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Disseram-vos que as escolas estão livres de amianto ou garantiram-vos?

Este artigo tem mais de um ano
Carmen Lima, engenheira do Ambiente e membro do Conselho Executivo da Confederação Portuguesa de Associações de Defesa do Ambiente, escreve sobre o amianto nas escolas.

O ano letivo de 2021/2022 foi marcado pelo Programa de Remoção do Fibrocimento nas escolas públicas portuguesas. A existência de fibrocimento nas coberturas dos pavilhões, edifícios e passadiços das escolas tem preocupado pais, encarregados de educação e funcionários das escolas. Desde 2011, aquando da publicação da lei que obriga à identificação de amianto nos edifícios públicos, tem existido uma grande pressão sobre os sucessivos governos e gestores públicos para a necessidade de dar atenção a à questão do amianto.

Inicialmente, o tema era tratado numa ótica do cumprimento legal, mas rapidamente se percebeu que este tema – por provocar ansiedade na população e poder ter uma forte incidência na vida das populações – poderia ser um bom tema para ser adotado pelos políticos e seus movimentos, para criar alarmismo social e pressão, levando a que estes mesmos políticos pudessem mostrar uma imagem da preocupação com a população. Além das visitas a feiras e mercados, haverá mais algum método que ganhe votos do que um político preocupado com pessoas?

À semelhança da fase da Covid-19, em que desfilavam pelos media tradicionais e pelas redes sociais verdadeiros especialistas em pandemias, doenças infeciosas ou saúde pública, sem uma única licenciatura em medicina, aqui também são vários os pseudo peritos em amianto. Estes, após lerem uns artigos do Google e da Wikipédia, abordam o tema de uma forma tão ligeira que chega a ser irresponsável. Mas o efeito foi conseguido. Temos atualmente uma população que vive apavorada com a existência de coberturas com amianto e movimentos de pais que exigem a remoção destas coberturas das escolas a todo o custo, sem imaginar que isso não irá garantir a proteção dos seus filhos contra o risco de exposição ao amianto. 

Face a isto, não houve esclarecimento nem informação, não faltou a resposta política, porque aqui cada voto conta e, num curto espaço de tempo, surgiu um financiamento para a sua remoção. No arranque deste ano letivo não haverá Presidente de Câmara que não aproveite o momento para afirmar que “as nossas escolas estão livres de amianto”. Os pais, os encarregados de educação e os funcionários ficarão contentes e num movimento coletivo todos vão vangloriar-se de orgulho pelo feito.

E se vos disser que nenhum Presidente de Câmara vos poderá garantir que as escolas estão livres de amianto? Se vos disser que no processo de remoção de fibrocimento das escolas não houve uma única empresa, nacional ou internacional, com certificação para remover amianto a realizar estas obras? Se vos disser que em muitos casos o fibrocimento foi removido com a escola a funcionar, durante a noite ou em pausas de fim-de-semana, que foi reocupada sem garantir que a mesma cumpria os requisitos da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a classificar como área limpa? Se vos disser que os fatos de proteção usados pelos trabalhadores (que devem ser substituídos a cada três horas) foram usados na remoção durante dias seguidos? Se vos disser que não houve nem planeamento nem orientações para que os Donos de Obra tivessem a noção dos requisitos e boas práticas que deveriam ser implementados neste tipo de intervenção para que estes verificassem a sua aplicação nos planos de trabalho de remoção de fibrocimento nas escolas? Despois deste tipo de intervenções, acham mesmo que estamos num momento para celebrar? 

As fibras de amianto, usadas desde a antiguidade (por exemplo, no revestimento de múmias no Egito) foram incorporadas numa variedade de cerca de 3.000 materiais, produtos ou equipamentos, e as coberturas são apenas um deles. O Centro Internacional de Investigação do Cancro (CIIC) reconheceu o amianto como um agente cancerígeno comprovado (grupo 1), responsável por doenças como a asbestose, cancro do pulmão e mesotelioma (cancro da pleura), bem como pelo cancro da laringe e dos ovários. O mesmo organismo sublinhou que deve ser promovida a investigação sobre outros tipos de cancro provocados pelo amianto, bem como sobre outras doenças, lembrando que foi observado um risco acrescido de cancro em populações expostas a níveis muito reduzido de fibras de amianto, por considerar que este pode causar outras patologias não malignas do pulmão e da pleura, incluindo placas pleurais, espessamento pleural e derrames pleurais benignos.

Há cada vez mais estudos que comprovam os seus efeitos, o que reforça a importância de legislar sobre este tema. Em 2015, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) considerou que o amianto deveria ser um tema prioritário e o Parlamento Europeu (PE) assumiu este compromisso em 2021, propondo à Comissão Europeia (CE) a determinação da Estratégia Europeia para a Remoção de todo o Amianto (ESRAA) no seguimento da posição do CESE. 

Em 2014, quando participei na audição do CESE para a elaboração deste Parecer, apresentei a realidade da situação portuguesa – a falta de regulação do setor, a proliferação de empresas sem capacitação para trabalhar com amianto, a remoção sem critérios de segurança e o encaminhamento inadequado dos resíduos. Hoje, não mudaria muito a minha abordagem. Se apresentasse este Plano de Remoção de Fibrocimento nas Escolas Públicas, da forma como foi feito, iria obter dos peritos o mesmo ar de perplexidade que obtive em 2014 com as outras situações.

Voltando às nossas escolas públicas, fazer uma intervenção em edifícios apenas para garantir a remoção das coberturas em fibrocimento – sem um diagnóstico prévio, sem saber onde foi incorporado o amianto e sem identificar o risco de cada situação e garantir que cada obra irá permitir remover todos materiais ou equipamentos com amianto que colocam a saúde dos seus utilizadores em risco, ou sem aproveitar a intervenção para melhorar o desempenho energético do edifício – reflete desconhecimento e falta de planeamento. Manipular a população para este tipo de mobilizações sem a esclarecer, assustá-la e depois gastar de forma ineficiente os fundos de financiamento atribuídos às autarquias com um único objetivo – a procura de projeção pública e partidária – e mais grave de tudo afirmar que com isto se conseguiu livrar as escolas do amianto, sem poder garantir que estas realmente estão livres de amianto, é perverso e irresponsável. 

Lembro-vos da Escola Secundária de Cascais que, apesar de ter coberturas em fibrocimento, na prática, após a avaliação à qualidade do ar, o que foi considerado preocupante e levou ao encerramento de duas salas de aula foi o facto de se ter identificado valores de fibras de amianto em suspensão acima do limite legal, que estavam a ser libertadas do pavimento em vinil, levando a que os alunos, professores e outros funcionários, tivessem que ser prevenidos do risco da sua inalação.

São essas as razões que levam a que o Parlamento Europeu considere fundamental o diagnóstico prévio, bem como outros aspetos importantes e que deverão ser considerados prioritários, não só em matéria de diagnóstico como de todo o outro tipo de trabalho com amianto, como uma remoção segura, que mesmo podendo ser uma tarefa difícil e urgente, deve ter uma abordagem abrangente e integrada que ligue vários domínios da intervenção, onde a segurança das condições de trabalho são a prioridade principal.

Intervencionar todas as escolas, sem exceção, é realmente uma prioridade. Mas esta intervenção terá que ser realizada com o objetivo da remoção total do amianto, feita com rigor, seriedade e com o cumprimento escrupuloso dos critérios técnicos, por forma a prevenir a saúde de todos os intervenientes. O planeamento dos trabalhos e a abordagem do amianto numa perspetiva da sustentabilidade é cada vez mais importante. O próprio Pacto Ecológico Europeu estabelece regras para a nova vaga de renovação do edificado comunitário e define regras para desencadear esta renovação assente na promoção da eficiência energética de milhões de edifícios na União Europeia, onde podem ser encontradas fibras de amianto. O Plano Europeu de Luta contra o Cancro ou os princípios da Economia Circular constituem igualmente uma oportunidade da UE e os Estados-Membros terem em conta a natureza transversal da ameaça do amianto para a saúde e garantirem que a sua remoção se realize de uma forma mais eficiente possível, no que respeita à saúde e segurança das pessoas. O planeamento e a organização das intervenções, assim como o seu financiamento, deve ser adequado, num momento em que a chave da estratégia europeia passa por eliminar totalmente o amianto, podendo para isso aproveitar os apoios financeiros estabelecidos pelo Plano de Recuperação e Resiliência de cada Estado-Membro, minimizando desta forma desigualdades sociais, ambientais e sanitárias, muitas vezes envolvendo grupos sociais mais vulneráveis.

Se os sucessivos governos tivessem já integrado este tema numa Estratégia Nacional, teriam antecipado as recomendações propostas pelo PE e Portugal poderia agora ser um dos países referenciados como um Estado-Membro exemplo, à semelhança da Polónia, de França, da Alemanha ou dos Países Baixos.

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EMIFUND

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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