Após ter afirmado, em entrevista à “Rádio Observador”, que entrar num novo período de austeridade após a pandemia do novo coronavírus, seria “contraproducente para a retoma”, o primeiro-ministro António Costa declarou em entrevista mais recente ao jornal “Expresso” (edição de 18 de abril) que não pode garantir que não haverá cortes severos na despesa – mas também deixou a porta aberta para a possibilidade de eles não se verificarem.
Sobre esta matéria, o Polígrafo questionou cinco vozes autorizadas: Joaquim Sarmento, professor de Economia e porta-voz do PSD para as Finanças; Francisco Louçã, professor de Economia e ex-líder do Bloco de Esquerda; António Saraiva, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal; Luís Duque, professor de Economia; e João Carvalho das Neves, também ele docente de Economia.
A opinião é quase unânime: será muito difícil não haver medidas de austeridade num cenário cujas consequências ainda é impossível determinar com rigor – Mário Centeno classificou-o de “inimaginável”. O que se sabe é que será muito difícil – bem mais do que aquele com que os portugueses tiveram de lidar no período da troika.
Para Joaquim Sarmento ainda é cedo para ter respostas definitivas. Tudo depende de duas questões. Primeira: “Qual é o impacto estrutural que esta crise vai ter na economia? Ou seja, qual é a destruição de capital, de valor e de emprego que isto vai ter de forma permanente?” Segunda: “Como é que nós vamos financiar e gerir o aumento da divida pública que vai ser pelo menos 15 a 20 pontos percentuais do PIB (no mínimo)?”
A resposta cabal a estas duas questões determinará se a austeridade “será maior ou menor à do período da troika”. Isto porque “Se o impacto estrutural for reduzido e se não houver turbulência nos mercados por causa deste aumento da dívida pública (que vai acontecer nos países todos, mas que obviamente vai colocar pressão) então as correções dos desequilíbrios orçamentais são mais reduzidas. Se o impacto estrutural for muito grande e o financiamento da dívida mais tarde gerar turbulência nos mercados financeiros, não só por causa da nossa dívida, mas por causa do aumento da dívida dos países em geral (Itália, Grécia Espanha), aí o ajustamento orçamental terá de ser maior.”
“Posso não lhe chamar austeridade e chamar-lhe sacrifício. Será complicado com o aumento da despesa que o Estado está a ter e com a que vai aumentar, quer no reforço da saúde, quer no apoio social que está a ser prestado e que tendencialmente vai crescer”, diz António Saraiva, presidente da CIP.
António Saraiva, presidente da Confederação dos Industriais Portugueses, é mais concludente sobre a inevitabilidade do regresso do fantasma da austeridade: “Posso não lhe chamar austeridade e chamar-lhe sacrifício. Será complicado com o aumento da despesa que o Estado está a ter e com a que vai aumentar, quer no reforço da saúde, quer no apoio social que está a ser prestado e que tendencialmente vai crescer, não vejo como é que isto em termos de aumento da despesa – se não for compensado com receita – qual é o milagre que o governo vai fazer.”
De qualquer modo essa é uma resposta que só teremos mais tarde: “Não sabemos se será maior ou menor à do período da troika, dependerá do tempo que durar a pandemia, do número de pessoas que serão afetadas e do que isso vai exigir, do confinamento em casa e não trabalho, os campos de produtividade, os apoios do estado, enfim, dependendo da duração temporal e da quantidade de pessoas, teremos uma dimensão daquilo que teremos de vir a compensar.”
Para Francisco Louçã, “Portugal vai ter mais do dobro do défice este ano”. E nos próximos anos, acrescenta, “se a emissão de juros for cara, é claro que o Governo vai ser pressionado para aplicar medidas de austeridade (nos salários, impostos, etc). O primeiro-ministro quer a todo o custo evitar a repetição das medidas de austeridade, porque na verdade ele chegou ao Governo com a promessa de acabar com elas”.
De qualquer forma, esclarece o ex-líder bloquista, “é cedo para dizer se a austeridade é inevitável. Nas condições atuais parece haver fatores muito fortes nesse sentido, se não houver acordo na UE vai haver uma pressão muito grande para medidas de austeridade. Resta saber o que acontece, porque agora há um jogador poderoso que é a Itália. Tem um poder que Portugal não tem. A Itália poderia provocar um choque na UE portanto o resultado disso é muito imprevisível. Se ficarem as soluções do euro grupo, estamos tramados. Se houver outras alternativas, logo se vê.”
Para o ex-líder bloquista, “é cedo para dizer se a austeridade é inevitável. Nas condições atuais parece haver fatores muito fortes nesse sentido, se não houver acordo na UE vai haver uma pressão muito grande para medidas de austeridade.”
Louçã lê as reservas expressas publicamente pelo primeiro-ministro como uma jogada política. “A austeridade é a pior solução possível para esta crise, a pior de todas, e nisso ele tem razão. Foi mau em 2011 e seria muito pior agora porque a recessão é mais grave. A austeridade é uma forma de agravar a recessão, reduzir os salários, reduzir a vida das pessoas para conseguir ampliar a margem de lucro. Ele sabe disso e sabe que isso tem uma leitura política e social. Na política a coerência é muito importante. Depende muito da margem de manobra que se consiga ao nível do Euro”, afirma.
Quanto a Luís Duque, alinha pelo mesmo diapasão de António Saraiva: “Claro que vai haver austeridade, não pode deixar de haver. Só não há austeridade se Portugal crescer numa taxa estupidamente elevada de maneira a que faz face a todos os compromissos, reembolsa tudo e não se nota absolutamente nada.” O professor universitário considera que “com o nível de dívida que temos, se Portugal começa a fazer a mínima asneira, o mercado seca-se. E depois ele faz aquilo que a UE disser para fazer. Se nós não superarmos muito este nível, é possível que consigamos sair com um aperto aceitável. Caso contrário, esqueça”.
Luís Duque não tem dúvidas: “Claro que vai haver austeridade, não pode deixar de haver. Só não há austeridade se Portugal crescer numa taxa estupidamente elevada de maneira a que faz face a todos os compromissos, reembolsa tudo e não se nota absolutamente nada.”
João Carvalho das Neves é mais prudente, mas afirma que “alguém vai ter de pagar a acumulação de dívida. De uma forma mais suave ou mais abrupta. Tendo em conta a política deste Governo, acredito que as classes com maiores rendimentos terão de se preparar para ter alguma subida de impostos. O dinheiro que vai ser usado neste período de crise vai ter de ser devolvido porque é emprestado. Portanto, o governo vai ter de arranjar formas de financiamento para fazer esse pagamento. Essa forma de financiamento só pode vir através de impostos.”
Tendo em conta as opiniões ouvidas, o Polígrafo conclui que ainda é cedo para prever exatamente a dimensão das medidas de austeridade para fazer face à crise que se avizinha, uma vez que depende de muitos factores que neste momento ainda não é possível medir com rigor. Uma certeza, porém, existe: seria necessário ocorrer um milagre para que a austeridade não regressasse – e já este ano.