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Cine-Check: “Sozinho em Casa”

Este artigo tem mais de um ano
Completando em 2020 trinta anos sobre a estreia, o filme que relata as aventuras de Kevin foi a mais lucrativa comédia em imagem real da história do cinema até ser ultrapassada por "A Ressaca II" em 2011. O retrato da personagem interpretada por Macaulay Culkin, berrando com as mãos colocadas no rosto face à ameaça dos inefáveis Harry e Marv, tornou-se uma das imagens icónicas globais dos anos 90.

“Sozinho em Casa” (1990), o filme de natal contemporâneo por excelência – esta comédia está para os anos 90 e 2000 como “Do Céu Caiu Uma Estrela” (1946) para os anos 60 a 80 -, é a história de Kevin, um miúdo de oito anos (Macaulay Culkin, então com dez) acidentalmente abandonado pela família em casa, nos subúrbios confortáveis de Chicago, durante a quadra natalícia. 

Enquanto os pais Peter e Kate (John Heard e Catherine O’Hara), os tios e os numerosos primos (entre eles Fuller, o mais novo, interpretado por Kieran Culkin, um dos seis irmãos de Macaulay na vida real, hoje figura de proa na série da HBO “Sucession”) seguem de avião rumo a Paris, após confundirem Peter com um rapaz vizinho na pressa caótica da partida para o aeroporto, passando as festas na capital francesa, o delfim do clã terá de enfrentar um duo de ladrões, Harry e Marv (Joe Pesci e Daniel Stern), tão rude como desastrado, resistindo a todas as investidas destes com recurso à imaginação e ao engenho – as armadilhas que Kevin concebe para tramar Harry e Marv são essenciais ao humor e ao êxito do filme. 

A ideia original

Completando em 2020 trinta anos sobre a estreia, “Sozinho em Casa”, dirigido por Chris Columbus – um protegido de Steven Spielberg que realizaria “Papá Para Sempre – Mrs Doubtfire” e “Harry Potter e a Pedra Filosofal” – a partir de um guião de John Hughes (um dos mais importantes autores humorísticos dos anos 80, responsável pela emergência de uma geração de actores adolescentes, o brat pack e realizador de “Pretty in Pink” ou “The Breakfast Club“), tornou-se a mais lucrativa comédia em imagem real da história do cinema até ser ultrapassada por “A Ressaca II” em 2011. 

Completando em 2020 trinta anos sobre a estreia, “Sozinho em Casa”, dirigido por Chris Columbus – um protegido de Steven Spielberg que realizaria “Papá Para Sempre – Mrs Doubtfire” e “Harry Potter e a Pedra Filosofal” – a partir de um guião de John Hughes (um dos mais importantes autores humorísticos dos anos 80, responsável pela emergência de uma geração de actores adolescentes, o brat pack e realizador de “Pretty in Pink” ou “The Breakfast Club”), tornou-se a mais lucrativa comédia em imagem real da história do cinema até ser ultrapassada por “A Ressaca II” em 2011. 

Com um orçamento de 14,7 milhões de euros (valores de 1990) e produzido pela 20th Century Fox após a Warner Brothers ter recusado um orçamento inicial de 10 milhões (os responsáveis da Warner consideraram então que as hipóteses comerciais da longa-metragem não justificavam o investimento), “Sozinho em Casa” arrecadaria 13,8 milhões logo no fim de semana de estreia nos EUA (18 a 20 Novembro), acumulando 232,5 milhões de receitas domésticas e, ao fim de uma longa vigência de oito meses nas salas, 388,8 milhões de euros em proveitos por todo o mundo. 

O retrato de Kevin/Macaulay Culkin, berrando com as mãos colocadas no rosto face à ameaça dos inefáveis Harry e Marv, tornou-se uma das imagens icónicas globais dos anos 90, alçando Macaulay Culkin, nascido em 1980, ao estatuto de superestrela infantil, o que depressa se tornaria uma (curta) bênção e uma (longa) maldição. 

Sendo um produto popular de pura ficção, a partir de um argumento original do prolífico John Hughes (entre séries televisivas e longas-metragens para cinema, Hugues escreveu 40 títulos em duas décadas, morrendo aos 59 anos em Agosto de 2009), “Sozinho em Casa” colheu alguma inspiração na realidade. 

Em entrevistas promocionais do filme, o director Chris Columbus confessou que parte do motivo que o levou a aceitar o projecto do filme (além de estar desesperado por trabalhar depois de um falhanço anterior nas bilheteiras) foi o medo de ladrões que tinha desde miúdo. Com efeito, a génese de “Sozinho em Casa” surgiu da consciência de John Hughes desse pavor infantil, como então relatou à imprensa: “Estava prestes a ir de férias, a fazer uma lista mental das coisas de que não me poderia esquecer. Lembrei-me que não seria conveniente se me esquecesse dos filhos. Mas se, por algum motivo, deixasse para trás o meu filho de 10 anos? O que faria ele?” A hipótese levou-o a escrever com rapidez oito páginas de notas, que dariam origem à primeira versão do argumento de “Sozinho em Casa”.

Com efeito, a génese de “Sozinho em Casa” surgiu da consciência de John Hughes desse pavor infantil, como então relatou à imprensa: “Estava prestes a ir de férias, a fazer uma lista mental das coisas de que não me poderia esquecer. Lembrei-me que não seria conveniente se me esquecesse dos filhos. Mas se, por algum motivo, deixasse para trás o meu filho de 10 anos? O que faria ele?” A hipótese levou-o a escrever com rapidez oito páginas de notas, que dariam origem à primeira versão do argumento de “Sozinho em Casa”.

O enorme sucesso do filme deu origem a quatro sequelas (cujo orçamento e qualidade foi decrescendo). Ao contrário das seguintes, a primeira delas, “Sozinho em Casa 2: Perdido em Nova-Iorque”, foi um triunfo considerável. De novo com a dupla Chris Columbus/John Hughes ao leme e reunindo quase todo o elenco original (incluindo Daniel Stern e Joe Pesci, que voltam a tentar atormentar Kevin, com resultados de novo desastrosos para o seu próprio bem-estar), esta continuação garantiu 292, 8 milhões de dólares nas bilheteiras globais. 

De acordo com o argumentista William Goldman (“Os Homens do Presidente”, “Misery”), o grande sucesso de “Sozinho em Casa” deu origem a uma nova expressão na indústria de produção cinematográfica em Hollywood: quando um filme tem as suas receitas de bilheteira muito prejudicadas por um concorrente que estreia em simultâneo, esse filme  é “Home Aloned” (“Home Alone” é o título original de “Sozinho em Casa”).  

A vida de Macaulay Culkin

A sucessão de triunfos e uma popularidade espantosa na primeira metade dos anos 90 levariam o pré-adolescente Macaulay Culkin a uma intensa agenda de produções – dez longas-metragens em apenas quatro anos -, incluindo a comédia melodramática “My Girl”, o thriller “O Bom Filho” e uma nova tentativa (agora falhada) de blockbuster, “O Riquinho”. Antes de completar os quinze anos, Culkin decidiu parar, desejando “uma vida normal”, segundo testemunhos então prestados. Mas, como em muitos outros casos de crianças-actores (de Shirley Temple a Gary Coleman), a normalidade foi tudo menos fácil de atingir. 

Aos 18 anos,  Macaulay casou com a actriz Rachel Miner, de quem se divorciaria apenas dois anos depois. A 10 de Maio de 2000, Jennifer Adamson, a meia-irmã do actor, morreu de overdose e, a 10 de Dezembro de 2008, Dakota, a sua irmã mais velha, morreu de complicações de saúde provocadas por um atropelamento. 

Aos 18 anos,  Macaulay casou com a actriz Rachel Miner, de quem se divorciaria apenas dois anos depois. A 10 de Maio de 2000, Jennifer Adamson, a meia-irmã do actor, morreu de overdose e, a 10 de Dezembro de 2008, Dakota, a sua irmã mais velha, morreu de complicações de saúde provocadas por um atropelamento. 

Quatro anos antes, Culkin fora preso em Oklahoma City por possessão de 17 gramas de marijuana e de doses de Alprazolam e Clonazepam muito acima da lei, terminando com três penas de prisão suspensas de um ano cada.

Pouco depois da rodagem de “Sozinho em Casa”, tornara-se amigo de Michael Jackson, com quem rodou o videoclip do tema “Black or White”. No julgamento de Jackson por abuso de menores em 2005, defenderia o cantor, testemunhando que dormira com ele na mesma cama mas “nada acontecera”. Manteve sempre a convicção da inocência da superestrela, tornando-se mesmo padrinho de Paris, Prince e Michael Jr., os filhos de Jackson.   

Quase uma década após a retirada precoce, Culkin regressaria ao cinema, com resultados, no melhor, irregulares e, no pior, desastrosos (para amenizar a amargura, foi namorado de Mila Kunis entre 2002 e 2010). Fez sátiras sem espectadores, spots publicitários para seguradoras, promoções de wrestling, episódios de obscuras web series, filmes de vanguarda pouco inspirados e um vídeo tornado viral graças à voracidade com que comia uma pizza de queijo, este último como manobra de marketing para o lançamento da sua ‘banda de rock cómico’ (sic), “The Pizza Underground”. O grupo foi um fracasso, e há relatos noticiosos de concertos onde os insultos e os lançamentos de cerveja o obrigaram a sair de palco. 

A 19 de Dezembro de 2018, retomou por umas horas o papel de “Sozinho em Casa” num anúncio de 60 segundos do Google Assistant, onde a inteligência artificial do gigante da Net o ajuda a controlar remotamente a casa e a protegê-la contra furtos. 

Pelo menos o sentido de humor não o abandonou por completo: no mesmo mês, anunciou, após consulta popular, a mudança legal do seu nome para “Macaulay Macaulay Culkin Culkin” e, a 26 de Agosto passado, publicou um tweet a propósito do seu aniversário: “Querem sentir-se velhos? Fiz hoje 40 anos. Não têm nada que agradecer”. 

Pelo menos o sentido de humor não o abandonou por completo: no mesmo mês, anunciou, após consulta popular, a mudança legal do seu nome para “Macaulay Macaulay Culkin Culkin” e, a 26 de Agosto passado, publicou um tweet a propósito do seu aniversário: “Querem sentir-se velhos? Fiz hoje 40 anos. Não têm nada que agradecer”.

Talvez um regresso à boa-forma esteja iminente, três décadas depois. Em Fevereiro último, o showrunner Ryan Murphy (“Glee”, “American Crime Story”, “Ratched”) anunciou que escolhera Macaulay Culkin para integrar o elenco fixo da décima temporada da série premiada da Fox “American Crime Story”, a estrear em 2021. 

Em nova prova de resistência da popularidade do seu maior êxito, vários fãs de “Sozinho em Casa”, face à aproximação do Natal, acorreram às redes sociais em meados deste mês com a descoberta da prova definitiva do motivo pelo qual Peter e Kate McCallister deixaram Kevin para trás na viagem natalícia: depois de Kate mandar Kevin para o quarto como castigo pela confusão que tramou com um dos irmãos à hora de jantar (é uma acusação infundada), Peter limpa a mesa, deitando fora, sem se aperceber, o bilhete de avião de Kevin com os guardanapos (há um plano fugaz do bilhete no caixote do lixo que o confirma). A pressa e os equívocos com um vizinho fariam o resto.  

A importância de Joe Pesci e Daniel Stern

Recentemente, Chris Columbus deu a entender que, há cerca de uma década, se levantou a hipótese de produzir uma sequela de “Sozinho em Casa” cuja acção decorreria vinte anos depois do original, com Kevin/Macaulay Culkin como pai de um miúdo que é, agora ele, atormentado pelos mesmíssimos gatunos, Marv (Daniel Stern) e Harry (Joe Pesci). A possibilidade nunca passou de algumas conversas não-oficiais. 

Joe Pesci, actor regular nos projectos de Martin Scorsese (“O Touro Enraivecido”, “Casino”, “O Irlandês”) é um dos ídolos de Columbus, que rogava a Pesci a repetição entre takes do conhecido monólogo de “Tudo Bons Rapazes” (“Sou engraçado como?” antes de uma arrepiante erupção de violência) durante as filmagens de “Sozinho em Casa”. Pesci, habituado a papéis de mafioso temível, esquecia-se tantas vezes de não blasfemar na rodagem das suas cenas que Chris Columbus lhe pediu para substituir a palavra “fuck” por “fridge” (frigorífico). 

Como os ladrões Harry e Marv eram alvo de sucessivas sevícias por Kevin durante os esforços de invasão da casa, também Daniel Stern não escapou ao vernáculo – há mesmo um “shit” que ficou registado na versão definitiva, quando Marv tenta retirar a bota da porta do cão. 

Tanto Stern como Pesci não acreditavam nas potencialidades comerciais do projecto, o que os levou a optar por interpretações excessivas – elas contribuiriam para o tom e o sucesso do filme. 

Tanto Stern como Pesci não acreditavam nas potencialidades comerciais do projecto, o que os levou a optar por interpretações excessivas – elas contribuiriam para o tom e o sucesso do filme. 

Durante os ensaios da cena em que Harry tenta arrancar à dentada o dedo de Kevin, Joe Pesci mordeu mesmo Macaulay Culkin, deixando-lhe uma cicatriz que dura até hoje.

A casa de três andares do nº 671 da Lincoln Avenue em Winnetka, nos subúrbios a norte de Chicago, Illinois, onde os exteriores e parte dos interiores domésticos de “Sozinho em Casa” foram filmados, ainda hoje é reconhecida por turistas e curiosos, que tentam fotografá-la e tirar selfies. Os proprietários de imóveis na zona admitem que a agitação é maior no período do Natal, o que já levou ao apagamento temporário do nº 671 no Google Maps.  

 

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