A ideia de negócio que venceu o ClimateLaunchpad 2018 — transformar resíduos industriais, dióxido de carbono (CO2) e água não potável em blocos para construção civil — é portuguesa. A start-up eCO2blocks nasceu de uma investigação da Universidade da Beira Interior. “Combater os efeitos da crise climática implica uma estreita colaboração entre a indústria e a ciência”, acredita Pedro Humbert, investigador que desenvolveu o projeto, em parceria com José Castro Gomes, professor do Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura.
O processo de fabrico dos eCO2blocks é 10 vezes mais rápido, o preço é 45% inferior, mas a mais-valia do produto é sobretudo ambiental: feitos a partir de escória de aço depositada em aterros e com águas residuais, os blocos endurecem pela exposição a carbonatos, em vez de secagem. “Além de redução de CO2 nas matérias-primas [a extração de areia e brita pesa na pegada ecológica dos blocos de cimento], estes blocos absorvem CO2 da atmosfera”, explica Pedro Humbert, agora CEO da eco2blocks, que prevê poder entrar na fase de comercialização já em 2020. A empresa tem usado carbono industrial para os testes, mas pretende vir a trabalhar com a suíça Climeworks, detentora de tecnologia capaz de filtrar CO2 do ar para utilização fabril.
Menos e melhor energia
O eCO2blocks é apenas uma proposta num mar de soluções alternativas para mitigar os efeitos do aquecimento global. O conhecimento, aliás, é fundamental para a criação de materiais e produtos mais ecológicos — em Guimarães, por exemplo, desenvolve-se o e-tijolo, feito a partir de beatas de cigarro, e da Argentina chega a notícia da criação de ladrilhos a partir de garrafas de plástico —, mas não só. O contributo que a ciência pode dar no combate à crise climática tem múltiplas vertentes.
O setor da energia é responsável por mais de 70% das emissões de carbono, o que demonstra a urgência da transição para fontes renováveis e torna mais relevantes projetos como o anunciado pela Universidade da Califórnia em maio: um nanogerador capaz de produzir eletricidade a partir da queda de neve sobre painéis solares. Mas “não faz sentido fazer a transição dos combustíveis fósseis para as renováveis sem atender à eficiência energética”, avisa Filipe Duarte Santos, investigador na área da física e especialista em alterações climáticas.
É preciso que os motores dos automóveis sejam otimizados, pensar na climatização, “que vai ser cada vez mais importante”, e fundamentalmente mudar comportamentos: consumir menos e com consciência. “Muitas vezes, as pessoas não querem as alterações climáticas, mas não estão dispostas a pagar o custo adicional de uma energia mais limpa”, lamenta.
A criação de formas de formas de armazenamento mais eficientes é também uma preocupação dos cientistas. Pode ser através de novas baterias de lítio-ar, como as que estão a ser testadas por cientistas da Universidade do Illinois e do Laboratório Nacional de Argonne, em Chicago, capazes de acumular cinco vezes mais carga do que as baterias de iões de lítio atualmente usadas nos carros elétricos, telemóveis e computadores. Ou explorando outros caminhos, como escolheram os investigadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que, segundo a edição de janeiro da revista Nature, estudam a transmissão de energia usando sinais de wi-fi, com resultados auspiciosos.
Capturar e armazenar o CO2
E se pudéssemos simplesmente “aspirar” o CO2 da atmosfera, ou impedi-lo de lá chegar, e assim reverter o aquecimento global? A ideia é tentadora, reconheceu o próprio presidente do Comité Científico da Academia de Ciências Europeia (EASAC, na sigla inglesa), o astrofísico Thierry Courvoisier, quando em 2018 apresentou um relatório sobre o tema. Mas há que refrear o otimismo. As “expectativas pouco realistas” geradas sobre as tecnologias de captura de CO2 podem ter consequências irreversíveis para as gerações futuras, lia-se no documento, citado pelo El País.
O reflorestamento é uma das estratégias mais simples e óbvias para remover CO2 da atmosfera — mas seria preciso plantar uma área verde do tamanho dos Estados Unidos para conseguir travar o aquecimento global, concluiu um estudo da Universidade de Zurique, publicado em julho na revista Science. E mesmo quando se fala de técnicas de captura e armazenamento do CO2 (CCS, na sigla usada internacionalmente) — que aprisionam o gás de forma a poder disponibilizá-lo para uso industrial ou retê-lo no subsolo — há entraves a ter em conta (nomeadamente o facto de ser aplicável apenas em centrais termoelétricas de muito grande dimensão e em certos tipos de subsolo).
O recurso a energia gerada a partir de biomassa, através do cultivo de árvores que absorvem CO2 que depois são queimadas e produzem eletricidade, enquanto os gases são retidos e enterrados (bioenergia com CCS) foi defendido pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), num relatório divulgado em agosto, embora com reservas. O método exige ocupações de solo muito extensas, e o crescimento desregulado de monoculturas pode levar a uma sobre-exploração dos solos e à extinção em massa de animais selvagens, sublinham os especialistas.
Fala-se também da captura direta do CO2 do ar, através do uso de filtros, soluções já desenvolvidas por empresas do Canadá e da Suíça. Mas além de cara, a proposta levanta outra questão: “Não há procura para o produto do esforço destas empresas nem uso para o CO2 retirado”, explica Filipe Duarte Santos.
Finalmente, a fertilização oceânica chegou a ser apresentada como alternativa, mas os países signatários da Convenção da Biodiversidade recusam-na. Trata-se de lançar grandes quantidades de ferro na água para estimular o crescimento de organismos, como fitoplânctons, que absorvem CO2 da atmosfera. Depois da morte, os corpos destes animais afundam e misturam-se com os sedimentos, permitindo o encerramento do carbono por muitos séculos. Mas o risco de a forte mortalidade do plâncton poder esgotar o oxigénio, gerando amplas zonas sem vida, é real. Os únicos testes realizados no mar — os EUA ficaram de fora do acordo — foram duramente criticados pela organização conservacionista World Wide Fund For Nature (WFF).
Limites da Geoengenharia
Embora toda e qualquer deliberada intervenção humana no clima seja uma forma de geoengenharia, as soluções que geram mais polémica não são as técnicas CCS, mas sim as de gestão da radiação solar (SRM em inglês).
Refletir a luz solar para o espaço de forma a obter uma diminuição da temperatura na terra é o objetivo. Há quem sugira a possibilidade de colocar espelhos gigantes em órbita, ou o lançamento de partículas de sulfato na estratosfera (imitando os efeitos da erupção dos vulcões). Ou ainda, como sugeriram investigadores do Instituto suíço de Ciência Atmosférica e Climática num artigo publicado na Science em 2017, a ideia de alterar a espessura e a quantidade dos cirros, nuvens altas, feitas de cristais de gelo e praticamente transparentes, que refletem muita da radiação emitida pela Terra.
Outras técnicas de SRM, como a iluminação da nuvem marinha (pela pulverização de sal marinho ou outras partículas nas nuvens marinhas para torná-las mais espessas e mais refletivas), têm uma eficácia localizada, reconhecida pelo IPCC. Mas com total segurança, o painel de especialistas apenas apresenta como caminho a modificação do albedo terrestre (coeficiente de reflexão) a partir do solo, com introdução de medidas arquitetónicas básicas, como telhados de clareamento, e/ou iniciativas mais ambiciosas, como a cobertura de desertos com folhas reflexivas.
Todos os métodos de gerenciamento de radiação solar são de ação rápida e comparativamente baratos. No entanto, nenhuma destas técnicas altera os níveis de concentração de CO2, algumas são impossíveis de testar em pequena escala e todas poderão ter consequências imprevisíveis. Isto além do “risco moral” de poderem reduzir a pressão política e pública para a redução de emissões, e das questões políticas que a geoengenharia levanta. Pode um país manipular o clima provocando consequências noutro?