Perante os previsíveis cortes no abastecimento de gás natural proveniente da Rússia, a Comissão Europeia propôs a redução de 15% no consumo desse recurso energético no período entre 1 de agosto de 2022 e 31 de março de 2023. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, começou por sublinhar que o Plano Europeu de Redução da Procura de Gás não tem em conta “as especificidades regionais“, pelo que “Portugal vai rejeitar a proposta se ela for apresentada nestes termos”.
No entanto, os ministros da Energia da União Europeia chegaram ontem a um acordo em Bruxelas, embora reduzindo a meta de poupança de 45 para 30 mil milhões de metros cúbicos de gás natural e tendo em conta as especificidades dos Estados-membros, desde logo ao estabelecer algumas isenções e a possibilidade de pedidos de derrogação.
Tudo começou quando a Comissão Europeia aconselhou os Estados-membros da União Europeia a “pouparem gás para garantirem um Inverno em segurança“, ao apresentar mais uma medida do plano “REPower EU” no dia 20 de julho. Quase imediatamente, Portugal rejeitou a proposta, porque, segundo o ministro do Ambiente e da Ação Climática, a mesma “não serve os interesses do nosso país“.
O “REPower EU” surgiu na sequência da invasão da Ucrânia por forças militares da Rússia, com o objetivo de neutralizar a dependência dos Estados-membros da União Europeia relativamente aos combustíveis fósseis provenientes da Rússia.
“O plano contempla medidas para diversificar os fornecedores de energia, assegurar a poupança de energia e a eficiência energética, bem como acelerar a implantação de energias renováveis. A União Europeia adotou igualmente legislação que exige que o armazenamento subterrâneo de gás da União Europeia fique abastecido até 80% da sua capacidade total até ao dia 1 de novembro de 2022, de modo a garantir o aprovisionamento necessário para o próximo Inverno”, explica a Comissão Europeia em comunicado de 20 de julho.
Como a Rússia “tem estado a utilizar as suas exportações de gás como arma”, a Comissão Europeia decidiu propor um conjunto de medidas que visam aumentar “a resiliência do mercado energético europeu”. Foi assim estabelecida uma meta de contenção da procura de gás, para reduzir até 15% o consumo na União Europeia, entre 1 de agosto de 2022 e 31 de março de 2023.
No dia seguinte, Duarte Cordeiro anunciou que Portugal iria rejeitar a proposta nos termos em que foi apresentada. Para justificar a decisão, o ministro do Ambiente e da Ação Climática sublinhou que a Comissão Europeia “impõe uma restrição, sabendo que essa restrição não disponibiliza gás para outros países, porque nós [Portugal] temos, como é do conhecimento público, fracas interligações de gás com os restantes países da União Europeia. Portanto, esta limitação não significa uma disponibilização imediata de gás para outros países […]. Aliás, foi isso que justificou que se criasse um mecanismo específico para Portugal e Espanha relativamente ao mercado de eletricidade”.
“Em segundo lugar, Portugal, devido à seca, produz menos energia hídrica, o que obriga a produzir mais energia por gás e, como tal, tem aspetos específicos que devem ser tidos em conta do ponto de vista europeu […]. O ano grave de seca obriga-nos a ter produção de energia hídrica abaixo daquilo que é a média dos últimos anos”, acrescentou.
Porque é que uma redução de 15% não seria viável para Portugal?
Questionado pelo Polígrafo sobre esta matéria, Rui Baptista, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), começa por salientar que “a fragilidade de Portugal no que à energia diz respeito é ainda maior do que no resto da Europa. Dependemos totalmente da importação de combustíveis fósseis para assegurar estabilidade do fornecimento energético que as fontes renováveis não conseguem assegurar“.
Tal como foi referido pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, o professor da FCUL também indica que o período de seca que o país atravessa dificulta a produção de energia elétrica de origem hídrica. Baptista explica que “as outras fontes alternativas com peso significativo – solar e eólica – são intermitentes e as geradoras de energia a partir de biomassa, além de não serem tão flexíveis como as barragens ou centrais a gás natural, são insuficientes para a produção de energia elétrica capaz de satisfazer as necessidades do país”.
Na perspetiva de Baptista, as reações do Governo perante esta medida são “compreensíveis” e “justificáveis“. Caberá ao Governo de Portugal “gerir a situação no relacionamento com a Europa e às empresas importadoras o relacionamento com os habituais fornecedores com exclusão da Rússia”, defende.
Contudo, “pode-se antever um aumento dos preços, sobretudo com a chegada do Inverno, quer pela disputa comercial do GNL posto no mercado pelos países produtores, quer pela disponibilidade dos navios transportadores”.
Há alternativas ao gás natural disponíveis no curto prazo?
De acordo com Rui Batista, “Portugal não tem atualmente alternativas ao gás natural utilizado na produção de energia elétrica”, “as centrais a carvão foram descomissionadas” e “a produção de energia de fonte hídrica poderá estar fortemente condicionada se não chover antes da época mais fria”.
Por sua vez, a utilização do carvão deverá ser excluída “pelo efeito negativo que teria na estratégia de descarbonização do setor energético, mas sobretudo pelo descomissionamento do aparelho produtor baseado na queima de carvão”. Aliás, “a reabilitação do mesmo será altamente improvável também pelo lado operacional”, aponta o especialista da FCUL.
Já as soluções de energias renováveis, “sendo minimizadoras da escassez de outras fontes, não as substituem em termos de flexibilidade, estabilidade e segurança de abastecimento”, garante. Além disso, a curto prazo não são alternativas. De resto, “o consumo de petróleo para abastecer centrais térmicas é possível mas é também mais caro, menos eficiente e mais poluidor do que as centrais a gás natural”, adverte.
Sublinhando a necessidade de “encontrar verdadeiras alternativas energéticas em termos de médio e longo prazo”, Baptista realça que não se pode deixar de ter em conta que “as alternativas vão muito provavelmente sentir-se na pele e na bolsa dos portugueses“.
Acordo firmado possibilita isenções e pedidos de derrogação
No dia 26 de julho, após nova reunião dos ministros da Energia em Bruxelas, os Estados-membros da União Europeia chegaram a um acordo político sobre uma redução voluntária da procura de gás natural em 15% para o próximo Inverno. A diferença é que desta vez “o Conselho especificou algumas isenções e a possibilidade de solicitar uma derrogação ao objetivo obrigatório de redução, a fim de refletir as situações particulares dos Estados-membros e assegurar que as reduções de gás sejam eficazes para aumentar a segurança do aprovisionamento na União Europeia”, informa-se em comunicado da Comissão Europeia.
Uma das razões apontadas previamente pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática de Portugal, que levou o país a rejeitar o acordo inicial, consistia nas fracas interconexões de gás com outros Estados-membros. Ora, na reformulação do acordo, a Comissão Europeia concordou que “os Estados-membros que não estão interligados com as redes de gás de outros Estados-membros estão isentos de reduções obrigatórias de gás, uma vez que não poderiam libertar volumes significativos de gás de gasoduto em benefício de outros Estados-membros”.
Além disso, os países cujas redes elétricas não estão sincronizadas com o sistema elétrico europeu e dependem fortemente do gás para a produção de eletricidade estão também isentos, “de forma a evitar o risco de uma crise de fornecimento de eletricidade“. Assim, estão isentos de reduções obrigatórias todos os países que estiverem fortemente dependentes do gás como matéria-prima e o que têm fracas interligações de gás, como Portugal.