Repito, para os que acham que não leram bem: Mário Machado devia ir todos os dias à televisão. A todas as televisões. Porque só a exibição crua e massiva da debilidade das suas “ideias” e da fragilidade do seu “pensamento” é uma ferramenta eficaz para combater aquilo em que aparentemente acredita – “aparentemente” porque, a menos que consideremos que ter “um país que defende os idosos” e que “respeita a autoridade” é todo um programa político que devemos considerar como tal, não é possível descodificar uma linha de raciocínio estruturado no discurso de Mário Machado.
Por ter permitido exibir o vazio embaraçoso do líder da “Nova Ordem Social”, a TVI não só não é digna de censura, como é merecedora de aplauso. Não é preciso ser um génio para notar que Mário Machado é um epifenómeno localizado e um homem que, tendo sido condenado pela prática de crimes graves (pelos quais, diga-se, já pagou a sua pena e isso não deve ser esquecido), possui um potencial eleitoral situado ao nível do subsolo. Mas é preciso ser razoavelmente distraído para pensar que a melhor forma de combater ideais anti-democráticos é fingir que eles não existem, vedando-lhes o acesso aos grandes outlets informativos e fazendo queixinhas à Entidade Reguladora da Comunicação.
Mário Machado não é um problema sério para a democracia portuguesa. Mas o universo em que habita quando não está nos estúdios da TVI é o maior dos desafios que a democracia enfrenta: o submundo das redes sociais como o Facebook ou o Youtube, e o das plataformas privadas utilizadas para a distribuição de desinformação, de que o WhatsApp é o exemplo maior, como o provou à saciedade o fenómeno Jair Bolsonaro no Brasil. O momento que teremos o nosso Bolsonaro (provavelmente mais jovem e mais urbano do que o novo presidente brasileiro) já esteve mais longínquo – e adivinhem onde ele vai nascer.
A melhor – embora não seja a única – forma de lutar contra os perigos que pululam levianamente nas redes sociais é trazê-los para a arena democrática, onde é possível fazer – como Manuel Luís Goucha fez, há que reconhecê-lo – o contraditório que lhes falta nas redes sociais. Não perceber isso é, como diria Jota Jota, conhecido pensador futebolístico, entender “bola” sobre o mundo em que vivemos.
Todos os dias são criadas novas páginas no Facebook que rapidamente atingem dezenas (ou centenas) de milhares de seguidores fiéis. Nelas, são violentamente propagados “valores” como o ódio racial, o desprezo pela democracia, pelas instituições e pelos políticos que temos. É um terreno sem regras: são fabricados memes com informação falsa, mas com um potencial viral sem limites; são escritos textos incendiários, talhados à medida de uma população descrente; são reveladas informações “escandalosas” sobre o passado e o presente alegadamente “corrupto” dos políticos, que nada têm de verdadeiro – ou, ainda pior, que partem de algo de verosímil para construir narrativas conspirativas cujo objetivo último é descredibilizar o menos mau dos sistemas conhecidos de governação.
Tudo isto está a acontecer à velocidade da luz em Portugal e no resto do mundo. Tenho participado em vários fóruns de reflexão internacional sobre o advento da era da desinformação, a delinquência ideológica que se multiplica nas redes sociais e as estratégias de combate a estas formas de expressão radicais que ameaçam a democracia. Se, na próxima conferência online (que é onde decorre a maioria destas discussões) informar os meus colegas de painel que em Portugal se montou um arraial público porque alguém com o perfil de Mário Machado foi convidado para um programa televisivo, todos farão um esforço para esconder um sorriso trocista. Porque todos, sem exceção, já cristalizaram a convicção de que a melhor – embora não seja a única – forma de lutar contra os perigos que pululam levianamente nas redes sociais é trazê-los para a arena democrática, onde é possível fazer – como Manuel Luís Goucha fez, há que reconhecê-lo – o contraditório que lhes falta nas redes sociais. Não perceber isso é, como diria Jota Jota, conhecido pensador futebolístico, entender “bola” sobre o mundo em que vivemos.