Dos festivais de música às feiras medievais, os eventos ao ar livre são uma parte fundamental da programação cultural das aldeias, vilas e cidades durante o verão. Entre junho e setembro, algumas zonas que durante todo o ano vivem praticamente sem gente enchem-se de milhares de pessoas.
Ainda que o impacto económico, social e cultural possa compensar, com mais gente há também maior impacto ambiental nessas regiões, desde logo com a deslocação de milhares de pessoas em transportes movidos a combustíveis fósseis. No entanto, as organizações podem ter um papel relevante na mitigação destes efeitos. É o que defendem Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, e Marta Leandro, da Quercus, que, em entrevista ao Polígrafo, propõem um conjunto de atitudes a adotar pelos promotores destes eventos para diminuir a sua pegada ambiental.
Onde fica o evento?
O primeiro aspeto a ter em conta, sublinha Susana Fonseca, é “a localização”. Para a responsável da associação ambientalista Zero, é fundamental “utilizar espaços adequados à realização deste tipo de eventos, onde o ruído não seja um problema tanto para a natureza quanto para as pessoas”. Além disso, estas iniciativas não devem ter lugar “em zonas sensíveis com espécies protegidas”.
Nos casos de festivais com acampamento, a vice-presidente da Quercus, Marta Leandro, aconselha os organizadores a “localizar o acampamento junto de cursos de água, com algum aproveitamento desses recursos hídricos”.
Como se deslocam as pessoas?
Um fator a pesar na escolha do local do evento deve ser, na perspetiva das duas ambientalistas, as ligações ao recinto através de transportes coletivos. Susana Fonseca aconselha os promotores a privilegiarem espaços com “ligações a estações ferroviárias ou de camionagem que facilitem a movimentação de pessoas”, sem recorrer ao transporte individual.
No mesmo sentido, Marta Leandro propõe que a organização faça “um desconto no bilhete para quem se desloca em transporte colectivo”, por exemplo, através de uma parceria com empresas como a CP, permitindo que “o bilhete para o concerto sirva também, neste caso, de título de transporte”. Por outro lado, acrescenta, os promotores podem “organizar autocarros próprios, de preferência elétricos, quando o evento fica longe das linhas ferroviárias”.
Quais os materiais utilizados?
A utilização de materiais reutilizáveis e recicláveis “em detrimento dos de uso único” é outra das medidas propostas pela responsável da Zero. Susana Fonseca lembra que soluções como os copos, talheres e pratos reutilizáveis devem ser pensadas “de forma a poderem ser usadas múltiplas vezes e não apenas num evento em concreto”. Para isso, “os organizadores não devem gravar o ano do evento ou o nome do festival nestes materiais”.
“Para a reutilização ser eficaz é muito importante que seja partilhada. Portanto, não é preparar as coisas para um só festival, mas sim para vários. As empresas que disponibilizam estes utensílios aos eventos devem ter essa atenção, recolhendo-os no final do festival para poderem ser utilizados noutros”, sustenta.
Nesse sentido, Marta Leandro propõe que estes produtos reutilizáveis estejam sujeitos a uma caução, permitindo que as pessoas os possam devolver e recuperar o montante pago no final do evento.
De onde vêm os produtos?
Quanto à área da restauração, a dirigente da Quercus sugere “diminuir as cadeias de abastecimento, seja de que bens ou serviços for, e promover as cadeias de curta distância, para diminuir o impacto do transporte e promover a economia local”.
Noutro plano, Susana Fonseca recomenda que se evite o desperdício alimentar, nomeadamente através de “acordos para que os excedentes possam ser canalizados para instituições locais”, e que se disponibilize “cada vez mais soluções de base vegetal”.
“Não se trata de banir a proteína animal, mas haver mais alternativas e dar-lhes prioridade também é importante”, realça.
Já os brindes oferecidos pelos festivais e pelas marcas são “para banir”, porque, na visão da responsável da Zero, “na maioria das vezes, são coisas que acabam abandonadas num canto em casa ou no próprio recinto do festival, sem serem efetivamente úteis”.
“Casas de banho secas” e outras medidas
Outra medida referida pelas duas ambientalistas é que, sempre que possível, se utilizem “casas de banho secas”, ou seja, equipadas com sanitas que não necessitam de água para funcionar.
Para reduzir o consumo de água, Susana Fonseca refere também a importância de “condicionar o uso da água, seja com redutores de caudal, seja com temporizadores curtos nos chuveiros e nas torneiras”.
Quanto à energia, sugere que, sempre que possível, esta tenha origem em “fontes renováveis”, embora admita que, em muitas situações, isso possa não ser fácil, “porque estamos a falar de infraestruturas temporárias montadas para um festival que dura, às vezes, três ou quatro dias”.
Por fim, Marta Leandro defende que “as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) decorrentes do evento deveriam ser contabilizadas por uma entidade acreditada” e, por outro lado, poderiam ser “adotadas medidas de minimização dos impactos”, como a “aquisição de terrenos degradados para promoção da biodiversidade autóctone”.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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