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Verdadeiro ou falso? As entrevistas de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos em seis verificações de factos

Ações do Millennium BCP valorizaram para o triplo desde a entrada em funções do Governo da Aliança Democrática? Pedro Nuno Santos avisou sempre que o PS chumbaria uma moção de confiança? Luís Montenegro só criou a empresa Spinumviva depois de ter sido eleito Primeiro-Ministro? Estas e outras dúvidas são aqui esclarecidas pelo Polígrafo.

Luís Montenegro: “Se eu tivesse mantido essas ações [do BCP], elas já tinham valorizado mais três vezes”

Na reta final da entrevista à TVI, Luís Montenegro fez questão de revelar que ganhou mais-valias de cerca de 200 mil euros com a venda de ações do Millennium BCP, uma semana antes de tomar posse como Primeiro-Ministro em abril de 2024.

“Em 1998 eu comprei umas ações do BPA [Banco Português do Atlântico]”, começou por recordar Montenegro. Ora, “mais tarde”, depois de ter vendido essas ações (do BPA entretanto absorvido pelo Banco Comercial Português – BCP) com “uma mais-valia ainda razoável”, acabou por “fazer uma asneira que foi retomar a compra de ações do BCP“, um investimento que manteve “nos últimos 10 a 12 anos”.

“Eu decidi vender essas ações na semana anterior a ter tomado posse como Primeiro-Ministro. Vendi essas ações e tive até uma mais-valia muito significativa (…) de cerca de 200 mil euros. E decidi vender essas ações porque entendi que apesar de isto vir desde 1998, entendi que como Primeiro-Ministro não devia ter ações de uma entidade cotada na bolsa”, afirmou Montenegro.

Para depois concluir: “Se eu tivesse mantido essas ações, elas já tinha valorizado mais três vezes.”

Esta última alegação tem fundamento? Em abril de 2024, quando Montenegro tomou posse do cargo de Primeiro-Ministro, as ações do Millennium BCP estavam valorizadas em bolsa a 0,31 cêntimos de euro. Entretanto, a 10 de março de 2025, fecharam no valor de 0,53 cêntimos de euros.

Ou seja, no período temporal em causa regista-se uma valorização próxima do dobro (no dia 21 de fevereiro atingiram mesmo um pico de 0,55 cêntimos de euro), mas ainda assim relativamente distante do triplo evocado por Montenegro.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso.

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Luís Montenegro garantiu sempre que foi claro nas explicações sobre o caso Spinumviva mas agora reconhece que cometeu “erros na comunicação”?

No início da entrevista à TVI, questionado sobre se cometeu “um erro”, ou pelo menos foi “imprudente” ao manter a ligação à empresa Spinumviva (através da sua mulher, com quem está casado em comunhão de adquiridos) quando assumiu o cargo de Primeiro-Ministro, a resposta de Montenegro foi a seguinte: “Creio que não.”

Já na fase final, questionado sobre se “não faz um mea culpa“, acabou por ceder, afirmando: “Faço. E com certeza que se calhar cometi alguns erros na comunicação. Se calhar podia ter correspondido a ímpetos de ter feito intervenções mais vezes. Mas cada um tem o seu estilo, eu tenho o meu.”

O facto é que, anteriormente, Montenegro insistiu sempre na ideia de que já tinha dado todas as explicações e de forma clara sobre o caso da empresa Spinumviva. Por exemplo, no dia 1 de março, ao anunciar que o Governo iria apresentar uma moção de confiança, o Primeiro-Ministro assegurou que já tinha prestado no Parlamento (quando foi votada a moção de censura do Chega, a 21 de fevereiro) “todos os esclarecimentos que eram devidos dentro dos limites que devia respeitar sobre informação de terceiros”.

“Como já se esperava, para alguns os esclarecimentos não foram suficientes. Nunca serão suficientes. (…) Este é o círculo vicioso que muitos desejam e de que muitos não querem sair”, acusou Montenegro.

Posteriormente, a 5 de março, no debate sobre a moção de censura do PCP no Parlamento, Montenegro chegou mesmo a recusar dar mais explicações, acusando os partidos da oposição de quererem “estar um ano e três meses a desgastar o Governo”. No entanto, sublinhou, “o Primeiro-Ministro não está aqui para dar para esse peditório. (…) Às vezes, tenho mais que fazer do que estar a responder-lhes todos os dias, senhores deputados”.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro.

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Luís Montenegro: “Fui o único candidato nas últimas eleições que disse ‘só serei Primeiro-Ministro se vencer as eleições'”

em entrevista à TVI, o Primeiro-Ministro referiu que foi o único candidato nas últimas eleições legislativas que garantiu que só governaria em caso de vitória nas urnas de voto.

“Só vale a pena estar aqui com a legitimidade da vontade popular”, começou por afirmar Luís Montenegro. “E por isso eu fui o único candidato nas últimas eleições que disse, olhos nos olhos aos portugueses, ‘eu só serei Primeiro-Ministro se vencer as eleições.'”

Foi mesmo o único?

Desde novembro de 2023, quando o anterior Primeiro-Ministro, António Costa, anunciou a sua demissão, de acordo com o registo de sondagens eleitorais legislativas do Grupo Marktest – que compila informação disponível no site da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social -, apenas o PSD e o PS foram apontados como possíveis candidatos à vitória nas eleições.

Dos líderes destes dois partidos, confirma-se que Montenegro foi o único a garantir que apenas seria Primeiro-Ministro se ganhasse as eleições.

Ou seja, colocando de parte uma solução à imagem da “geringonça” em 2015, quando o segundo partido mais votado (o PS) acabou por formar Governo, depois de derrubado o breve segundo Governo liderado por Pedro Passos Coelho (de coligação entre o PSD e o CDS-PP) e sustentado por acordos de incidência parlamentar com o BE, PCP e PEV.

No debate dos partidos com assento parlamentar, a 23 de fevereiro de 2024, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, deixou claro que assumiria o cargo de Primeiro-Ministro numa série de cenários distintos. “O PS governará se ganhar com maioria absoluta; governará se ganhar com maioria relativa mas conseguir encontrar uma maioria absoluta parlamentar, nomeadamente à esquerda; governará se, ficando em segundo, conseguir também construir uma maioria parlamentar à esquerda no Parlamento; governará se ganhar as eleições, num quadro de maioria de direita, tendo o PSD a não inviabilizar um Governo do PS.”

No mesmo debate, Montenegro já assumia a posição que esta segunda-feira relembrou em entrevista à TVI, dizendo: “Eu só serei Primeiro-Ministro e assumirei a liderança do Governo se vencer as eleições.”

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro.

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Pedro Nuno Santos: “Eu disse sempre que nós chumbaríamos uma moção de confiança”

Em entrevista à SIC Notícias, questionado sobre o voto do PS no debate da moção de confiança que será apresentada pelo Governo esta terça-feira na Assembleia da República, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, afirmou: “Sobre a moção de confiança, eu disse sempre que nós chumbaríamos uma moção de confiança.”

E é verdade. Logo na noite eleitoral de 10 de março, na sua primeira intervenção, depois de conhecidos os resultados, Pedro Nuno Santos assegurou: “Não aprovaremos moções de rejeição e agradecemos, também, que não sejam apresentadas moções de confiança porque também não as aprovaríamos.”

Para já, a posição do partido não falhou ao compromisso: os socialistas abstiveram-se nas moções de censura que o Chega e o PCP. Sobre a moção de confiança desta terça-feira, o partido também já anunciou o voto contra.

A afirmação de Pedro Nuno Santos é verdadeira. Desde o primeiro discurso pós-eleições legislativas de 2024 que o secretário-geral do PS avisou que o seu partido não aprovaria moções de confiança do novo Governo da Aliança Democrática.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro.

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Pedro Nuno Santos: “Depois de ser eleito Primeiro-Ministro, Montenegro decidiu criar uma empresa para continuar a receber avenças”

Numa entrevista em que reiterou que o PS não votará a favor da moção de confiança apresentada pelo Governo da Aliança Democrática (AD), mesmo que isso resulte em eleições antecipadas, Pedro Nuno Santos defendeu a importância de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a verdade e dissipar todas as dúvidas que subsistem em torno da Spinumviva, empresa de Luís Montenegro que entretanto passou a ser detida exclusivamente pelos seus filhos.

Para o líder do PS, “as suspeitas contra Luís Montenegro são graves“. Depois de expor uma série de factos e dúvidas sobre a atividade empresarial de Montenegro e dos seus familiares, questionado sobre se este é o caso mais grave de suspeitas envolvendo um Primeiro-Ministro que justifique uma Comissão Parlamentar de Inquérito, Pedro Nuno Santos acabou por cometer um lapso nesta afirmação:

“É um Primeiro-Ministro que decidiu, depois de ser eleito Primeiro-Ministro criar uma empresa, porque já não podia continuar a receber como advogado, criar uma empresa para continuar a receber avenças de empresários enquanto era Primeiro-Ministro.”

Posto isto, concluiu que “o que é grave e perigoso para a nossa democracia é nós fazermos de conta que não se passou nada e seguir caminho. Não, não. A melhor forma de defendermos o regime é apurar-se a verdade. Sermos transparentes e o Primeiro-Ministro ser transparente”.

O problema é que a empresa Spinumviva Lda. foi criada por Montenegro no dia 21 de janeiro de 2021, mais de um ano antes de ser eleito líder do PSD (maio de 2022) e mais de três anos antes de tomar posse como Primeiro-Ministro (abril de 2024).

Em resposta ao Polígrafo, o gabinete de Pedro Nuno Santos reconhece que “foi um engano“.

Recorde-se que Montenegro renunciou à gerência da Spinumviva em 2022, quando foi eleito líder do PSD. E doou as suas quotas à mulher (casado em comunhão de adquiridos, pelo que foi uma operação nula) e aos filhos em 2022, mais de um ano antes de ser eleito Primeiro-Ministro.

Avaliação do Polígrafo: Falso.

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Pedro Nuno Santos: “Nós nunca dissemos que iríamos chumbar o Orçamento do Estado”

Na véspera de votação da moção de confiança apresentada pelo Governo, Pedro Nuno Santos sublinhou – no que respeita à votação do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) – , que o partido não disse de antemão que iria chumbar a proposta do Governo, ao contrário de uma moção de confiança sobre a qual avisou que votaria sempre contra.

“Nós nunca dissemos que iríamos chumbar o Orçamento”, afirmou o líder do PS. Confirma-se?

Ainda que a posição do PS tenha oscilado ao longo do tempo, confirma-se que nunca anunciou um voto contra o Orçamento do Estado para 2025. E acabou mesmo por se abster.

A posição mais extremada do partido foi manifestada a 19 de março de 2024, poucos dias depois das eleições. Depois de ter reunido com Marcelo Rebelo de Sousa, o secretário-geral do PS referiu que seria “praticamente impossível” viabilizar o OE2025. “Não podemos pedir ao PS que seja o garante de um Governo com o qual discorda”, sublinhou Pedro Nuno Santos, citado pelo jornal “Diário de Notícias“.

Ao longo do tempo, a posição do PS foi suavizando. A 3 de julho do mesmo ano, em entrevista à RTP, já admitia a possibilidade de “viabilizar”, sublinhando que o PS não prescindiria de “ter uma palavra significativa” nas políticas que integrassem o OE.

Os meses foram passando e o PS foi reiterando a possibilidade de viabilizar o OE2025, sem se comprometer com certezas. Voltou a acontecer, por exemplo, a 6 de setembro, em declarações de Pedro Nuno Santos aos jornalistas na Feira de São Mateus, em Viseu, transmitidas pela RTP3.

É portanto verdade que o PS nunca disse que chumbaria o Orçamento do Estado para 2025. Pedro Nuno Santos chegou a referir que a viabilização do documento era “praticamente impossível”, mas nunca deixou cair o advérbio de modo e a posição do partido foi-se atenuando até à abstenção na votação.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro.

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