há menos de um mês, o Polígrafo renovou o seu contrato com a Meta por mais um ano. Renová-lo-á em 2026? Veremos.

Outra notícia sobre o mesmo tema: a empresa que detém o Polígrafo não depende da receita gerada pelo contrato com a Meta para ser sustentável. Aconteceu no passado; está longe de acontecer hoje, uma vez que temos vindo a prosseguir, com grande sucesso, uma estratégia de diversificação das fontes de financiamento.

É um facto que o acordo com a Meta chegou a representar mais de 90% da faturação da empresa – em 2023 ainda representou 77%. Porém, a realidade atual é bem diferente e refletir-se-á de forma muito evidente nas contas de 2024 (ainda por fechar definitivamente). Foi o melhor ano de sempre – e não só por ter sido o mais rentável. Ao longo de 2024 desenvolvemos projetos fascinantes que contribuíram largamente para que o nosso trabalho tivesse o alcance social que lhe dá um propósito único, impossível de ser descrito numa folha de Excel.

Entre as empresas e instituições com quem concretizámos parcerias estão, além da Meta, o Tik Tok (com quem assinámos um contrato para combater a desinformação na plataforma), a Google (no âmbito do Google Showcase e da Google News Initiative), a Fundação Gulbenkian (que nos atribuiu fundos para combater a desinformação sobre temas específicos), a Fundação Porticus (que financiou a criação do projeto Geração V, destinado a promover a literacia mediática entre os jovens), o Parlamento Europeu (com quem desenvolvemos uma ação de vários meses para sinalizar a desinformação sobre a Europa e as instituições europeias), a European Fact-Checking Standards Network, a International Fact-Checking Network, o Observatório Ibérico dos Média Digitais e muitos outros.

Todos juntos, estes parceiros contribuíram para que a empresa fosse, uma vez mais, lucrativa. Desde o primeiro ano que assim é. Em 2024, os lucros foram superiores aos de 2023 – e em 2023 foram superiores aos do ano anterior. As projeções atuais permitem-me dar uma terceira notícia: 2025 será ainda mais rentável do que 2024. O Polígrafo não padece da doença infantil do jornalismo português: os défices crónicos que, sejamos honestos, colocam em causa a liberdade editorial. Não há liberdade total sem lucro – mas sei que esta ideia é, tal como a decisão de Zuckerberg, passível de discussão.

2024 foi ainda o ano em que concretizámos uma grande ambição: a da internacionalização do Polígrafo, com a fundação do Polígrafo África, dirigido a todos os países africanos de língua oficial portuguesa. Menos de quatro meses depois do seu lançamento, já se pode dizer que é um sucesso notável. Diariamente marcamos a agenda no digital, estreámos esta semana um programa com o nosso nome numa das rádios mais ouvidas de Angola (a Luanda Antena Comercial) e, já no próximo mês, teremos também novidades televisivas – mas essa é uma notícia que terá de esperar mais uns dias.

O Polígrafo é um case study nacional e internacional. Prova disso são as dezenas de teses de licenciatura, mestrado e doutoramento já elaboradas sobre o projeto. Estamos na televisão, na rádio, no digital. Vamos voluntariamente a escolas secundárias e a universidades ensinar os jovens a sobreviver num ecossistema mediático em que ficção e realidade se confundem perigosamente. O nosso impacto é único: nas últimas eleições legislativas, um estudo realizado pelo ISCTE concluiu que o Polígrafo foi, na primeira semana da campanha, o órgão de comunicação social português mais viral no X, à frente de grandes outlets informativos como as várias estações de televisão ou de jornais de referência como o Observador, o Público ou o Expresso.

Resumindo, baralhando e concluindo: estamos bem. Estamos do lado certo e é nele que permaneceremos. Porque a verdade não se extingue. E, para alegria de muitos e angústia de uma pequena minoria, não vamos a lado nenhum.

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