A música é o mais importante, mas a qualidade dos artistas não é a única bandeira que os festivais de verão estão empenhados em hastear. Com a crescente consciencialização da sociedade para os problemas ambientais, há cada vez mais eventos a içar a bandeira da sustentabilidade, promovendo medidas como a utilização de copos reutilizáveis em vez de descartáveis. Mas será esta uma medida mais “verde” ou um caso de greenwashing? Os copos reutilizáveis são mesmo mais sustentáveis do que os de uso único?
O Polígrafo contactou duas especialistas e uma criadora de conteúdos digitais sobre sustentabilidade e a resposta foi a mesma: depende do número de utilizações de cada copo.
Antes de mais, a engenheira do ambiente Carmen Lima explica que “não há nenhum material que seja completamente sustentável, pois todos têm impacto ambiental”. No entanto, garante, é possível “diminuir este impacto ambiental para que se consiga gerir de uma forma mais eficiente os recursos”, nomeadamente através do uso de copos não descartáveis.
“Se compramos um copo reutilizável para usar exclusivamente um ano num festival, isto é greenwashing. Está a associar-se uma classificação de sustentabilidade àquele evento quando, na prática, não é realmente sustentável, por haver o consumo de um recurso natural que depois não é reaproveitado”. (Carmen Lima)
Na perspetiva da especialista é necessário, contudo, assegurar que a utilização de cada copo seja repetida o maior número de vezes possível, já que os copos reutilizáveis são mais pesados e, durante a sua produção e o seu transporte, podem consumir mais recursos do que os de uso único, tal como explicam vários estudos.
“Se compramos um copo reutilizável para usar exclusivamente um ano num festival, isto é greenwashing (prática em que se transmite uma falsa impressão de que uma entidade é mais ecológica do que realmente é). Está a associar-se uma classificação de sustentabilidade àquele evento quando, na prática, não é realmente sustentável, por haver o consumo de um recurso natural que depois não é reaproveitado”, sustenta.
Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, não vai tão longe por considerar que o greenwashing é mais grave quando “há intenção de apresentar qualquer coisa como sendo ambientalmente melhor e se sabe que, no fundo, não é”, o que, na sua opinião, “não é o que acontece no caso dos festivais de verão”.
“Nós precisamos de empresas que ofereçam o serviço da reutilização de copos para que estes sejam usados em vários festivais”. (Susana Fonseca)
Para a especialista, o objetivo da maioria dos festivais não é “enganar as pessoas”, mas sim passar uma “mensagem positiva” e “investir numa solução de reutilização numa lógica construtiva”. No entanto, a representante da Zero concorda que é fundamental “melhorar o sistema”. “Nós precisamos de empresas que ofereçam o serviço da reutilização de copos para que estes sejam usados em vários festivais. O importante é termos esta oferta de reutilizáveis em diferentes eventos e não festival a festival, cada um com o seu copo. Esta ideia da posse não é sustentável ”, sublinha.
Do ponto de vista de Susana Fonseca, uma solução simples seria as marcas, nomeadamente as cervejeiras, que patrocinam vários eventos “reutilizarem os mesmos copos com a sua marca em diferentes festivais”. No mesmo sentido, Carmen Lima sugere que as marcas “não personalizem estes copos com o ano do festival ou com qualquer coisa que vincule aquele objeto a um ano ou a um evento apenas”. Além disso, defende a engenheira do ambiente, “é importante permitir que os festivaleiros utilizem o copo da edição anterior no ano seguinte”.
Questionada pelo Polígrafo, a criadora de conteúdos digitais sobre sustentabilidade e fundadora da Do Zero, Catarina Barreiros, defende ser necessário também consciencializar os festivaleiros para a importância de utilizar o máximo de vezes possível um copo. Para a influenciadora com mais de 80 mil seguidores, “os incentivos financeiros são sempre os que acabam por funcionar melhor, porque ninguém gosta de perder dinheiro”.
Na sua perspetiva, o pagamento de uma caução aquando da aquisição do copo que será devolvida no final do evento aquando da entrega do copo é uma medida positiva. Mas Catarina Barreiros vai mais longe: “O festival também pode decidir que, se alguém encontrar copos no chão ou abandonados e os for entregar, recebe uma recompensa monetária por esse ato”. Assim, acredita, “as pessoas não deixam os copos ao abandono e impedem que estes vão parar ao lixo ou ao rio, por exemplo”.
“Os incentivos financeiros são sempre os que acabam por funcionar melhor, porque ninguém gosta de perder dinheiro”. (Catarina Barreiros)
Além destas medidas, a criadora de conteúdos digitais considera essencial disponibilizar apenas opções reutilizáveis para evitar que a conveniência vença. “Se não houver alternativa de uso único e as pessoas tiverem de pagar por um reutilizável, muito provavelmente vão andar com um reutilizável e vão enchê-lo várias vezes. Se tiverem as duas opções disponíveis, isso pode ser um problema”, conclui.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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