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Os dois anos do Polígrafo no dia em que o “reality show” de Trump chega ao fim

Este artigo tem mais de um ano
Há quatro anos Donald Trump reuniu os seus colaboradores numa sala e disse-lhes:  “Pensem cada dia como um episódio de um programa de televisão no qual derrotam os vossos rivais.” Poucos dias antes, vencera Hillary Clinton na corrida à Casa Branca, depois de uma campanha caracterizada por uma lógica profundamente ficcional em que Trump não […]

Há quatro anos Donald Trump reuniu os seus colaboradores numa sala e disse-lhes:  “Pensem cada dia como um episódio de um programa de televisão no qual derrotam os vossos rivais.” Poucos dias antes, vencera Hillary Clinton na corrida à Casa Branca, depois de uma campanha caracterizada por uma lógica profundamente ficcional em que Trump não era um político – era o ator principal de um reality show que entretanto capturara, com um misto de espanto e pavor, a imprensa americana e mundial.

Na altura acompanhei a campanha muito de perto enquanto jornalista. Não era difícil perceber que estávamos perante o nascimento de algo totalmente diferente – nos princípios, nos meios e nos fins. Nunca como em 2016 se utilizou de forma científica o poder que as redes sociais – com o Twitter e o Facebook à cabeça – possuem enquanto instrumentos de disseminação de mensagens, deixando a larga distância figuras como Franklin Roosevelt, que utilizou a rádio de forma muito eficaz nos anos 1930, John F. Kennedy, que foi o rei dos debates televisivos três décadas depois, ou, mais recentemente, Barack Obama, o primeiro presidente americano da era digital. Nenhum teve um efeito transformador tão impressionante quanto a estrela do “Aprendiz”.

Componente nuclear na narrativa do show de Trump foi a eleição da imprensa como o inimigo público número um. Neste particular nada trouxe de novo – inventar inimigos, sejam eles reais ou imaginários, é um clássico da política. Na revolução francesa os “inimigos do povo” foram a justificação para a utilização da guilhotina. Na terminologia soviética, a mesma expressão foi utilizada num decreto assinado por Lenine para mandar prender – e depois matar – os “contrarrevolucionários”.

No universo de Trump todos os media são inimigos, mas uns são mais do que outros. E, entre estes, o estranho protagonista dessa campanha de 2016 não se cansou de apontar os jornais de fact-checking, que fizeram um trabalho notável na verificação das suas milhares de mentiras, como as caras mais visíveis – juntamente com o New York Times e a CNN – da suposta conspiração universal que estava em curso contra si.

Com os seus ataques virulentos, Trump transformou o jornalismo de verificação de factos numa das estrelas maiores da campanha. Percebeu-se então o papel central que podiam desempenhar num período histórico altamente polarizado, em que a verdade se tornara tão escassa e relativa.

Foi então que decidi abandonar a revista onde trabalhava. Tinha 43 anos, 21 de carreira, e precisava de cumprir uma ambição antiga. Pessoa escreveu um dia que “alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho; outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a ele também”. Escolhi não ter falta de comparência – e criar o Polígrafo pareceu-me a forma mais eficaz de estar presente.

Hoje, ironicamente o dia em que a derrota de Trump se tornou numa evidência estatística, somos mais do que um jornal online: somos um programa de televisão, um programa de rádio, um centro de reflexão sobre jornalismo e inovação e um farol de qualidade que tem inspirado dezenas de estudantes de jornalismo e numerosos académicos, em Portugal e no estrangeiro, na realização das suas teses de licenciatura, mestrado e doutoramento.

Nos dois anos que se seguiram foram muitas as portas que se abriram e fecharam e foram ainda mais as ideias que nasceram e caíram – até que, no dia 6 de novembro de 2018, o Polígrafo foi finalmente lançado na Web Summit.

Desde então, o caminho que fizemos é conhecido de todos. Hoje, ironicamente o dia em que a derrota de Trump se tornou numa evidência estatística, somos mais do que um jornal online: somos um programa de televisão, um programa de rádio, um centro de reflexão sobre jornalismo e inovação e um farol de qualidade que tem inspirado dezenas de estudantes de jornalismo e numerosos académicos, em Portugal e no estrangeiro, na realização das suas teses de licenciatura, mestrado e doutoramento. Não há nenhum curso de jornalismo nas universidades portuguesas em que o Polígrafo não seja apresentado como caso de estudo – e é provavelmente essa (e não os numerosos prémios que vencemos pelo caminho) a maior das nossas conquistas.

Seguem-se muitos projetos, alguns deles já em curso. Tentaremos ser todos os dias menos imperfeitos a fazer o que fazemos. Vamos também dedicar-nos com afinco à promoção da literacia mediática entre os jovens estudantes de todo o país porque é igualmente essa a nossa responsabilidade. E vamos entrar, carregados de ilusão, no espantoso domínio da inteligência artificial – mas sobre isto falaremos mais tarde.

Amanhã começa o nosso ano 3. 

Permaneça por aí.

 

 

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