“Infelizmente, tomámos o oceano por garantido e agora vivemos numa emergência oceânica. Temos de mudar a maré”. Foram estas as palavras escolhidas pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) para dar o mote à Conferência dos Oceanos, realizada de 27 de junho a 1 de julho, em Lisboa. António Guterres aproveitou a ocasião para lembrar que “o aquecimento global está a conduzir as temperaturas do oceano a níveis recorde, criando tempestades mais frequentes e mais fortes”.

“Infelizmente, tomámos o oceano por garantido e agora vivemos numa emergência oceânica. Temos de mudar a maré”.

Este não é o primeiro alerta emitido nos últimos anos sobre a importância de proteger a extensão de água salgada que cobre a maior parte da superfície da Terra, mas há quem continue a negar fenómenos como a acidificação dos oceanos, o degelo no Ártico e a subida no nível médio das águas do mar. O Polígrafo consultou os relatórios mais representativos sobre esta matéria e conversou com o investigador do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR), Rui Pimenta Santos, para desconstruir estas ideias erradas sobre o impacto das alterações climáticas nos oceanos.

A acidificação dos oceanos é mentira?

Uma das teorias partilhadas nas redes sociais é a de que os oceanos não se estão a tornar mais ácidos, ou seja, que o seu ph não está a diminuir. Em resposta a esta tese, Rui Pimenta Santos não deixa margem para dúvidas: “a acidificação dos oceanos, do ponto de vista da ciência, está mais que provada e isso está a ser medido ao longo do tempo”.

A afirmação do biólogo é confirmada pelo relatório “Estado do Clima Global em 2021” publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). O documento adianta que “a atual taxa global de acidificação oceânica excede, em pelo menos uma ordem de grandeza, as taxas inferidas para o máximo térmico Paleoceno-Eocénico (PETM), que ocorreu há cerca de 56 milhões de anos”.

No mesmo plano, um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, publicado em 2019, considera muito provável que o oceano tenha absorvido “entre 20% a 30% do total de emissões antrópicas (resultantes da ação humana) de CO2 desde os anos 1980, o que causou uma acidificação do oceano adicional”. E esta acidificação é uma ameaça? Sim, para os ecossistemas, para a segurança alimentar e para o turismo, por exemplo, explicam os cientistas.

O degelo é uma farsa e o gelo no Ártico está a aumentar?

As subidas ocasionais da expansão do gelo marinho do Ártico são usadas muitas vezes para sustentar a ideia de que o degelo não está a acontecer. No entanto, tal como o Polígrafo já verificou anteriormente, a tendência de diminuição da quantidade de gelo neste oceano é real.

Nesse sentido, o investigador do CCMAR confirma ao Polígrafo que “infelizmente, a diminuição do gelo no Ártico é extraordinária”. Rui Pimenta Santos acrescenta que é, aliás, essa circunstância “que provoca o feedback positivo na continuação da diminuição”, porque “as condições que levam ao degelo são aumentadas de cada vez que há menos área de gelo”. E porquê? “O gelo é branco e reflete a energia solar. Por isso, à medida que derrete, a cor passa de branco para escuro - que é o tom da água líquida - e o escuro absorve mais calor, aumentando a taxa de degelo”, explica o biólogo.

Também o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) aponta na mesma direção. Num documento dedicado a explicar o “encolhimento” do gelo do Oceano Ártico, a autoridade lembra que “desde que as medições por satélite começaram há 40 anos, cerca de metade da área de gelo marinho no Ártico foi perdida”, algo que considera ser uma “manifestação visível do aquecimento global”.

O nível médio das águas do mar não está a subir?

Nas publicações negacionistas do degelo é frequente ler-se também que a subida do nível médio das águas do mar não está a acontecer. No entanto, não é isso que diz a ciência, nem o biólogo Rui Pimenta Santos. “Os modelos que estão feitos e que estão constantemente a ser melhorados, indicam que a taxa com que o nível médio da água do mar está a crescer vai aumentar muitíssimo e vai-se notar cada vez mais”, sublinha o investigador.

Segundo os dados disponibilizados pelo Serviço de Monitorização do Meio Marinho do programa Copernicus, o nível médio das águas do mar “aumentou a uma taxa média de 3,2 milímetros por ano desde 1993, representando um aumento total de cerca de 9 cm entre 1993 e 2021”.

A mesma fonte indica que “cerca de 30% do aumento do nível médio das águas do mar pode ser atribuído à expansão térmica do oceano”, sendo que também contribui para esta subida “o derretimento de glaciares e das camadas de gelo polar”.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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